quinta-feira, 31 de maio de 2012

DO PRAZO DO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE NATUREZA CRIMINAL: breves notas sobre o enunciado 699 da súmula de jurisprudência do STF em face do precedente firmado no ARE 639.846 AgR-QO/SP


1 - Breve introdução histórica ao recurso de agravo no CPC

No processo civil, historicamente, o agravo foi eleito pelo legislador como sendo o recurso cuja hipótese de cabimento dar-se-ia para arrostar decisões interlocutórias. Segundo a conformação original do Código Buzaid, esse agravo - dito "agravo de instrumento" - seria inclusive cabível contra quaisquer decisões interlocutórias, facultando-se ao recorrente a sua interposição na modalidade retida (CPC, art. 522, § 1º, em sua redação original).

A Lei 5.925, ainda em 1973, ano da edição do Código, já cuidara de alterar o caput do art. 522. Porém, modificação significativa mesmo da sistemática desse recurso deu-se com o advento da Lei 9.139/95, que deu nova redação ao caput do art. 522 do CPC. Nos termos deste último diploma, o recurso recebeu o nome genérico de "agravo", sendo que, a partir de então, caberia "retido nos autos ou por instrumento". Foi a Lei 9.139/95, também, que estabeleceu o prazo de 10 dias para a interposição do recurso.

Mais recentemente, a Lei 11.187/05 operou nova reforma na redação do art. 522 do CPC. Nos seus termos, o recurso, de regra, é o agravo retido, reservando-se o cabimento do agravo de instrumento "quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave ou de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida." Mas atente o leitor para o seguinte: o prazo de 10 dias para sua interposição foi mantido inalterado.   

2 - Do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais: esclarecendo os conceitos de juízo positivo e negativo, provisório e definitivo.

Fiz esse pequeno histórico do recurso de agravo, pois ele se assemelha ao que ocorreu com a história legislativa do agravo de instrumento interposto contra decisão denegatória de recurso extraordinário. Originalmente, a redação do CPC previa o cabimento desse agravo tão somente contra a decisão que denegasse o RE e desde que interposto no prazo de 5 dias. Seguiram-se, então, algumas reformas legislativas até a culminância da redação atual, dada pela Lei 12.322/10, nos termos da qual “Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias.”

Primeiramente, explicarei que decisão é essa “que não admite” o RE ou REsp, atacável mediante agravo, congruente com o escopo deste blogue, que é o de ser o mais didático possível para o leitor.
Pois bem. Nos recursos excepcionais (recurso extraordinário, dirigido ao STF, e recurso especial, dirigido ao STJ), a regra é que os próprios tribunais superiores, aos quais são endereçados os recursos, efetuem o juízo de sua admissibilidade. E o que é esse juízo de admissibilidade? É um juízo preliminar, que antecede logicamente o juízo de mérito da causa, porquanto vise a certificar a validade do procedimento recursal, determinando se será possível analisar o conteúdo (mérito) do que o recorrente postula, contanto que presentes os “requisitos de admissibilidade” do recurso. Se o juízo de admissibilidade for positivo, o recurso é admissível e a procedência ou improcedência do mérito pode ser julgada. Se o juízo de admissibilidade for negativo, o recurso é inadmissível e aí ao juízo é vedado adentrar o exame dos fundamentos postulados pelo autor do recurso.

A doutrina classifica esse juízo de admissibilidade em provisório e definitivo. Via de regra, consoante a sistemática do CPC (art. 541), o juízo provisório de admissibilidade do RE ou REsp é feito pelo Presidente ou Vice-Presidente do órgão a quo, isto é, o tribunal recorrido. Friso ainda que, se se cuidar de RE interposto contra decisão de segunda instância dos Juizados Especiais (Turma ou Colégio Recursal), a competência para efetuar o juízo de admissibilidade é do Presidente da Turma Recursal.

O asserto a que aludo no final do parágrafo anterior decorre do entendimento fixado na QO-RE 388.846/SC, reportando-se exclusivamente ao recurso extraordinário endereçado ao STF. E por que não há esse juízo provisório de admissibilidade recursal no REsp que ataca decisão de Turma Recursal dos Juizados? É que, nos termos da súmula 203 do STJ e da súmula 640 do STF, não cabe REsp de decisão proferida por órgão de segundo grau de Juizado Especial, tampouco de juiz de primeiro grau, haja vista ambos (juiz e Turma Recursal) não serem considerados "tribunais", o que afasta o cabimento específico que a Constituição exige, ao lado do prévio exaurimento das instâncias ordinárias, para a interposição do REsp, qual seja, que a decisão atacada tenha sido proferida por "tribunal". O mesmo raciocínio não vale para a interposição do RE, que, no contexto redacional a que ora me refiro, pressupõe apenas o prévio exaurimento das instâncias ordinárias (na CF/88, diferentemente do seu art. 105, III, que dispõe ser cabível REsp contra as causas decididas, em única ou última instância, pelos TJs ou TRFs, o art. 102, III, ao tratar do cabimento do RE, menciona apenas ser este cabível para atacar as "decisões", não restringindo esse conceito ao das decisões proferidas por "tribunais"). 

STJ Súmula nº 203 - 04/02/1998 - DJ 12/02/1998 - Alterada - Ag 400.076-BA - 23/05/2002 - DJ 03.06.2002
Recurso Especial - Decisão por Órgão de Segundo Grau dos Juizados Especiais
Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.

STF Súmula nº 640 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p. 2; DJ de 10/10/2003, p. 2; DJ de 13/10/2003, p. 2.
Cabimento - Recurso Extraordinário - Decisão de Juiz de Primeiro Grau - Causas de Alçada ou Turma Recursal de Juizado Especial Cível e Criminal
É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.

 
O tribunal recorrido, de seu turno, a teor do art. 541 do CPC, procede à verificação dos pressupostos legais do recurso (I - a exposição do fato e do direito; Il - a demonstração do cabimento do recurso interposto; III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.), caso em que das duas uma: ou entende cabível o recurso e o encaminha ao STJ ou ao STF, conforme se trate, respectivamente, de REsp ou RE, cabendo aos tribunais ad quem realizar novo juízo de admissibilidade, desta vez definitivo, dos requisitos constantes do mesmo art. 541 do CPC; ou entende ausentes esses pressupostos e dele (o recurso) não conhece, não admitindo sua subida.

