segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

RT COMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL - Controle de Constitucionalidade


Pergunta do leitor:
Professor, federação sindical de empresas do ramo imobiliário tem legitimidade para propor ADI contra decreto presidencial que majorou contribuição de PIS e COFINS sobre combustíveis?

Não. O rol de legitimados para a propositura de ADI encontra-se nos arts. 103 da CF/88 e 2º da Lei 9.868/99:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;       
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Nota-se que o inc. IX confere legitimidade ativa tão somente para a confederação sindical – conceito que é, sob o ponto de vista técnico do Direito Coletivo do Trabalho, de todo em todo distinto do de associação sindical, de federação sindical e, finalmente, do de central sindical – esta regulada pela Lei 11.648/08. 
Sobre o assunto, o STF possui jurisprudência no sentido de que, dentre as entidades sindicais, apenas as confederações possuem legitimidade para propor ADIs. Federação é entidade sindical de segundo grau e, portanto, não está legitimada a instaurar o controle abstrato de constitucionalidade. Vejamos (grifos meus): 

Não se tratando de confederação sindical organizada na forma da lei, mas de entidade sindical de segundo grau (federação), mostra-se irrelevante a maior ou menor representatividade territorial no que toca ao atendimento da exigência contida na primeira parte do art. 103, IX, da Carta Magna. 
(STF, ADI 3506 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 8-9-2005, p. DJ de 30-9-2005.]

União Geral dos Trabalhadores (UGT). (...) Mantida a decisão de reconhecimento da inaptidão da agravante para instaurar controle abstrato de normas, visto não se amoldar à hipótese de legitimação prevista no art. 103, IX, "parte inicial", da CF. Muito embora ocorrido o reconhecimento formal das centrais sindicais com a edição da Lei 11.648/2008, a norma não teve o condão de equipará-las às confederações, de modo a sobrelevá-las a um patamar hierárquico superior na estrutura sindical. Ao contrário, criou-se um modelo paralelo de representação, figurando as centrais sindicais como patrocinadoras dos interesses gerais dos trabalhadores, e permanecendo as confederações como mandatárias máximas de uma determinada categoria profissional ou econômica.
(STF, ADI 4224 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 1º-8-2011, p. DJe de 8-9-2011.)

AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. FEDERAÇÃO. ENTIDADE SINDICAL DE SEGUNDO GRAU. ARTIGO 103, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. 1. Os sindicatos e as federações, mercê de ostentarem abrangência nacional, não detêm legitimidade ativa ad causam para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, na forma do artigo 103, inciso IX, da Constituição Federal. 2. As confederações sindicais organizadas na forma da lei ostentam legitimidade ad causam exclusiva para provocar o controle concentrado da constitucionalidade de normas (Precedentes: ADI n. 1.343-MC, Relator o Ministro. ILMAR GALVÃO, DJ de 6.10.95; ADI n. 1.562-QO, Relator o Ministro MOREIRA ALVES, DJ de 9.5.97 e ADI n. 3.762-AgR, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.11.06). 3. In casu, à luz do estatuto (fls. 17/44) da agravante, resta clara sua natureza sindical, o que a exclui da categoria de associação de âmbito nacional, sendo irrelevante a maior ou menor representatividade territorial no que toca ao atendimento da exigência disposta na primeira parte do artigo 103, IX, da CF. (Precedentes: ADI n. 275, Relator o Ministro MOREIRA ALVES, DJ de 22.2.91; ADI n. 378, Relator o Ministro SYDNEY SANCHES, DJ de 19.2.93; ADI n. 1.149-AgR, Relator o Ministro ILMAR GALVÃO, DJ de 6.10.95; ADI n. 920-MC, Relator o Ministro FRANCISCO REZEK, DJ de 11.4.97; ADI n. 3506-AgR , Relatora a MINISTRA ELLEN GRACIE, Dje 30.9.05 e ADPF n. 96-AgR, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, DJe de 11.12.09). 4. In casu, é inaplicável o precedente firmado na ADI n. 3.153-AgR, porquanto não se trata de ação direta ajuizada por “associação de associações”, mas de entidade integrante de um sistema sindical, que tem representação específica. 5. Agravo regimental improvido.
(STF, ADI 4361AgR/PA, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16/11/2011, p. DJe de 01/02/2012)

