► Questão:
No Direito Processual Civil, no bojo do processo de execução, quais as consequências da inércia do credor? A inércia do credor, por si só, autoriza o juiz a presumir a satisfação do crédito exequendo? Ou, por outras palavras, o juiz pode declarar extinto o processo de execução pelo pagamento diante da atitude do credor exequente que, apesar de devidamente intimado, vem a quedar-se inerte? O que entende o STJ a esse respeito?
No Código de Processo Civil, as hipóteses de extinção
da execução estão previstas no art. 924, in
verbis:
Art.
924. Extingue-se a execução quando:
Basicamente, as interrogantes estão a versar sobre o processo de execução. Fala-se em
extinção do processo executivo após deflagrado o entendimento presumido de que a dívida teria sido
quitada por força da inércia do credor. Diante disso, a hipótese que se está a
invocar é a do inc. II do art. 924, isto é, a extinção que ocorre como “consequência
natural” da obrigação exequenda satisfeita.
Nesse passo, uma primeira questão jurídica
relevante consiste em saber se, na hipótese em que tenha havido crédito exequendo remanescente, é possível presumir a quitação da dívida apenas
com base no silêncio do credor frente aos atos do executado direcionados à satisfação da obrigação. A resposta a
essa interrogante é negativa, tal como já definiu o STJ no tema 289 dos recursos especiais
repetitivos (grifo meu):
PROCESSO
CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC.
EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃO
DA DÍVIDA. ARTIGO 794, I, DO CPC. ERRO NO CÁLCULO DO VALOR EXECUTADO (EXCLUSÃO
DE PARCELA CONSTANTE DA SENTENÇA EXEQUENDA). COISA JULGADA. OCORRÊNCIA. ARTIGO 463,
I, DO CPC. RENÚNCIA TÁCITA AO SALDO REMANESCENTE QUE NÃO FOI OBJETO DA
EXECUÇÃO. CONFIGURAÇÃO.
1. A renúncia ao crédito exequendo remanescente, com a
consequente extinção do processo satisfativo, reclama prévia intimação, vedada
a presunção de renúncia tácita.
2.
A extinção da execução, ainda que por vício in judicando e uma vez transitada
em julgado a respectiva decisão, não legitima a sua abertura superveniente sob
a alegação de erro de cálculo, porquanto a isso corresponderia transformar simples petitio em ação rescisória imune ao
prazo decadencial.
3.
Deveras, transitada em julgado a decisão de extinção do processo de execução, com
fulcro no artigo 794, I, do CPC, é defeso reabrí-lo sob o fundamento de ter
havido erro de cálculo.
[...]
5.
Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do
CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ,
CE – Corte Especial, REsp 1143471/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 03/02/2010, p. DJe
22/02/2010)
Significa dizer que, na hipótese de extinção
da execução pela satisfação da obrigação, prevista no inc. II do art. 924 do
CPC-2015 (correspondente ao art. 794, I, do CPC-1973), o juiz deve necessariamente
determinar a intimação do credor, a fim de que este possa manifestar-se quanto
à adequação e/ou suficiência do ato do executado que está a reclamar a extinção
do crédito exequendo.
Uma vez intimado a manifestar-se sobre os atos praticados pelo executado, caso o credor venha a
quedar-se inerte, aí a jurisprudência do STJ autoriza presumir que a obrigação,
concernente ao crédito exequendo, foi integralmente satisfeita, a acarretar a extinção da execução (grifo meu):
PROCESSUAL
CIVIL. EXECUÇÃO. VERBAS SUCUMBENCIAIS. DEPÓSITO EFETUADO PELO EXECUTADO.
INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE POR MEIO DA IMPRENSA OFICIAL. INÉRCIA.
SENTENÇA QUE EXTINGUIU A EXECUÇÃO, COM BASE NO ART. 794, I, DO CPC. ALEGAÇÃO DE
DEPÓSITO INSUFICIENTE, EM SEDE DE APELAÇÃO. PRESUNÇÃO
DE SATISFAÇÃO DO CRÉDITO. PRECEDENTES.
1.
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que "tendo o
advogado das partes silenciado e nada requerido após intimados pela impressa
oficial para manifestar se ainda havia algo a requerer no processo de execução,
correto, pois, o procedimento do magistrado de primeira instância que extinguiu
a execução, por presumir, diante da falta de manifestação da exequente,
satisfeita a pretensão executória" (EREsp 844.964/SP, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 09/04/2010). Em razão do princípio
constitucional da isonomia, que rege a relação processual, esse entendimento,
aplicado em favor da Fazenda Pública, também deve ser utilizado quando o
particular for o executado.
2.
No presente caso, trata-se de execução provisória, referente à verba
sucumbencial, logo não há a necessidade da intimação pessoal da Fazenda Pública
do Estado de São Paulo, acerca do depósito efetuado pelo executado, sendo suficiente
a intimação do exequente por meio da imprensa oficial.
3.