Sucede que compete ao órgão ad quem (no caso, STJ e STF) proferir o juízo definitivo de admissibilidade, já que, como anotei acima, o juízo do órgão a quo é meramente provisório. Ora, sendo provisório, e desejando ver seu recurso analisado pelo tribunal superior competente para o exercício do juízo definitivo quanto à admissibilidade recursal, a lei assegura ao recorrente um meio para permitir essa análise pelo STJ ou STF. O meio é um recurso - justamente o recurso de agravo previsto no art. 544 do CPC ("Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 [dez] dias.").

Esse agravo que ataca decisão denegatória da subida de REsp ou RE, embora interposto mediante petição dirigida à presidência do tribunal de origem (CPC, art. 544, § 2º), será remetido, respectivamente, ao STJ ou ao STF, de forma direta, onde será processado na forma regimental. Quero com isso dizer que não pode o órgão a quo fazer juízo de admissibilidade provisória do agravo que visa a destrancar a subida do recurso excepcional não conhecido na origem.

O mais importante é o leitor notar isto: o agravo, nos termos do art. 544 do CPC, cabe, nos próprios autos, contra a denegação de RE ou REsp, fixando-se seu prazo de interposição em 10 dias.

E por que isso é importante? Porque a Lei 8.038/90 instituiu normas procedimentais concernentes à admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, respectivamente, perante o STF e o STJ. Nesse diapasão, no seu art. 28, o diploma em comento prevê que “Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.”

3 - Problematizando a discussão jurisprudencial derredor do agravo contra decisão denegatória de RE de natureza criminal.
 
Permita-me o leitor direcionar meu raciocínio, a partir de agora, para a discussão jurídica que me inspira a escrever este artigo, isto é, o RE de natureza criminal.

Nesse contexto, a dúvida comumente enfrentada pela jurisprudência e pela doutrina consiste nesta interrogante: qual prazo deve prevalecer para a interposição do agravo contra decisão de órgão a quo que não admite recurso extraordinário em matéria criminal na origem? O prazo de 10 dias do CPC ou o de 5 dias da Lei 8.038/90?

Sublinhei acima, como o leitor já o notou, a expressão “matéria criminal”, porque, em se tratando de RE de natureza cível, não restam dúvidas: o prazo a ser aplicado, desde a Lei 8.950/94, é de 10 dias.
Todavia, em se tratando de recurso extraordinário de natureza criminal, a questão afigurou-se tormentosa. Isso porque parte da doutrina e da jurisprudência nacionais passaram a defender, desde o advento da Lei 8.950/94,  a aplicabilidade do prazo de 10 dias do art. 544 do CPC ao procedimento de interposição do recurso de agravo contra decisão denegatória de RE em matéria processual penal.
 
Historicamente, o Supremo Tribunal Federal nunca concordou com essa posição, ressalto, entendendo aplicável, na espécie, o prazo constante da Lei 8.038/90, que é de apenas 5 dias (art. 28). Para o Pretório Excelso, a Lei 8.950/94 restringir-se-ia à disciplina do agravo de instrumento no CPC, não se aplicando ao processo penal.

É nesse sentido que vai o enunciado nº 699 da súmula de jurisprudência do próprio STF:
 
STF Súmula nº 699 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p. 6; DJ de 10/10/2003, p. 6; DJ de 13/10/2003, p. 6.
Prazo para Interposição de Agravo de Instrumento - Processo Penal
    O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/90, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/94 ao Código de Processo Civil.
 
 
A discussão, que aparentemente estava pacificada desde a edição do enunciado sumular acima reproduzido, todavia, voltou a se reacender recentemente com o advento da Lei 12.322/10, que, dando nova redação ao caput do art. 544 do CPC, manteve o prazo de 10 dias para a interposição do agravo que arrosta decisão de órgão a quo que nega a subida de recurso extraordinário ou especial.

Novamente, doutrina e da jurisprudência passaram a defender que esse prazo de 10 dias, ratificado pela Lei 12.322/10 no processo civil, quanto à interposição de agravo contra decisão denegatória de RE, aplicar-se-ia ao agravo interposto na mesma hipótese dentro do processo penal. Por outras palavras, segundo o magistério advogado por essa corrente, a parte que desejasse atacar o juízo provisório negativo de admissibilidade feito pelo órgão a quo em RE com natureza criminal, teria o prazo de 10 dias para interpor seu recurso de agravo, aplicando-se o art. 544 do CPC. A razão é que as alterações introduzidas no CPC pela Lei 12.322/10 teriam abrangido também os recursos em matéria criminal.

A questão tornou a ser objeto de discussão no STF por meio de questão de ordem suscitada no julgamento do ARE 639.846/SP. E, uma vez mais, a Corte Suprema brasileira decidiu pela inaplicabilidade do art. 544, caput, do CPC, para regular o prazo de interposição do agravo que ataca decisão denegatória de processamento de recurso extraordinário deduzido em sede processual penal. Colaciono a ementa do precedente noticiado no Inf. 644 do STF (grifo meu):

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PRAZO. LEI Nº 12.322/2010. MATÉRIA CRIMINAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 544 DO CPC. INCIDÊNCIA DO ART. 28 DA LEI Nº 8.038/90. PRECEDENTES. QUESTÃO DE ORDEM REJEITADA E AGRAVO NÃO CONHECIDO. 1. A alteração promovida pela Lei nº 12.322, de 9 de setembro de 2010, não se aplica aos recursos extraordinários e agravos que versem sobre matéria penal e processual penal, de modo que o prazo do Agravo em Recurso Extraordinário criminal é o de 5 (cinco) dias previsto no art. 28 da Lei nº 8.038/90, e não o de 10 (dez) dias, conforme o art. 544 do CPC. Precedentes (AG 197.032-RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 5.11.97; AG (AgRg) 234.016-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 8.6.99). 2. Questão de ordem rejeitada para não conhecer do recurso de agravo. (STF, ARE 639846 AgR-QO / SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, j. 13/10/2011, p. 20/03/2012).    

Portanto, consoante o entendimento consagrado pelo STF, continua a ser de 5 dias o prazo de interposição do agravo contra decisão denegatória de RE em sede processual penal.

