domingo, 24 de novembro de 2013

DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO: considerações à luz da jurisprudência do STF e do STJ

Min. Napoleão Nunes Maia Filho, relator do REsp 1.192.332/RS no STJ.

Ouvindo atualmente: "The Golden Age of English Lute Music",
de Julian Bream.
Nenhum músico me influenciou mais
que o violonista e alaudista inglês Julian Bream.
Foi graças a Bream que eu aprendi a amar
a música erudita renascentista.
No ano do seu aniversário de 80 anos,
 dedico este humilde estudo jurídico ao meu grande mestre.     
 
1 - Introdução

Para a satisfação das muitas necessidades coletivas, a Administração Pública precisa lidar com um conjunto de situações distintas. Algumas são bem simples, como a limpeza dos logradouros, outras muito complexas, como a organização do trânsito de veículos e o fornecimento de medicamentos. Sendo assim, é fácil compreender a necessidade de utilização de bens e serviços, muita vez obtidos de terceiros.

Quando o interesse público demanda a prestação de alguma atividade desempenhada por terceiro, dá-se a causa fática do contrato administrativo. Este não pode, todavia, ser celebrado com qualquer um. Caso a Administração Pública pudesse escolher ao seu talante o prestador, ter-se-ia certamente por privilegiados aqueles próximos ao governo, ferindo de morte a impessoalidade que deve reger as relações estatais de uma República. Por esse motivo, a Constituição de 1988 impôs, no art. 37, XXI, a licitação como procedimento prévio à celebração contratual. In verbis:  

Art. 37 omissis
 
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Nos termos da norma constitucional, presume-se que a licitação propicia a contratação mais vantajosa para o interesse público, na medida em que são exigidos requisitos de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Além disso, ao assegurar-se a igualdade de condições a todos os concorrentes, prestigia-se a impessoalidade, princípio regente do Estado republicano, que não se harmoniza com privilégios calcados na vontade do administrador.

Sobre o assunto, Hely Lopes Meirelles (2004, p. 271, grifo do autor) lembra que   

A expressão obrigatoriedade de licitação tem um duplo sentido, significando não só a compulsoriedade da licitação em geral como, também, a da modalidade prevista em lei para a espécie, pois atenta contra os princípios de moralidade e eficiência da Administração o uso da modalidade mais singela quando se exige a mais complexa, ou o emprego desta, normalmente mais onerosa, quando o objeto do procedimento licitatório não a comporta. Somente a lei pode desobrigar a Administração, quer autorizando a dispensa de licitação, quando exigível, quer permitindo a substituição de uma modalidade por outra (art. 23, §§ 3º e 4º).  

A importância da regra da obrigatoriedade de licitação é tamanha que sua dispensa ou inexigibilidade fora das hipóteses legais, bem como a fraude operada no certame, pode tipificar a conduta criminosa prevista nos arts. 89 e 90 da Lei 8.666/93:

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Assim, no contexto do Direito Administrativo brasileiro, é correto afirmar que, de ordinário, a licitação é etapa obrigatória nos contratados administrativos celebrados com o Poder Público.
      
2 - Princípio da obrigatoriedade de licitação e a possibilidade excepcional de contratação direta por dispensa ou inexigibilidade

Apesar disso, há casos em que o próprio legislador permite a contratação direta, isto é, independentemente de prévio processo licitatório. Como a obrigatoriedade de licitação é a regra, cuidam-se de hipóteses excepcionais, só admissíveis em vista de expressa autorização legal. Daí a dicção do inc. XXI do art. 37 da CF/88, ao estipular que a licitação é obrigatória, "ressalvados os casos especificados na legislação".

