► Questão de prova:
Dentre as hipóteses constitucionais que vedam à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos,
quais delas são autoaplicáveis?
Essa é uma questão relativamente simples.
Embora não seja difícil chegar à sua resposta correta (basicamente, ela está no
texto literal da CF/88), há uma classificação doutrinária clássica
das normas constitucionais que subjaz à pergunta. Assim, sem embargo de a
questão versar eminentemente sobre Direito Tributário, iniciarei minha
explicação para o leitor, a recordar aspectos da teoria do Direito
Constitucional.
Nesse passo, a fim de classificar as normas
constitucionais, a proposta de José Afonso da Silva está a destacar-se na
doutrina brasileira. Segundo lição tradicional desse constitucionalista, quanto
à sua eficácia, as normas constitucionais podem ser de três tipos:
1) normas
constitucionais de eficácia plena: produzem imediatamente seus efeitos,
independentemente de complementação legal;
2) normas
constitucionais de eficácia limitada: só produzem seus efeitos depois
de regulamentadas em lei; e
3) normas
constitucionais de eficácia contida: produzem imediatamente seus
efeitos, mas a lei que as regulamentar pode restringir o seu alcance.
A classificação de José Afonso da Silva é largamente
difundida na doutrina nacional. Apesar disso, ela não é única. Muitos outros
doutrinadores estão a propor critérios próprios de classificação (Maria Helena
Diniz, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes etc.). Nem de longe o assunto é
pacífico, portanto.
Presente esse contexto de múltiplas
classificações doutrinárias, é importante o leitor recordar a classificação clássica
da doutrina estadunidense, que separa as normas constitucionais em dois tipos:
1) normas
constitucionais autoexecutáveis ou autoaplicáveis (self executing provisions): são as normas que têm aplicabilidade
direta e integral, não dependendo de lei infraconstitucional regulamentadora; e
2) normas
constitucionais não autoexecutáveis ou não autoaplicáveis (not self executing provisions): são as normas que não têm
aplicabilidade direta e integral, dependendo de lei infraconstitucional
regulamentadora para produzir seus efeitos.
A classificação supracitada - hoje em franco
desuso - foi elaborada pela doutrina clássica dos constitucionalistas oriundos
dos Estados Unidos da América. No Brasil, teve como seu grande entusiasta o
jurista Rui Barbosa, que tratou, com seus escritos jurídicos, de difundi-la na academia
brasileira.
Recordadas essas breves lições
doutrinárias, que considero fundamentais para uma compreensão mais profunda dos
elementos teóricos do Direito Constitucional subjacentes à pergunta, vejamos
agora, caro leitor, a resposta da questão à luz da dogmática do Direito
Tributário.
Inicialmente, impõe-se a consulta ao texto da
Constituição de 1988, notadamente o disposto no seu art. 150, VI:
Art.
150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
omissis
a)
patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
c)
patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
e)
fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras
musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral
interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou
arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de
mídias ópticas de leitura a laser. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013)
Genericamente, o art. 150 da Constituição de
1988 está a prever limitações ao poder de tributar do Estado. Tais limitações abrangem
normas negativas de competência, a delimitar a competência tributária dos entes
subnacionais ante a previsão de determinadas situações que não servem como
hipótese de incidência de tributos. A essas normas negativas de competência
dá-se o nome doutrinário de imunidades
tributárias. Desse modo, as imunidades tributárias impedem os entes federativos
(a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) de exercerem o seu
poder tributante (eles não têm competência para fazê-lo; não têm o poder
necessário para instituir o tributo). No caso específico do inc. VI do art. 150
da CF/88, o legislador constituinte estabeleceu hipóteses de imunidades
tributárias aplicáveis exclusivamente a impostos,
de modo que nenhuma outra espécie tributária (contribuições ou taxas, por
exemplo) está abrangida pela norma imunitória.
Mas, a partir da classificação das normas
constitucionais, nem todas as hipóteses de imunidade de impostos - elencadas no
art. 150, VI, da Constituição- estão a corresponder a normas constitucionais
autoaplicáveis. Com efeito, a imunidade tributária dos partidos políticos,
sindicatos de trabalhadores e entidades educacionais e assistenciais sem fins
lucrativos está a reclamar lei regulamentadora, a obstaculizar a sua eficácia
plena, o que não ocorre nas demais hipóteses. Foi exatamente esse o cerne da
pergunta formulada, de modo que a resposta pode ser sumariada neste esquema,
que preparei para o leitor à luz da Constituição:
1) Imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a): norma constitucional autoaplicável
(ou de eficácia plena);
2) Imunidade tributária religiosa ou dos templos de qualquer culto (CF,
art. 150, VI, a): norma constitucional autoaplicável (ou de eficácia plena);
3) Imunidade tributária dos partidos, sindicatos, entidades educacionais e
assistenciais (CF, art. 150, VI, b): norma constitucional não autoaplicável (ou de eficácia limitada);
4) Imunidade tributária cultural ou dos livros, jornais, periódicos e do
papel para sua impressão (CF, art. 150, VI, c): norma constitucional autoaplicável (ou de eficácia plena);
5) Imunidade tributária musical ou dos fonogramas e videofonogramas
musicais (CF, art. 150, VI, e): norma constitucional autoaplicável (ou de eficácia plena).
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