4 - Conclusão

O leitor pode dessumir, naturalmente, que o enunciado nº 699 da súmula de jurisprudência predominante do STF continua valendo, restando inaplicável à espécie o prazo do art. 544 do CPC. Ou, noutro sentido, mas com idêntica conclusão, sempre que o RE, cuja subida foi negada pelo juízo a quo, contiver matéria penal, a parte agravante deverá observar o prazo de 5 dias do art. 28 da Lei 8.038/90, sob pena de não conhecimento do agravo por ser manifestamente intempestivo.  

quinta-feira, 17 de maio de 2012

RECEPTAÇÃO DE BENS DA ECT E MAJORAÇÃO DA PENA: análise do HC 105.542/RS e do regime jurídico aplicável à empresa pública federal postal nas suas repercussões nas esferas tributária, trabalhista e processual civil e penal


1 - Introdução

Na seção "De Frente com o Precedente" do blog do GERT de hoje abordarei tema relativo ao Direito Penal. Mais precisamente, ao crime de receptação (CP, art. 180), objeto de recente e importante decisão da lavra da 1º Turma do Supremo Tribunal Federal, proferida no HC 105.542/RS e veiculada no Informativo 662.

Entretanto, como o deslinde da causa pressupõe conhecimentos em outros subsistemas jurídicos, estudarei aspectos do entendimento pretoriano quanto à empresa pública federal postal que invadem as searas do Direito Tributário, do Direito do Trabalho, do Processo Civil e do Processo Penal.

O leitor notará que a pesquisa a que procedi para a redação deste artigo é longa. Porém, parece-me uma justa demonstração de respeito a todos aqueles que, para minha grande satisfação, têm acompanhado as postagens deste blogue. 

2 - Da Receptação: breves comentários ao art. 180 do CP.

Antes de adentrar propriamente o estudo do julgado, procurarei dar algumas linhas doutrinárias quanto ao crime de receptação. Nada muito pesado ou profundo. A ideia é apenas permitir que o leitor, ao ler este artigo no blog, enriqueça seu aprendizado não só com a jurisprudência do Supremo, mas também com a doutrina, recordando-se da Parte Especial do Código Penal, máxime porque o precedente em comento versa sobre a modalidade majorada da receptação.

Vamos, então, comentar, de forma breve, o delito de receptação.

a) Previsão legal e topologia normativa

O crime de receptação encontra-se encartado no art. 180 do CP. É tipo inscrito ainda no capítulo VII ("Da Receptação") do Título II ("Dos Crimes contra o Patrimônio") da Parte Especial do CP. Eis a redação in verbis do dispositivo:



Receptação

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Receptação qualificada

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.

§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155. 

 § 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

b) Objeto do crime:

b.1) Objeto jurídico:

O bem jurídico tutelado pela regra penal é o patrimônio. Alguns autores apontam, secundariamente, que a Administração da Justiça também estaria protegida pela lei penal.  

b.2) Objeto material:

É o produto do crime antecedente ou anterior, que é aquele que tenha sido obtido por força de uma ação delitiva prévia. Por exemplo: agente criminoso rouba um celular. De posse do celular roubado, vende-o a um camelô, que sabe ser o telefone móvel produto de crime anterior (roubo).

c) Sujeitos do crime:

c.1) Sujeito ativo:

Qualquer pessoa pode praticar o delito (crime comum). A única exceção a ser feita é para o caso de co-autoria ou participação. Ou seja, quem concorre para a perpetração do delito antecedente não pode figurar como sujeito ativo da receptação, respondendo tão somente pelo crime anterior. 

c.2) Sujeito passivo:

Aqui a vítima é a mesma do crime antecedente. Ou seja, o sujeito passivo é o proprietário ou possuidor legítimo do produto do crime anterior que foi receptado. Isso ocorre porque o que a receptação faz nada mais é do que perpetuar a ilicitude da conduta delitiva pressuposta, agravando a violação patrimonial de origem.


d) Tipicidade objetiva

O tipo objetivo no crime de receptação encontra-se subdivido em duas condutas típicas: receptação própria e receptação imprópria. Cada uma dessas condutas são puníveis de maneira autônoma, mas se enquadram na mesma classificação de tipo misto (também chamado pela doutrina de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado). E o que significa tipo misto ou composto ou de conteúdo múltiplo ou de conteúdo variado? Significa que a descrição do delito na lei penal contém mais de um verbo núcleo do tipo. Nota o leitor quantos núcleos tem a receptação: adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, influir. Vários verbos, muitos núcleos. Trata-se de uma técnica redacional distinta do tipo simples que, por definição, é aquele que contém em sua redação um único verbo núcleo do tipo. Exemplo: CP, art. 121 ("matar").

A doutrina subdivide os tipos mistos, por sua vez, em duas ordens: tipos mistos alternativos e tipos mistos cumulativos. Aqueles são tipos nos quais, ainda que o agente incorra em vários verbos núcleos do tipo (i. e., cometa várias ações descritas no texto), praticará um único crime (o agente responde por crime único, pois a unidade delitiva não é alterada pela pluralidade de condutas perpetradas, dado as condutas serem fungíveis). Estes são tipos nos quais a fungibilidade de condutas não é admitida, de modo que, se o agente pratica mais de um verbo núcleo do tipo, responde por cada uma das condutas em concurso material (CP, art. 69).

Pois bem. Na receptação, seja ela própria ou imprópria, o agente, praticando várias condutas descritas na lei penal, incorrerá na prática de crime único. Quero com isso dizer que o art. 180 do Código Penal é tipo misto alternativo, seja na primeira ou na segunda parte de sua tipicidade objetiva. Mas cabe aqui um alerta ao leitor: se o agente incorrer na prática de receptação própria (adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta coisa que sabe ser produto de crime) e depois vier a atuar como intermediário, influindo para que o tertius de boa-fé adquira, receba ou oculte produto oriundo de crime antecedente (receptação imprópria), ter-se-á por configurado o cometimento de dois delitos, caso em que o tipo misto alternativo converter-se-á em tipo misto cumulativo, ensejando a punição do agente mediante a aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja incorrido (concurso material).     

d.1) Receptação própria (CP, art. 180, caput, 1º parte):

Configura-se a receptação própria quando o agente adquire (obtém ou compra), recebe (aceita a posse), transporta (carrega, leva de um lugar a outro), conduz (dirige, guia) ou oculta (esconde, disfarça, encobre) coisa que sabe ser produto de crime.