Essa mesmo ressalva encontra-se na parte final do caput do art. 2º da Lei 8.666/93:

Art. 2º  As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
 
Segundo a Lei 8.666/93, duas são as hipóteses de contratação direta: dispensa e inexigibilidade. Naquela a disputa é possível, porém, em face de determinadas particularidades, o legislador considerou-a inconveniente ao interesse púbico. Nesta a própria disputa é inviável, o que decerto torna o certame inexigível.  
Correlacionando a regra da obrigatoriedade de licitação com as hipóteses excepcionais de contratação direta, José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 248, grifos do autor) leciona que  

O princípio da obrigatoriedade da licitação impõe que todos os destinatários do Estatuto façam realizar o procedimento antes de contratarem obras e serviços. Mas a lei não poderia deixar de ressalvar algumas hipóteses que, pela sua particularidade, não se compatibilizam com o rito e a demora do processo licitatório.


[...]
 
A dispensa de licitação caracteriza-se pela circunstância de quem em tese, poderá o procedimento ser realizado, mas que, pela particularidade do caso, decidiu o legislador não torná-lo obrigatório. Diversamente ocorre na inexigibilidade, como se verá adiante, porque aqui sequer é viável a realização do certame.   

Dessa forma, está claro que, nas hipóteses de licitação dispensável, não obstante a competição seja materialmente viável, o legislador considera-a contrária ao interesse público. Já nas hipóteses de inexigibilidade não se exige o certame licitatório ante a mera constatação de que a disputa é inexequível.   

3 - Fundamentos da inexigibilidade de licitação

Do ponto de vista legal, as hipóteses de inexigibilidade de licitação encontram-se elencadas no art. 25 da lei, senão vejamos:
Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

Tratando-se de rol meramente exemplificativo (numerus apertus), há de se concluir que será possível a verificação de outras hipóteses de inexequibilidade da competição diante do caso concreto. Tudo dependerá da presença (ou não) dos pressupostos que fundamentam a exigibilidade da licitação.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 532-533), tais pressupostos englobam três ordens de análise: a) lógica; b) jurídica; c) fática. O pressuposto lógico refere-se à necessidade de que haja pluralidade de fornecedores e pluralidade de objetos, de modo que se se trata de produto exclusivo, fica logicamente inviabilizada a competição. O pressuposto jurídico reporta-se ao interesse público, fim mor de toda a atividade administrativa, que invariavelmente deverá apresentar-se na realização do certame; logo, caso fique comprovado que a licitação vai de encontro ao interesse da sociedade, inexigível será a sua realização. Finalmente, o pressuposto fático relaciona-se ao interesse de mercado na contratação do objeto licitado. A bem dizer, é preciso que haja um número plural de participantes interessados em contratar com a Administração, sob pena de tornar a concorrência inviável.   
Tais pressupostos não estão previstos em lei. Por isso dão origem a debate na doutrina administrativista, que ora diverge quanto ao nome dos pressupostos, ora quanto às suas consequências.  
A enumeração desses pressupostos é bastante divergente. A primeira divergência é quanto ao nome, e a segunda, quanto às consequências causadas pela sua ausência. Para a maioria da doutrina, a ausência de qualquer dos pressupostos levará à inviabilidade da competição e, portanto, à inexigibilidade da licitação, e não à dispensa como defendem alguns doutrinadores. (MARINELA, 2010, p. 329).
 
De qualquer modo, não se verificando algum dos pressupostos enumerados (lógico, jurídico ou fático), a competição torna-se impossível e, ato contínuo, a própria licitação.

3 - Serviços advocatícios e inexigibilidade de licitação: jurisprudência dos tribunais superiores

A discussão em torno dos serviços de advocacia parte dos fundamentos doutrinários que circundam os pressupostos da licitação. Com efeito, é preciso saber se a atividade do advogado poderia suscitar a ausência de pressuposto lógico, fático ou jurídico.  

De início, é fundamental recordar que o art. 25, II, reconheceu ser inexigível a licitação quando se tratar da contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 da Lei 8.666/93, in verbis:
Art. 13.  Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; 
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico.
VIII - (Vetado). 