Portanto, entidades sindicais de segundo grau (federação sindical) não têm legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade, já que essa legitimação, à luz do art. 103, IX, da CF/88 fica adstrita apenas às confederações.  
Ademais, além de não deter legitimidade por não se amoldar à hipótese do art. 103, IX, da CF, a federação do exemplo também seria inapta para deflagrar o controle concentrado, em virtude de não satisfazer a exigência de pertinência temática. 
A pertinência temática configura um critério da jurisprudência defensiva do STF, segundo o qual, para fins de ajuizamento da ADI e ADC, há necessidade de comprovar a estreita relação entre o objeto do controle (norma atacada) e os objetivos institucionais da entidade representada. Ele é aplicável apenas a alguns dos legitimados do rol do art. 103 da CF, isto é, Mesa de Assembleia Legislativa e da Câmara Legislativa do Distrito Federal (IV), Governador de Estado e do Distrito Federal (V) e confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional (IX). Por necessitarem satisfazer o requisito da pertinência temática, tais legitimados são classificados em doutrina como legitimados ativos especiais.
Na hipótese da pergunta, o questionamento de decreto que procedeu à majoração de tributos não se enquadra na finalidade de uma federação sindical representativa do setor imobiliário. Logo, por não haver nexo entre o objeto do controle e os objetivos institucionais da entidade que propôs a ADI, haveria, a latere da ilegitimidade pela qualificação como entidade sindical de segundo grau, também ausência de satisfação do requisito tácito da pertinência temática.     

sábado, 16 de dezembro de 2017

RT COMENTA: PROCESSO DO TRABALHO - Execução Trabalhista e Multa Coercitiva


Pergunta do leitor:
Professor, a multa pelo descumprimento de obrigação de pagar quantia certa, prevista no § 1º do art. 523 do CPC, é compatível com o processo do trabalho?

Uma vez reconhecida a exigibilidade da obrigação de pagar quantia certa, a parte deve iniciar a fase de cumprimento de sentença (não cabe ao juiz impulsionar a fase procedimental de ofício) pelo chamado “requerimento do exequente”, cujos requisitos estão previstos no art. 524 (demonstrativo discriminado e atualizado do crédito). Ato contínuo, o executado será intimado para pagar o débito no prazo de 15 dias. 
Caso o executado não efetue voluntariamente o pagamento do débito no prazo legal, o § 1º do art. 523 do CPC prevê a incidência de multa de 10% mais honorários advocatícios (= 10%) sobre o valor do crédito, além da expedição imediata do mandado de penhora e avaliação, seguidos dos atos de expropriação patrimonial do executado. Caso o executado efetue o pagamento apenas parcial do débito, a multa e os honorários previstos no § 1ª incidirão sobre o restante. 
Existe ainda dentro do sistema a previsão para pagamento voluntário antes mesmo de deflagrado o prazo quinzenal que corre depois da intimação do executado (CPC, art. 526), contanto que o réu compareça em juízo e ofereça em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo.
Ademais, encerrado o prazo de 15 dias do art. 523 do CPC para o pagamento voluntário da obrigação, passa a correr imediatamente (sem necessidade de nova intimação) o prazo de 15 dias para o executado apresentar sua impugnação ao cumprimento de sentença. Apesar disso, a impugnação não obsta a prática de atos executivos pelo juízo, inclusive os de expropriação. Por essa razão, o executado, caso não queira ver seu patrimônio invadido, deve pleitear a atribuição de efeito suspensivo à impugnação, desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes e desde que o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.
Para responder à pergunta, no entanto, devemos concentrar nossa atenção no § 1º do art. 523 do CPC (antigo art. 475-J do CPC-1973), que prevê o acréscimo de 10% no valor da condenação pela incidência da multa devida por aquele que não satisfaz o crédito exequendo dentro do prazo legal.
No processo do trabalho, a controvérsia cingia-se em saber se, afinal, a multa do § 1º do art. 523 do CPC-2015 é ou não compatível com a CLT. 
Sobre o assunto, o Pleno do TST, nos autos do IRR-1786-24.2015.5.04.0000, decidiu que o art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil é incompatível com o processo do trabalho. Vejamos o acórdão:
INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO. TEMA Nº 0004. MULTA. ARTIGO 523, § 1º, CPC/2015 (ARTIGO 475-J, CPC/1973). INCOMPATIBILIDADE. PROCESSO DO TRABALHO
A multa coercitiva do art. 523, § 1º, do CPC de 2015 (art. 475-J do CPC de 1973) não é compatível com as normas vigentes da CLT por que se rege o Processo do Trabalho, ao qual não se aplica. 