Nessa hipótese, o delito se tipifica mesmo que inexista prévio ajuste (acordo de vontades) entre o autor do crime antecedente e o receptador. Logo, o que caracteriza a receptação é a conduta daquele que, mesmo com título justo (e. g., herança, crédito), incorre num dos verbos núcleos do tipo ciente de que a coisa com a qual se relaciona - e que eventualmente foi usada para satisfazer o seu direito - teve origem em ação criminosa.     

d.2) Receptação imprópria (CP, art. 180, caput, in fine):

Configura-se a receptação imprópria quando o agente influi (inspira, insufla, persuade) sobre terceiro de boa-fé, levando-o a adquirir (obter ou comprar), receber (aceitar, seja em pagamento ou não) ou ocultar (esconder, disfarçar, encobrir) a coisa que sabe ser produto de crime.

Na receptação imprópria, está-se a punir a mediação criminosa, isto é, o agente do delito não é o receptador, como na modalidade própria da figura típica, mas sim o negociador, que faz com que a coisa produto do crime antecedente seja colocada no mercado à disposição de terceiro de boa-fé. Aqui o legislador quer incriminar a conduta do intermediário, que facilita a circulação do objeto oriundo de ação delitiva. Mas repare o leitor na exigência de boa-fé para o terceiro. É a boa-fé que afasta a tipicidade pela ausência de dolo do tertius. Por outras palavras, terceiro que age de má-fé (leia-se: que sabe da origem criminosa da coisa) é receptador, porquanto aja com dolo, devendo responder por receptação própria, caso em que a mediação criminosa configurará participação (considerar-se-á o intermediário como partícipe da receptão própria).   


e) Tipicidade subjetiva

Aqui se cuisa de analisar os elementos subjetivos do tipo. Como em geral ocorre nos crimes patrimoniais previstos na Parte Especial do CP, o crime é punido a título de dolo, exigindo o tipo penal o dolo direto (o agente "sabe" que a coisa é produto de crime), não se admitindo o dolo eventual no caput, senão na hipótese de receptação qualificada (§ 1º), quando o legislador faz uso da expressão "deve saber" que, dada sua amplitude, abarca tanto o dolo direto ("sabe") quanto o eventual ("deve saber").
Mas aqui vai um alerta: não basta que o dolo seja direto. O tipo requer, além da certeza quanto à origem criminosa da coisa, que o dolo seja concomitante, simultâneo à conduta punível. Penalmente, o significado dessa afirmação é tão só recordar a regra geral aplicável à teoria geral do delito, segundo a qual só é punível a conduta cujo dolo seja concomitante a ela. A receptação é, inclusive, das figuras mais usadas para exemplificar esse asserto. Explico: um comprador é levado a adquirir carro, com preço dentro das condições mercadológicas, sem saber que o veículo fora roubado quando da celebração da compra. Depois, alguém lhe informa que o veículo adquirido fora produto de roubo. Nesse exemplo, como o comprador soube apenas depois da compra que a coisa era produto de crime, ele não obrou com dolo concomitante, mas com dolo subsequente. Logo, sua conduta é atípica, não se lhe podendo imputar a pecha de receptador. Portanto, a regra é punir conduta com dolo simultâneo à ação, embora não desconsidere a existência de exceção prevista na lei. É o caso, exemplificativamente, da embriaguez preordenada, hipótese à qual se aplica, de maneira pacífica, a teoria da actio libera in causa (a ação é livre na sua causa). De acordo com essa teoria, o agente que se embriaga, colocando-se em situação de inconsciência ou incapacidade de autocontrole ao tempo do cometimento do crime, será considerado culpável (o Código rejeita, na ebriedade voluntária dolosa com preordenação, a inimputabilidade). Pela actio libera in causa o  legislador entende excepcionalmente punível a conduta do agente que agiu com dolo antecedente, caracterizado pelo ato (vontade) de embriagar-se em momento anterior à conduta punível, quando era livre para decidir se ingeriria álcool/substância de efeitos análogos ou não. Consequência disso é que não só não se admite a exclusão da imputabilidade penal (CP, art. 28, II), conforme já vimos, como ainda o agente responderá por crime doloso com pena agravada, pois o cometimento do crime em estado de embriaguez preordenada caracteriza circunstância agravante (CP, art. 61, II, l).

Por fim, cabe referir que o art. 180 do CP, da maneira como está redigido, permite ao intérprete identificar um elemento subjetivo especial do injusto, consubstanciado na intenção do receptador em obter vantagem para si ("proveito próprio") ou em favor de terceiro que não seja o criminoso anterior ("proveito alheio"). Sem esse especial fim de agir, a receptação resta descaracterizada e a ação daquele que adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar a coisa que sabe ser produto de crime tomará a forma de "prestação de auxílio" a criminoso, de modo a tornar seguro o proveito do crime, tipificando o delito de favorecimento real (CP, art. 349). Aliás, o favorecimento real, que é espécie de crime contra a Administração da Justiça, guarda relação umbilical com o de receptação (crime contra o patrimônio). Prova disso é que sua redação condiciona o seu juízo de tipicidade objetiva à exclusão das hipóteses de coautoria (no crime anterior de que adveio o proveito criminoso) e de receptação. Colaciono: 

Favorecimento real

Art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime:

Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.

f) Consumação:

O momento consumativo do delito deve ser divido, pois muda de acordo com a modalidade de que se esteja a tratar. Assim, temos que:

f.1) receptação própria: o crime é material, de maneira que a consumação exige o resultado naturalístico. Logo, consuma-se a receptação própria quando a coisa entra na esfera de disponibilidade do agente, ou seja, no instante em que o receptador efetivamente adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta a coisa criminosa.     
   
f.2) receptação imprópria: o crime é formal, de modo que a mera influência, o mero contato com terceiro de boa-fé, visando a que ele adquira, receba ou oculte o produto do crime anterior já consuma o delito - mesmo que, no plano fático, tal não venha efetivamente a ocorrer.  

g) Tentativa:

Na hipótese de receptação própria, entende-se que o conatus é possível, pois o crime é material (sua consumação depende da ocorrência do resultado naturalístico). 

Na receptação imprópria (crime formal), a maioria da doutrina entende que é impossível a tentativa, embora haja alguns autores que entendam haver tentativa (conduta fracionável) na hipótese de mediação criminosa por carta que venha a ser interceptada.