Ainda no inc. II do art. 25 da lei, lê-se que a necessidade de contratar profissionais de notória especialização implica inviabilidade de competição. Eis uma conclusão que afeta diretamente o pressuposto lógico da licitação, o que se relaciona à pluralidade de objetos e à pluralidade de ofertantes. Por outras palavras, se o objeto a ser licitado é singular, seja ele bem ou serviço, surge um fator de ordem lógica apto a impedir a obstaculizar a disputa e, consequentemente, o próprio certame licitatório.  

No tocante ao conceito de serviços singulares, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 535) preleciona o seguinte:
Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente - por equipe -, sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suprida. Neste quadro cabem os mais variados serviços: uma monografia escrita por um experiente jurista; uma intervenção cirúrgica realizada por qualificado cirurgião; uma pesquisa sociológica empreendida por uma equipe de planejamento urbano; um ciclo de conferências efetuado por professores; uma exibição de orquestra sinfônica; uma perícia técnica sobre o estado de coisas ou das causas que o geraram.
Todos esses serviços se singularizam por um estilo ou por uma orientação pessoal. Note-se que a singularidade mencionada não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço. Isto é, são singulares, embora não sejam necessariamente únicos.   

Nesse sentido, os serviços advocatícios podem ser classificados como "serviços singulares", isto é, serviços técnicos especializados. Constituindo o assessoramento jurídico atividade que demanda a apreciação de condições subjetivas do prestador do serviço, em especial quanto à sua capacidade de lidar com a necessidade de suporte técnico-científico da Administração, singulariza-se o serviço, fundamentando sua inexigibilidade.  

Esse raciocínio tem sido esposado pela jurisprudência do STJ. Com base no art. 25, II, c/c art. 13, II, da Lei 8.666/93, a Corte entendeu diversas vezes que a contratação de serviços de advogado acarreta hipótese de inexigibilidade de licitação. Colaciono (grifos meus): 
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 535, II, DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. CONTRATAÇÃO DEESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. LICITAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. EXPRESSAPREVISÃO LEGAL. SERVIÇO SINGULAR E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. REEXAMEDE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7DO STJ
1. Alegações genéricas quanto à violação do artigo 535 do CPC não bastam à abertura da via especial, com base no art. 105, inciso III, alínea a, da CF. Incidência da Súmula 284/STF.
2. A contratação de serviços de advogado por inexigibilidade de licitação está expressamente prevista na Lei 8.666/93, art. 25, II c/c o art. 13, V.
3. A conclusão firmada pelo acórdão objurgado decorreu da análise de cláusulas contratuais e do conjunto fático-probatório dos autos. Dessarte, o acolhimento da pretensão recursal, no sentido da ausência dos requisitos exigidos para a contratação de escritório de advocacia por meio da inexigibilidade de licitação, esbarra no óbice das Súmulas 5 e 7/STJ. Precedentes.
4. Recurso especial não conhecido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 1.285.378/MG, Rel. Min. Castro Meira, j. 13/03/2012, p. DJe 28/03/2012).  
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO. LICITAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. SERVIÇO SINGULAR E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
1. A contratação de serviços de advogado por inexigibilidade de licitação está expressamente prevista na Lei 8.666/93, arts. 25, II e 13, V.
2. Para concluir-se de forma diversa do entendimento do Tribunal a quo - "A excepcionalidade, a extraordinariedade, a relevância do serviço justificam a contratação especial, independentemente de licitação" -, seria necessário o reexame fático probatório dos autos, inviável na via manejada, a teor da Súmula 7 do STJ.
3. Recurso especial não conhecido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 726.175/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 22/02/2011, p. DJe 15/03/2011).  