(TST, Pleno, IRR 1786-24.2015.5.04.0000, Rel. Min. João Orestes Dalazen, j. 21/08/2017, p. DJe 30/11/2017)

A discussão sobre a aplicação de normas do processo civil à execução trabalhista envolve as diretrizes dos artigos 889 e 769 da CLT. In verbis:
Percebe-se que o art. 769 preconiza a aplicação subsidiária do CPC quando houver omissão na CLT e quando suas regras forem compatíveis com o processo do trabalho. Já o art. 889 reporta-se às regras que regem os executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal, para disciplinar, subsidiariamente, a execução trabalhista.
Desde 2010, o TST entende que a CLT tem dispositivos específicos para tratar de liquidação e execução de sentença (artigos 876 a 892). Consequentemente, a aplicação do CPC, nessas situações, afronta o comando do retrocitado art. 769.
No julgamento do incidente de recurso de revista repetitivo (IRR), a tese prevalecente no Pleno lastreou-se nos argumentos seguintes:

1)      a CLT regula de modo totalmente distinto o procedimento da execução. O art. 523, § 1º, do CPC concede ao devedor prazo de 15 dias para praticar um único ato possível – pagar a dívida, que, caso contrário, será acrescida da multa. Já no processo do trabalho, ao contrário, os arts. 880, caput, e 882 da CLT facultam ao devedor, no prazo de 48h, praticar um destes dois atos: pagar ou garantir a execução com outro tipo de bem;

2)      A possibilidade de nomeação de bens à penhora, a seu ver, exclui a ordem para pagamento imediato da dívida da execução cível comum;

3)      Enquanto o CPC impõe a multa independentemente de nova intimação do executado, a CLT prevê a citação do executado;

4)      Não se pode criar um regime que faça uma “simbiose de normas”. Se a CLT garante ao devedor pagar ou garantir a execução, a aplicação apenas da multa coercitiva, e não as demais regras do CPC, violaria a garantia do devido processo legal;

Esses foram os argumentos do voto vencedor, capitaneado pelo Min. Orestes Dalazen, que resultaram na fixação da tese jurídica do acórdão, isto é, a multa coercitiva do art. 523, § 1º, do CPC (antigo art. 475-J do CPC-1973) não é compatível com as normas da CLT, razão pela qual não se aplica à execução trabalhista. 
Porém, cumpre sublinhar que a divergência foi aberta pelo Min. Maurício Godinho Delgado, que defendeu a compatibilidade da multa de 10% do § 1º do art. 523 do CPC com o processo do trabalho, ressalvando a execução de acordo que já previsse sanção específica, nas execuções contra a Fazenda Pública ou quando já houvesse a garantia total do juízo pelo depósito recursal. Segundo seu voto, embora a CLT dê tratamento normativo específico para a execução trabalhista, essa disciplina não é satisfatória para conferir máxima efetividade à satisfação do crédito trabalhista, de natureza alimentar, no menor tempo possível, de modo a garantir o resultado útil do processo. E, diante dessa lacuna, pode-se aplicar a multa para atingir esse fim.