Dessa forma, como consta dos autos, a publicação do despacho dando ciência do
depósito e a ausência de impugnação do exequente sobre o valor executado, faz
presumir a satisfação da obrigação, impondo-se a extinção do processo, com
fundamento no artigo 794, inciso I, do CPC.
4.
Agravo regimental não provido.
(STJ,
T2 – Segunda Turma, AgRg no AREsp 11147/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,
j. 16/08/2011, p. DJe 23/08/2011)
Porém, o que acontece se o credor,
devidamente intimado, silenciar sobre a execução em hipótese na qual os elementos trazidos aos autos pelo devedor não induzam a conclusão de que houve o pagamento da obrigação? Essa inércia do credor, por
si só, autoriza que o juiz declare extinta a demanda executiva, a presumir o
pagamento, mesmo quando não haja elementos nos autos que possam atestar que a obrigação foi satisfeita?
Nesse ponto, o STJ já entendeu que, para extinguir-se a ação executiva pelo pagamento (CPC, art. 924, II), é necessária a comprovação nos autos
de que a obrigação foi satisfeita. Desse modo, fica desautorizada a presunção de pagamento pela inércia do credor, salvo nas hipóteses de presunção legal. Exemplificativamente:
1) CC, art. 322: presunção do
pagamento das cotas anteriores quando paga a última cota sucessiva;
Art.
322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última
estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as
anteriores.
2) CC, art. 323: presunção do
pagamento dos juros, quando há quitação do capital sem reserva destes;
Art.
323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos.
3) CC, art. 324: presunção do
pagamento da dívida representada por título de crédito, quando o devedor
estiver na posse da cártula.
Art.
324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.
Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim
operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do pagamento.
Nas hipóteses em que a lei autoriza a
presunção do pagamento, o juiz pode proceder à
extinção da execução pelo pagamento quando o credor, apesar de devidamente intimado,
permanece inerte. Porém, quando essa presunção legal inexiste, a inércia do credor, ainda que intimado pessoalmente,
não autoriza de per si a extinção da ação executiva pelo
pagamento, se os documentos juntados pelo devedor não se mostrarem aptos a
permitir tal conclusão.
Nesse sentido, trago para o leitor o acórdão
da Terceira Turma do STJ (grifo meu):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO
MONOCRÁTICA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE
RECURSAL. REQUISITOS ATENDIDOS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 275, 277 E 354 DO CÓDIGO
CIVIL E 148 DA LEI DE FALÊNCIAS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. INTIMAÇÃO JUDICIAL. INÉRCIA DO CREDOR. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃO DO
DÉBITO. EXTINÇÃO DO FEITO COM BASE NO ART. 794, I, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE NO
CASO CONCRETO. 1. A presença de contradição, omissão ou obscuridade justifica o
cabimento de embargos de declaração contra qualquer decisão, monocrática ou
colegiada. 2. Para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, basta
que seja observado o prazo do recurso considerado correto e não se configure a
hipótese de erro grosseiro. 3. A falta de prequestionamento dos dispositivos
legais apontados como violados impede o conhecimento do recurso especial quanto
à questão federal neles tratada. 4. A extinção da execução pelo pagamento
requer a necessária comprovação nos autos, estando desautorizada a presunção a
seu respeito, salvo nas hipóteses de presunção legal, a exemplo daquelas
previstas nos arts. 322, 323 e 324 do Código Civil. 5. Havendo presunção legal,
o juiz pode extinguir a execução pelo pagamento se o credor, devidamente
intimado – independentemente se de forma pessoal ou por publicação no órgão
oficial – a manifestar-se sobre os documentos e alegações do devedor, sob pena
de extinção pelo pagamento, quedar-se inerte. 6. Contudo, na falta de presunção
legal, nem mesmo a intimação pessoal do credor autoriza a extinção pelo
pagamento se os documentos e alegações do devedor não se mostrarem aptos a
permitir tal conclusão. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e provido em
parte.
(STJ,
T3 – Terceira Turma, REsp 1.513.263/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17/05/2016,
p. DJe 23/05/2016)
No fundamento jurídico de fundo desse
precedente repousa o entendimento de que, na falta de presunção legal, se fosse
permitido ao juiz extinguir a execução pelo pagamento, presumindo-o diante da simples
inércia do credor, ainda que devidamente intimado, ele estaria a atribuir ao
silêncio do exequente uma consequência sem respaldo na lei e, portanto, processualmente
inadmissível.
Logo, para fins de extinção do processo executivo pela satisfação da obrigação (CPC, art. 924, II), é preciso que, paralelamente à inércia do credor, haja lastro probatório mínimo de que o pagamento do crédito exequendo foi efetivamente realizado pelo devedor.
Logo, para fins de extinção do processo executivo pela satisfação da obrigação (CPC, art. 924, II), é preciso que, paralelamente à inércia do credor, haja lastro probatório mínimo de que o pagamento do crédito exequendo foi efetivamente realizado pelo devedor.
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