Contudo, cumpre frisar que a inexigibilidade do procedimento licitatório só se legitima quando a notória especialização do serviço advocatício for incontestável, comprovando-se pelas circunstâncias nas quais se deu a contratação do ofertante. Por exemplo: um assessor jurídico, outrora ocupante de cargo comissionado nos quadros da própria Administração, não se pode considerar prestador de serviço singular, extraordinário, a tal ponto não assimilável por outro profissional da mesma área. É o que se extrai da seguinte ementa de julgado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INEXIGIBILIDADE DA LICITAÇÃO. SERVIÇO SINGULAR E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ.
1. A falta de combate ao fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo justifica a aplicação da Súmula 283 do STF.
2. O Tribunal a quo, com base na prova dos autos, concluiu não ser hipótese de inexigibilidade de licitação, pois ausente a contratação de serviço de natureza singular e de causídico com notória especialização. Além disso, afirmou que o réu, antes de ser contratado pelo Município, era assessor jurídico, mediante cargo comissionado. Dessarte, o acolhimento da pretensão recursal, para admitir-se a presença dos requisitos exigidos para a contratação de escritório de advocacia por meio da inexigibilidade de licitação, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.
                                 3. Agravo regimental não provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, AgRg no REsp 1.361.705/PR, Rel. Min. Castro Meira, j. 18/06/2013, p. DJe 28/06/2013).  
 
Diferente é a situação de um escritório de advocacia, reconhecido pela excelência e especialização dos serviços prestados (portador inclusive de atestados de capacidade técnica na área), além da longevidade de atuação no mercado. No julgado abaixo temos um exemplo disso. Posto que se refira a escritório contábil, a tese jurídica adotada vale também para as bancas de advogados:
PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA RELATIVA A FATOS E PROVAS. CONCLUSÕES DOTRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULAN. 7 DO STJ.
1. Em verdade, a contratação sem licitação, por inexigibilidade, deve estar vinculada à notória especialização do prestador de serviço, de forma a evidenciar que o seu trabalho é o mais adequado para a satisfação do objeto contratado e que é inviável a competição entre outros profissionais.
2. No caso dos autos, o tribunal de origem reconheceu a notória especialização e a singularidade do escritório contábil dentro daquela municipalidade com base na análise dos fatos e das provas, de modo que a reforma do acórdão vergastado demandaria o reexame do contexto fático-probatório, não a mera qualificação jurídica deste.
3. Nesse contexto, inafastável subsiste o Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.
4. Agravo regimental não provido.

(STJ, T2 - Segunda Turma, AREsp 20.469/GO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/09/2011, p. DJe 14/09/2011).  
 
Recentemente, ao julgar o REsp 1.192.332/RS, a Primeira Turma do STJ tornou a debruçar-se sobre o tema. No caso, um advogado foi condenado pelo TJRS pela prática de ato de improbidade, em face de ter sido contratado pelo município de Chuí para a prestação de assessoramento jurídico sem que tivesse sido realizada prévia licitação. Na oportunidade, o STJ afastou a tipificação do ato ímprobo tendo por base a argumentação consignada no voto do relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Pelo seu interesse para este estudo, reproduzo-a aqui:
[...] é impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade da competição.
 
[...] A singularidade dos serviços prestados pelo advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, desta forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço).

Significa dizer que, para o STJ, não há que se falar em ato de improbidade na espécie, dado que os serviços advocatícios encontram-se entre as hipóteses que autorizam, excepcionalmente, a contratação direta pela Administração Pública com fundamento na inexigibilidade de processo licitatório.  

Por seu turno, a jurisprudência do STF vai ao encontro do entendimento do STJ no assunto. Para a Corte Suprema, é imperioso reconhecer que a contratação de serviços de notória especialização, aí incluídos os advocatícios, enseja hipótese que inviabiliza a competição. Ficam afastados, dessa maneira, não apenas os atos de improbidade administrativa da Lei 8.429/92 como também as condutas típicas de índole criminal, a exemplo daquelas previstas nos arts. 89 e 90 da Lei 8.666/93. Colaciono (grifos meus):  
AÇÃO PENAL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL DE ADVOGADOS FACE AO CAOS ADMINISTRATIVO HERDADO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL SUCEDIDA. LICITAÇÃO. ART. 37, XXI DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DISPENSA DE LICITAÇÃO NÃO CONFIGURADA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO CARACTERIZADA PELA NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS CONTRATADOS, COMPROVADA NOS AUTOS, ALIADA À CONFIANÇA DA ADMINISTRAÇÃO POR ELES DESFRUTADA. PREVISÃO LEGAL. A hipótese dos autos não é de dispensa de licitação, eis que não caracterizado o requisito da emergência. Caracterização de situação na qual há inviabilidade de competição e, logo, inexigibilidade de licitação. 2. "Serviços técnicos profissionais especializados" são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços - procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo - é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do "trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato" (cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuem notória especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da Administração. Ação Penal que se julga improcedente.
(STF, Tribunal Pleno, AP 348/SC, Rel. Min. Eros Grau, j. 15/12/2006, p. DJe 03/08/2007).
 