3 - Das modalidades de receptação:

O tipo de receptação possui algumas modalidades. Vou elencá-las abaixo ao leitor e explicar o porquê de fazê-lo. Eis as modalidades de receptação:

a) receptação simples própria (CP, art. 180, caput, 1º parte);

b) receptação simples imprópria (CP, art. 180, caput, in fine);

c) receptação qualificada (CP, art. 180, § 1º);

d) receptação culposa (CP, art. 180, § 3º);

e) receptação privilegiada (CP, art. 180, § 5º, in fine, c/c art. 155, § 2º);

f) receptação majorada (CP, art. 180, § 6º).

A classificação acima reproduzida visa a permitir que eu possa deixar de abordar todas as as modalidades com que o delito apresenta-se na lei que não versem sobre a causa de aumento de pena, haja vista o propósito inicial deste artigo: comentar precedente do STF. Assim procedo, e creio não desrespeitar o leitor, porque o julgado da Corte Suprema versou sobre a receptação majorada (que alguns erradamente chamam de "agravada" ou "qualificada").

O parágrafo 6º, portanto, há de concentrar minha atenção a partir de agora.

4 - Problematizando a receptação majorada na jurisprudência:

O art. 180 do CP elenca hipótese em que a receptação pode sofrer a incidência de causa de aumento de pena. In verbis:
 
 § 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

Da leitura do parágrafo, nota-se que o legislador tencionou apenar mais gravosamente a conduta do agente que recepta coisa que sabe ser produto oriundo de crime que viola o patrimônio público dos entes da Administração  Direta (União, Estado, Município), da Administração Indireta (sociedade de economia mista) ou empresa que, mesmo não integrando a Administração Pública, colabora na realização de atividade-fim do Estado (empresa concessionária de serviços públicos). Em tais casos, impõe-se causa de aumento de pena, majorando em dobro o preceito penal secundário previsto no caput do dispositivo. Repito: pena prevista na cabeça do artigo 180. Ou seja, só se majora a sanção nas hipóteses de receptação própria ou imprópria, não se podendo fazê-lo quando o agente for incurso em receptação qualificada (§ 1º) ou culposa (§ 3º).

Pois bem. A quaestio jurisprudencial que foi levada ao Pretório Excelso pode ser resumida nesta interrogante: em se tratando de crime de receptação praticado em detrimento de bens da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), que é empresa pública, seria cabível a imposição da majorante insculpida no § 6º do Códex?

5 - Da equiparação da ECT à Fazenda Pública

Responder à questão acima suscitada pressupõe entender todas as peculiaridades que envolvem a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).

No plano do Direito Administrativo, a ECT conceitua-se como sendo empresa governamental/estatal, mais precisamente designada pelos administrativistas como empresa pública. Empresa pública é pessoa jurídica de direito privado, que pode servir para a prestação de serviços ou para a exploração de atividade econômica, permitindo-se sua organização em distintos tipos societários (pode ser sociedade limitada, p. ex.). Sua característica precípua, entretanto, é identificada na constituição do seu capital. Na empresa pública, esse capital deve ser exclusivamente formado por recursos oriundos dos entes da Administração Pública, seja da Administração Direta ou Indireta. O importante é o leitor recordar que a empresa é "pública", visto seu capital ser formado unicamente pelo aporte de recursos públicos.

Não obstante as atecnias apontadas pela doutrina, existe conceito legal de empresa pública no Decreto-Lei 200/67. Ei-lo:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

II - Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.

A ECT, todavia, transformou-se em empresa pública por força de determinação contida no art. 1º do Decreto-Lei 509/69, sendo seu capital constituido integralmente pela União (art. 6º) e tendo por finalidade a prestação de serviço público (serviço postal, que é da competência da União a teor do art. 21, X, da CF/88). Aparentemente, tratar-se-ia de um decreto desimportante não fosse pela regra insculpida no seu art. 12. Colaciono:

Art. 12 - A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.

A leitura da redação supracitada permite notar que o DL 509/69 não se limitou a dispor quanto à natureza jurídica da ECT, mas a ela atribuiu, na mesma toada, os privilégios fazendários, o que consubstancia regra de especial relevância, porquanto atraia o regime jurídico aplicável à Fazenda Pública. Assim,  por exemplo, a ECT faz jus à imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a), que veda a instituição de impostos entre União, Estados e Municípios, em grau de reciprocidade, sobre patrimônio, renda ou serviços, como de restou ficou assentado no julgamento da QO suscitada na ACO 765/RJ. Reproduzo a ementa do julgado tributário:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. ART. 102, I, "F", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - EBCT. EMPRESA PÚBLICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO POSTAL E CORREIO AÉREO NACIONAL. SERVIÇO PÚBLICO. ART. 21, X, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A prestação do serviço postal consubstancia serviço público [art. 175 da CB/88]. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é uma empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, como tal tendo sido criada pelo decreto-lei nº 509, de 10 de março de 1969. 2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou, quando do julgamento do RE 220.906, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 14.11.2002, à vista do disposto no artigo 6º do decreto-lei nº 509/69, que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é "pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, que explora serviço de competência da União (CF, artigo 21, X)". 3. Impossibilidade de tributação de bens públicos federais por Estado-membro, em razão da garantia constitucional de imunidade recíproca. 4. O fato jurídico que deu ensejo à causa é a tributação de bem público federal. A imunidade recíproca, por sua vez, assenta-se basicamente no princípio da Federação. Configurado conflito federativo entre empresa pública que presta serviço público de competência da União e Estado-membro, é competente o Supremo Tribunal Federal para o julgamento da ação cível originária, nos termos do disposto no artigo 102, I, "f", da Constituição. 5. Questão de ordem que se resolve pelo reconhecimento da competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento da ação. (STF, Tribunal Pleno, ACO 765 QO/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Eros Grau, j. 01/06/2005, p. 07/11/2008).  

Mas chamo a atenção do leitor para o fato de o STF ainda estar por definir, no julgamento do RE 601.392/PR, se a imunidade tributária recíproca abrange também as atividades exercidas pela empresa pública federal que não tenham a caracteristica de serviços postais, os quais são, como já acima referido, de competência exclusiva da União (CF, art. 21, X).

