1 – Pergunta enviada pelo leitor:
No contrato de seguro, a participação em
"racha" implica a perda da cobertura contratada?
O risco é elemento básico da relação
contratual securitária. Por isso, esse tipo de contrato classifica-se
doutrinariamente como um contrato
aleatório, isto é, um negócio jurídico bilateral condicionado ao risco de ocorrência
de um evento futuro e incerto (sinistro).
O risco de sinistro também justifica que o
segurado pague uma remuneração ao segurador. A essa remuneração dá-se o nome de
“prêmio”. Portanto, prêmio é a contraprestação que o segurado paga pela
garantia do seu interesse legítimo, que pode envolver pessoa ou coisa, diante
de riscos predeterminados, como está a denotar o art. 757 do CC:
Art.
757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do
prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a
coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato
de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
O fator risco no contrato de seguro é tão
importante que, no curso do século XX, desenvolveu-se até mesmo, dentro da
ciência matemática, o campo da atuária, cujo objeto diz respeito aos cálculos matemáticos
utilizados pelas companhias de seguros para determinar o preço das apólices a
partir do estudo das probabilidades que conduzem a acidentes e sinistros. A
lógica é: quanto maior a probabilidade, maior o risco; logo, maior será o valor
cobrado a título de prêmio pelo segurador.
Desse modo, verifica-se que o risco é
elemento essencial do contrato de seguro, no que se constitui o seu fator
aleatório determinante. Por isso mesmo é nulo o contrato para garantia de risco
proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de
um ou de outro (CC, art. 762).
Caso essa álea (fator sorte) do risco venha a
ser alterada propositalmente pelo segurado, então temos que a natureza do
contrato de seguro se desnatura. O agravamento do risco pelo contratante de
seguro viola a boa-fé – um dos deveres anexos ou acessórios de conduta em qualquer
negócio jurídico -, a impedir que a relação contratual desenvolva-se de maneira
proba, honesta, ética. Em decorrência disso, o art. 768 do CC sanciona o
comportamento antiético do segurado com a perda do direito à garantia:
Art.
768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o
risco objeto do contrato.
Como exemplo prático de hipótese na qual a
parte contraente agrava intencionalmente o risco do objeto do contrato, temos a
participação em “rachas” ou “pegas” nas ruas de cidades. Com efeito, o segurado
que participa com seu veículo, ou deixa alguém participar, de disputa
automobilística não autorizada está efetivamente a incrementar a álea de ocorrência do sinistro. Com tal
atitude, o segurado está a criar intencionalmente um risco não contratado,
porquanto não se cogita que alguém possa contratar seguro de carro com o
objetivo de protegê-lo de acidentes em competições automobilísticas ilegais nas
vias urbanas.
Assim, podemos concluir que o segurado que de
qualquer modo se envolve em “rachas” ou “pegas” está a criar um risco não
previsto no pacto securitário. Logo, ao agir de má-fé, configura-se manifesto
abuso de direito, a afastar o segurado dos limites estabelecidos
para o exercício da garantia contratual.
Violando as cláusulas
do contrato de seguro, o segurado fica desapercebido da garantia do seu
interesse, que já não é mais legítimo, contra os riscos que criou com sua
conduta imprudente e temerária de participação em "rachas" e "pegas". Consequentemente, perde o seu direito à
garantia da proteção contratual e fica sem indenização securitária, a assumir
sozinho o risco na virtual ocorrência de sinistro.
Precedente
recomendado no STJ: REsp 1.368.766/RS
Nenhum comentário:
Postar um comentário