EMENTA: I. Habeas corpus: prescrição: ocorrência, no caso, tão-somente quanto ao primeiro dos aditamentos à denúncia (L. 8.666/93, art. 92), ocorrido em 28.9.93. II. Alegação de nulidade da decisão que recebeu a denúncia no Tribunal de Justiça do Paraná: questão que não cabe ser analisada originariamente no Supremo Tribunal Federal e em relação à qual, de resto, a instrução do pedido é deficiente. III. Habeas corpus: crimes previstos nos artigos 89 e 92 da L. 8.666/93: falta de justa causa para a ação penal, dada a inexigibilidade, no caso, de licitação para a contratação de serviços de advocacia. 1. A presença dos requisitos de notória especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho a ser contratado, que encontram respaldo da inequívoca prova documental trazida, permite concluir, no caso, pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos serviços de advocacia. 2. Extrema dificuldade, de outro lado, da licitação de serviços de advocacia, dada a incompatibilidade com as limitações éticas e legais que da profissão (L. 8.906/94, art. 34, IV; e Código de Ética e Disciplina da OAB/1995, art. 7º).

(STF, Primeira Turma, HC 86.198/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 17/04/2007, p. DJe 29/06/2007).

Por conseguinte, segundo o STF, os serviços advocatícios, quando prestados por profissionais ou por bancas de notória especialização, fundamentam a inexigibilidade de sua licitação, a afastar a tipificação dos crimes licitatórios previstos na Lei 8.666/93.  

 4 - Conclusão

A Administração Pública, com vistas a satisfazer o interesse da sociedade, necessita desincumbir-se de múltiplas atividades em campos diferentes. Daí decorre a necessidade de contratar com particulares, a fim de obter os bens ou serviços imprescindíveis para a gestão do Estado.

Nessas hipóteses, a Constituição de 1988 erigiu como regra a realização de prévio procedimento licitatório (CF, art. 37, XXI), de tal arte que fique assegurada - a um só tempo - a impessoalidade e a obtenção, em regime concorrencial, da maior vantagem possível para o Poder Público.  

A licitação é regra, entretanto, que comporta ressalvas. Surgem, assim, as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação, que têm o condão de permitir a contratação direta com a Administração, desprezando-se o certame licitatório. São casos excepcionais, justificáveis ora pela inconveniência para o interesse público (dispensa), ora pela mera inviabilidade da competição (inexigibilidade).

Doutrinariamente, a prestação de assessoramento jurídico pode ser considerada um serviço de natureza singular, idônea, portanto, a autorizar a inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, II, c/c art. 13, V, da Lei 8.666/93. Tais dispositivos legais reportam-se à contratação direta, pelo Poder Público, de serviços técnicos de notória especialização - aí incluídos o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.   

Ao longo deste estudo, procurei demonstrar que esse pensamento doutrinário vem sendo majoritariamente adotado pelos tribunais superiores. Tanto STF quanto STJ entendem que a prestação de serviços advocatícios, quando comprovadamente realizados por profissionais ou escritórios de notória especialização, inviabilizam a competição, em face da singularidade intelectual que a atividade de assessoramento jurídico encerra. Dessa feita, por ser inviável a disputa, o certame é inexigível.