Ainda exemplificando as prerrogativas da Fazenda Pública atribuídas à ECT, esta também se beneficia dos prazos em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (CPC, art. 188). A esse respeito, já decidiu o STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. ECT. PRAZO EM DOBRO. APLICAÇÃO ART. 12 DO DECRETO-LEI N. 509/69. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRAZO PROGRAMÁTICO. ARTS. 6º DA LEI N. 8.025/90 E DO DECRETO N. 99.266/90. NECESSIDADE. NOTIFICAÇÃO.
1.Tendo o art. 12 do Decreto-lei n. 509/69 sido recepcionado pela Constituição Federal, permanecem os privilégios concedidos à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos como pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública; portanto, é tempestivo o recurso interposto dentro do prazo em dobro para recorrer previsto no art. 188 do CPC.
2. O prazo de trinta dias fixado pela Lei n. 8.025/90 e pelo Decreto n. 99.266/90 não possui natureza decadencial sendo, em verdade, prazo programático, consoante já se pronunciou esta Corte Superior.
3. O prazo previsto no art. 6º da Lei n. 8.025/90 e no art. 6º do Decreto n. 99.266/90  somente começa a correr após a notificação.
4. Agravo a que se nega provimento. (STJ, T2 - Segunda Turma, AgRg no Ag 418.318/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 02/03/2004, p. 29/03/2004). 

Muitos outros exemplos poderiam ser citados. O que importa, todavia, é que o leitor note que a discussão acerca da recepção do art. 12 do DL 509/69 pela ordem constitucional vigente foi levada ao STF - com isso, formou-se o precedente mais importante nesse assunto. No julgamento do RE 220.906/DF (Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14.11.2002), o Pretório Excelso consagrou o entendimento segundo o qual a CF/88 recepcionou o art. 12 em comento. Eis a ementa do julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO.
1. À Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.
2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público de competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal.
Recurso Extraordinário conhecido e provido.

A conclusão do leitor é a de que, tendo o STF considerado recepcionado DL 509/69, a ECT é empresa pública integrante da Administração Indireta da União, gozando das mesmas prerrogativas atribuídas à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária, à impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, bem como a foro, prazos e custas processuais. 

A consideração da ECT como pessoa jurídica de direito privado equiparada à Fazenda Pública tem repercutido na jurisprudência dos tribunais superiores. O TST, nesse sentido, já decidiu aplicar-se à ECT o prazo em dobro para recorrer (CPC, art. 188), típico privilégio fazendário, motivo pelo qual afastou a alegação de intempestividade de recurso. Colaciono o precedente:

RECURSO ORDINÁRIO. INTEMPESTIVIDADE AFASTADA. PRAZO EM DOBRO PARA RECORRER. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. PRIVILÉGIO DA FAZENDA PÚBLICA.
Esta Corte já pacificou o entendimento de que à executada (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT) são aplicáveis os privilégios em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais, por se tratar de pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública , conforme o disposto no item II da Orientação Jurisprudencial nº 247 da SBDI-1 do TST, nos seguintes termos: -II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais-. No caso dos autos, como a sentença foi disponibilizada no Diário de Justiça eletrônico no dia 18/02/2011 (sexta-feira) e considerada publicada, nos termos do artigo 4º, § 3º, da Lei nº 11.419/2006, no dia 21/02/2011 (segunda-feira), o início do prazo para interposição do recurso ordinário ocorreu em 22/02/2011 (terça-feira) e encerrou-se em 09/03/2011 (quarta-feira), considerando a prerrogativa da ECT de ter o prazo em dobro para recorrer. Logo, ao contrário do entendimento do Regional, é tempestivo o recurso ordinário interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT em 02/03/2011. Prejudicado o exame dos demais temas. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR 11489220105040702 1148-92.2010.5.04.0702, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, j. 16/111/2011, p. 25/11/2011). 

Em se tratando de jurisprudência trabalhista concernente à ECT, creio seja azado mencionar, como já se nota da ementa supra, a OJ nº 247 da SBDI-1 do TST, a qual, se de um lado assegura a possibilidade jurídica de despedida imotivada dos empregados celetistas de empresas estatais (sociedades de economia mista e empresas públicas), não obstante tenham prestado concurso para acesso à carreira, de outro impõe à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos a motivação do ato de despedida dos seus empregados, justamente porque o tratamento fazendário que é dado ao seu regime jurídico reclama, tal como sucede com as pessoas jurídicas de direito público, a exposição das razões que conduzem ao desligamento do obreiro concursado.

Eis a OJ a que me reporto:


247. SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE (alterada – Res. nº 143/2007) - DJ 13.11.2007
I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;
II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

O STJ já teve igualmente oportunidade de se manifestar pela exclusão da ECT do dever de pagamento das custas processuais em precedente que não só reafirmou a aplicação dos privilégios fazendários à empresa pública federal como também se escorou na recepção do DL 509/69, consoante entendimento cimentado pelo STF. Colaciono:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS. RECURSO PROVIDO.
1. O Decreto-Lei 509/69 dispõe sobre a transformação dos Correios e Telégrafos em empresa pública, estabelecendo, em seu art. 12, que "a ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais ".
2. Analisando a referida norma, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 220.906/DF (Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14.11.2002), consagrou entendimento no sentido de que a Constituição Federal de 1988 recepcionou o disposto no art. 12 do Decreto-Lei 509/69, o qual estendeu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT - os privilégios conferidos à Fazenda Pública, entre eles os concernentes a foro, prazos e custas processuais.
3. A Lei 9.289/96, em seu art. 4º, I, dispõe que "são isentos de pagamento de custas: a União, os Estados, os Município, os Territórios Federais, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações ". Nota-se, pois, que a lei não estendeu às empresas públicas a prerrogativa de isenção de custas processuais. No entanto, trata-se de norma geral a respeito da isenção de custas processuais no âmbito da Justiça Federal. Por sua vez, o Decreto-Lei 509/69 é norma especial, aplicável especificamente à ECT, estendendo-lhe os mesmos privilégios da Fazenda Pública, relativos à imunidade tributária, à impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, bem como a foro, prazos e custas processuais. E não há ainda, no ordenamento jurídico pátrio, nenhuma norma especial que discipline em contrário a matéria. Destarte, considerando que norma especial não pode ser revogada por norma geral, prevalece incólume o disposto no art. 12 do Decreto-Lei 509/69, isentando a ECT do recolhimento de custas processuais.
4. Outrossim, como bem delineou o Ministério Público Federal, "o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sobre a isenção da ECT no pagamento de custas processuais, é posterior à publicação da Lei 9.289/1996, o que afasta, segundo o posicionamento da Suprema Corte, a alegação de que o Decreto-Lei 509/1969 teria sido revogado pela Lei 9.289/1996 " (fl. 147).
5. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1.087.745/SP, Rel. Min. Denise Arruda,