A consequência, no plano jurisprudencial, é que, se os serviços advocatícios atendem aos requisitos legais que permitem a contratação direta com o Poder Público, não se pode falar em ato de improbidade na atitude do administrador que contrata advogado sem licitação. Conclusão idêntica se dá em relação aos crimes licitatórios, em relação aos quais a tipicidade da conduta fica afastada por força da inexigibilidade da licitação aplicável à espécie.
REFERÊNCIAS  

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.

BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 08 de set. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.285.378/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 13/03/2012, p. DJe 28/03/2012. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 726.175/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 22/02/2011, p. DJe 15/03/2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 1.361.705/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 18/06/2013, p. DJe 28/06/2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.



BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 20.469/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/09/2011, p. DJe 14/09/2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.192.332/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 12/11/2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AP 348/SC, Rel. Min. Eros Grau, j. 15/12/2006, p. DJe 03/08/2007. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 86.198/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 17/04/2007, p. DJe 29/06/2007. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 24 de nov. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25º ed. rev. atual. e ampl. até a Lei 12.587/12. São Paulo: Atlas, 2012. 1250 p.

MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4º ed. rev. ampl. e atual.  Niterói, RJ: Impetus, 2010. 1030 p.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 798 p.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 1102 p.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

RT Comenta: PROCESSO CIVIL


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Prova: Procurador Federal (2013)
Tipo: Objetiva
Banca:
Reexame necessário é outro tema dos mais relevantes para os candidatos a cargos no âmbito da advocacia pública. Como sei que há aqueles que acompanham o meu trabalho interessados na carreira (na lista de e-mails do grupo de estudos certamente há várias pessoas com esse objetivo), destaquei uma questão relativa ao reexame necessário. Espero que o leitor aprecie os comentários. E depois não se esqueça de ajudar na divulgação do blogue!
Julgue os itens a seguir, acerca do reexame obrigatório de sentenças e da reclamação constitucional no âmbito do STJ e do STF.

199 É incabível a remessa necessária da sentença proferida com base em enunciado ou precedente do Plenário do STF nas causas cujo valor não ultrapasse sessenta salários mínimos e também na sentença de procedência, ainda que parcial, dos embargos, na execução fiscal que não superar o referido valor.

1 - Comentários ao item 199

A doutrina majoritária anota que o reexame necessário não é recurso. Vários são os argumentos apresentados. O principal deles é que, pelo princípio da taxatividade, só ostenta natureza recursal o instrumento previsto como tal na lei.

Nesse sentido, posto que seja possível lei extravagante criar recurso, de ordinário a previsão de meios de impugnação dotados de natureza recursal é encontrada no art. 496 do CPC:   

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: 

I - apelação;

II - agravo de instrumento;

II - agravo; 

III - embargos infringentes;

IV - embargos de declaração;

V - recurso ordinário;

VI - recurso especial; 

VII - recurso extraordinário;  

VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

Como não consta do rol citado acima, conclui-se, à luz da taxatividade, que o legislador não atribui ao reexame necessário natureza de recurso. Apesar disso, a jurisprudência tem entendimento firme no sentido de que o princípio da non reformatio in pejus (tipicamente recursal) aplica-se ao instituto, conforme se depreende do enunciado nº 45 da súmula de jurisprudência do STJ: 

STJ, Súmula nº 45
 
No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.

O STJ aplica reiteradamente esse enunciado sumulado, impedindo a reformatio in pejus contra a Fazenda Pública em casos nos quais não tenha havido interposição de recurso pela parte adversa. As ementas abaixo são esclarecedores disso (grifos meus):