Cumpre assinalar que a ECT goza do privilégio da impenhorabilidade de seus bens, submetendo-se, na execução de seus débitos, ao regime constitucional dos precatórios. Assim já decidiu o STJ:




RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "A" - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA RELATIVO À DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO NO ÂMBITO DE OUTRO TRIBUNAL - DESCABIMENTO. EXECUÇÃO FISCAL - EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - EMPRESA PÚBLICA QUE GOZA DO PRIVILÉGIO DA IMPENHORABILIDADE DOS BENS - ALEGADA OFENSA AO ART. 12 DO DECRETO-LEI Nº 506/69 - OCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO NO ART. 1º DA LEI Nº 9.074/95 - PRECEDENTES DO STF E DO STJ. Impertinente o pedido de instauração de uniformização de jurisprudência formulado pela recorrente, como preliminar do presente recurso especial, pois o referido incidente se destina a sanar divergência de interpretação acerca de determinado tema de Direito apenas no âmbito dos órgãos fracionários do próprio Tribunal em que suscitado o incidente, quando verificada a existência de entendimentos dissonantes. Assiste razão à ECT ao sustentar que seus bens gozam da prerrogativa da impenhorabilidade em ação executiva, razão por que restou ofendido o comando do artigo 12 do Decreto-Lei 509/69, cuja redação é a seguinte: "A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação à imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais". A ECT tem natureza jurídica de "empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido", razão por que deve ser observado o regime de precatório na execução de seus débitos" (RE 225.011/MG - Rel. Acórdão Min. Maurício Corrêa, DJU 19.11.2002). Precedentes: RE 220.906/DF, Rel. Min. Maurício Correa, DJU 14.11.2002; AgRg no AI 313.854/CE, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 26.10.01 e RESP 463.324/PE, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 16.12.2002). Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 397.853/CE, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 18/09/2003, p. 24/11/2003). .
Por fim, quero mencionar também questão competencial processual penal que envolve a ECT. A discussão envolve a competência da justiça federal. Vejamos o que determina o art. 109, IV, da CF/88:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Com base nesse dispositivo, tradicionalmente a jurisprudência entendia que, sendo a ECT empresa pública federal, a competência para o processamento dos feitos criminais que envolvessem seus bens seria da Justiça Federal. Esse entendimento, todavia, não prevalece mais. 

A jurisprudência, atualmente, firmou-se no sentido de diferenciar a competência processual penal de conformidade com a constatação em concreto de haver ou não contrato de franquia para a prestação de serviços dos correios por particulares. Vejamos o que foi decidido pelo STJ no HC 39.200/SP (Inf. 269, com grifos meus):

COMPETÊNCIA. ROUBO. AGÊNCIA. CORREIOS.
Trata-se de paciente condenado pela prática de roubo contra a Empresa Brasileira de Correios. Aduz o paciente que a ECT é empresa pública federal e os crimes praticados contra ela devem ser processados e julgados pela Justiça Federal, sendo assim, pugna ver reconhecida a nulidade do processo. O Min. Relator explicitou que este Tribunal tem posição definida quanto à competência, fundando-se as decisões na constatação da exploração direta da atividade pelo ente da administração indireta federal - em que a competência é da Justiça Federal (art. 109, IV, CF/1988) – ou se existe franquia - que é a exploração dos serviços de correios por particulares -, quando a competência é da Justiça estadual. Isso posto, a Turma concedeu a ordem para declarar nulo todo o processo desde o recebimento da denúncia e remeter os autos para a vara criminal federal na qual a impetração indica haver a apuração inicial dos fatos. Precedente citado: CC 46.791-AL, DJ 6/12/2004. HC 39.200-SP, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 29/11/2005

Segundo o STJ, por conseguinte, nem todas as infrações penais praticadas contra a ECT atrairão a competência da Justiça Federal. É necessário efetuar um discrime para a fixação competencial da JF em matéria criminal que envolva a referida empresa pública. Tal diferenciação dá-se em duas hipóteses: 1) se a empresa pública federal explora diretamente o serviço postal, a competência para processar e julgar os crimes praticados contra a ECT é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF; 2) se a exploração do serviço postal é feita por particulares, mediante contrato de franquia, a competência para processar e julgar os crimes perpetrados em detrimento das agências franqueadas é da Justiça Estadual.

A fundamentação do discrimen utilizado nas decisões do STJ é a de que, nos contratos de franquia, há previsão contratual que atribui à agência franqueada da ECT a responsabilidade pelas perdas e danos a bens cedidos pela franqueadora e que tenham porventura ocorrido em decorrência de crimes contra o patrimônio das agências. Em todos esses casos, entende o STJ que o contrato de franquia afasta, pela atribuição de responsabilidade ao particular franqueado, prejuízo ao patrimônio da empresa pública federal que pudesse funcionar como vis attractiva da competência criminal da Justiça Federal insculpida no inc. IV do art. 109 da CF/88. Colaciono outro julgado nessa linha de entendimento, extraído do Informativo 439 do STJ, que, pela sua didática, merece ser reproduzido (grifo meu): 

RECEPTAÇÃO. FURTO. ECT.
O recorrente foi denunciado perante a Justiça comum estadual pela prática de receptação dolosa de uma balança de precisão furtada da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). Porém, viu-se condenado por sentença exarada pela Justiça Federal. No especial, insurge-se contra a aplicação da majorante prevista no art. 180, § 6º, do CP, incidente quando envolvidos bens de patrimônio de empresa pública federal. Primeiro, note-se que as empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, mas possuem regime híbrido, a depender da finalidade da estatal: se presta serviço público ou explora a atividade econômica, predominará o regime público ou o privado. É certo que a ECT é empresa pública, pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço postal, que, conforme o art. 21, X, da CF/1988, é de natureza pública e essencial, encontrando-se aquela empresa, por isso, sob o domínio do regime público. Ela é mantida pela União e seus bens pertencem a essa mantenedora, consubstanciam propriedade pública e estão integrados à prestação de serviço público. Daí que eles são insusceptíveis de qualquer constrição que afete a continuidade, regularidade e qualidade da prestação do serviço. Nesse contexto, vê-se que é plenamente justificada a tutela a bens, serviços e interesses da União diante do furto de bem pertencente à ECT, razão pela qual se atraiu a competência da Justiça Federal (art. 109, IV, da CF/1988), vista a conexão entre o furto (principal) e a receptação em questão (acessório). Também se acha albergada nessa tutela a incidência da referida majorante, não se podendo falar que foi dada, no caso, uma interpretação extensiva desfavorável ao conceito de bens da União. Anote-se, por último, que a balança objeto de receptação é diretamente vinculada à prestação do serviço postal, pois é o instrumento utilizado para a pesagem da correspondência. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso. Já o voto divergente entendia ser necessário o decote da majorante, pois não se poderia ampliar o conceito de bem da União para abranger aqueles afetos às empresas públicas. Precedentes citados do STF: AgRg no RE 393.032-MG, DJe 18/12/2009; RE 398.630-SP, DJ 17/9/2004, e QO na ACO 765-RJ, DJe 4/9/2009. REsp 894.730-RS, Rel. originária Min. Laurita Vaz, Rel. para acórdão Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 17/6/2010

Mais recentemente, encontrei, pesquisando na base de jurisprudência do STJ, decisão, tomada em sede de conflito de competência, que corrobora tudo o que foi acima expendido. Colaciono (grifos meus):

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ROUBO PERPETRADO CONTRA AGÊNCIA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS NÃO FRANQUEADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CONEXÃO APENAS COM O DELITO DE FALSA COMUNICAÇÃO DE CRIME. AUSÊNCIA DE CONEXÃO QUANTO AOS DEMAIS DELITOS. DESMEMBRAMENTO. COMPETÊNCIA DE AMBOS OS JUÍZOS. RATIFICAÇÃO DE ATOS PRATICADOS PELO JUÍZO INCOMPETENTE. POSSIBILIDADE. CONFLITO CONHECIDO.
I. Hipótese em que o Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia em face de 15 pessoas, supostas integrantes de organização criminosa denominada "Quadrilha do Xandi", pela prática de diversos delitos, dando azo à instauração de 4 ações penais distintas, que restaram distribuídas ao Juízo de Direito da Vara Criminal de Cianorte/PR.
II. Ações penais que corriam separadamente, tendo sido reunidas na Ação Penal n.º 5000375-55.2010.404.7003, diante do reconhecimento da conexão, ocasião em que o Juízo de Direito da Vara Criminal de Cianorte/PR declinou de sua competência em favor do Juízo Federal da Vara Criminal e Juizado Especial Criminal de Maringá - SJ/PR, tendo em vista o roubo perpetrado contra a Agência dos Correios de Madaguaçu/PR, empresa pública federal, que atrairia a competência da Justiça Federal também com relação aos crimes a ele conexos, nos termos da Súmula 122/STJ.
III. Delito de roubo que foi perpetrado contra agência não franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, mas contra posto de atendimento da própria EBCT, que tem natureza jurídica de empresa pública, atraindo a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF.
IV. Não verificada a conexão entre o delito de roubo à Agência dos Correios de Mandaguaçu/PR com o crime de quadrilha ou com qualquer dos delitos imputados à "Quadrilha do Xandi", salvo com o de falsa comunicação de crime ou contravenção (art. 340 do Código Penal), as ações penais devem ser desmembradas de forma que seja firmada a competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de roubo contra a EBCT e o previsto no art. 340 do Código Penal a ele conexo, mantendo-se a competência da Justiça Estadual para a apuração dos demais crimes narrados nas denúncias.
V. Reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar os delitos de roubo e de falsa comunicação de crime ou contravenção, cumpre examinar se a ação penal deve ser anulada na íntegra, ou se podem ser mantidos os atos decisórios não meritórios praticados.
VI. Embora o tema seja alvo de controvérsias, prevalece nesta Corte atualmente o entendimento de que, constatada a incompetência absoluta, os autos devem ser remetidos ao Juízo competente, que pode ratificar ou não os atos já praticados, nos termos do artigo 567 do Código de Processo Penal, e 113, § 2º, do Código de Processo Civil.
VII. Declarada a competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de roubo contra a EBCT e o previsto no art. 340 do Código Penal a ele conexo, mantendo-se a competência da Justiça Estadual para a apuração dos demais crimes narrados nas denúncias.
VIII. Conflito de competência conhecido, nos termos do voto do Relator. (STJ, CC 112424/PR, S3 - Terceira Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 09/11/2011, p. 17/11/2011). 

Por todo o exposto, podemos conceituar, finalmente, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos como empresa pública federal, formada com capital da União e integrante da Administração Pública Indireta desta última. Não obstante seja uma pessoa jurídica de direito privado, a ECT visa à prestação de serviço público postal de competência da União (CF, art. 21, X), recebe por isso tratamento jurídico de Fazenda Pública, nos termos do que dispõe o art. 12 do DL 506/69, devidamente recepcionado pela Constituição de 1988 (entendimento já consagrado pelo STF).

Tal conceituação é deveras relevante do ponto de vista do precedente em matéria penal que centraliza minha exegese desde o início deste artigo. Abordá-lo-ei a partir de agora.

6 - Casuística

O busílis jurisprudencial sobre o qual se debruçou o STF no julgamento do HC 105.542/RS (1º Turma, Rel. Min. Rosa Weber, j. 17/04/2012) parte da seguinte constatação: o § 6º do art. 180 do CP não previu expressamente, em sua redação, a aplicação da majorante às empresas públicas. Assim, surge a dúvida consistente em saber se seria possível aplicar a causa de aumento de pena em havendo receptação de bens da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que, como vimos acima, é uma empresa pública federal.

Para dirimir a questão, o STF aplicou o seguinte raciocínio: embora seja empresa pública federal, a ECT equipara-se à Fazenda Pública, de modo que seus bens sujeitam-se às mesmas regras estabelecidas aos bens da União, o que viabilizaria a aplicação da causa de aumento de pena em comento sem que se pudesse falar em interpretação extensiva da norma.

Logo, se os bens da empresa pública recebem idêntico tratamento jurídico aos bens da União, aplicando-se-lhes as prerrogativas fazendárias (tributárias, processuais, etc), cabível a aplicação da majorante do § 6º do art. 180 do CP ("Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro").  

7 - Conclusão (norma geral do caso concreto) 

No delito de receptação (CP, art. 180), em se tratando de receptação de bens da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, cabível a aplicação da majorante da pena (§ 6º) ao crime contra ela praticado.