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REFORMATIO IN PEJUS AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N.º 282 E 356 DO STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DO DISSÍDIO. CEGUEIRA E IRREVERSÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALTERAÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO PELAS INSTÂNCIAS DE COGNIÇÃO PLENA. IMPOSSIBILIDADE IN CASU. EXCESSO OU ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NÃO CONFIGURADOS. HONORÁRIOS. ACÓRDÃO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
1. O quantum indenizatório devido a título de danos morais deve assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de levar em conta a capacidade econômica do réu. 2. A jurisprudência desta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que este quantum deve ser arbitrado pelo juiz de forma a que a composição do dano seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade.
3. O dano imaterial, implica destacar que a indenização não visa reparar a dor, a tristeza ou a humilhação sofridas pela vítima, haja vista serem valores inapreciáveis, o que não impede que se fixe um valor compensatório, com o intuito de suavizar o respectivo dano.
4. A Súmula nº 45, desta Corte, preceitua que "no reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública".
5. Isto por que resta cediço na doutrina que: "... a remessa obrigatória assemelha-se ao recurso quanto à possibilidade de alteração da decisão em “detrimento” da parte beneficiada pelo reexame oficial. Assim é que, em duplo grau obrigatório, não se admite que o tribunal, revendo a decisão prejudique, por exemplo, a Fazenda Pública, piorando-lhe a situação contida na sentença remetida de ofício, mas que não sofreu impugnação voluntária da parte adversa. Trata-se de “vedação da reformatio in pejus”, instituto intimamente ligado à idéia de recurso voluntário. Esse fenômeno ocorre, justamente, quando a decisão “para pior” é proferida pelo órgão revisor contra o único recorrente." (Luiz Fux, Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2001).
6. In casu, considerando a responsabilidade objetiva do Estado, ora recorrente, por culpa inescusável acarretou a perda da visão esquerda do ora recorrido, o Tribunal a quo alterou o valor arbitrado a título de dano moral pelo juízo de primeiro grau, de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para R$80.000,00 (oitenta mil reais), fixando o pensionamento até a morte do autor e não até os 65 anos de idade, como outrora determinado na primeira instância.
7. A modificação do quantum arbitrado a título de danos morais somente é admitida, em sede de recurso especial, na hipótese de fixação em valor irrisório ou abusivo, o que, no caso sub judice, não restou configurado (Precedentes: REsp n.º 681.482/MG, Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJU de 30/05/2005; AgRg no AG n.º 605.927/BA, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 04/04/2005; AgRg no AG n.º 641.166/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU de 07/03/2005; AgRg no AG n.º 624.351/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 28/02/2005; e REsp n.º 604.801/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 07/03/2005.
8. Os critérios de aferimento da Justa Indenização para fixação do quantum indenizatório estão adstritos às instâncias ordinárias, ante a necessária análise do conjunto fático-probatório atraindo a incidência da Súmula 07/STJ.
9. O arbitramento a título de indenização por dano moral em montante inferior ao pretendido pelo autor não enseja a aplicação do Art. 21 do CPC, posto ostentar caráter estimativo. Precedente: AgRg no Ag 482422 / SC, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, DJ 13.06.2005.
10. É defeso a esta Corte o exame de questão sobre a qual o acórdão recorrido decidiu com fundamento em interpretação de matéria eminentemente constitucional, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional. Precedentes jurisprudenciais.
11. É inviável a apreciação, em sede de Recurso Especial, de matéria sobre a qual não se pronunciou o tribunal de origem, porquanto indispensável o requisito do prequestionamento. Ademais, como de sabença, "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada" (Súmula 282/STF), e "o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento" (Súmula N.º 356/STJ). 1
2. A admissão do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional exige a demonstração do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração analítica das circunstâncias que assemelham os casos confrontados, bem como pela juntada de certidão ou de cópia integral do acórdão paradigma, ou, ainda, a citação do repertório oficial de jurisprudência que o publicou, não bastando, para tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas.
13. Recuso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, parcialmente provido, para determinar a manutenção da sentença de primeiro grau.
(STJ, T1 - Primeira Turma, REsp 785.835/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 13/03/2007, p. DJ 02/04/2007).  

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. RECURSO. AUSÊNCIA. REFORMATIO IN PEJUS. IMPOSSIBILIDADE. JUROS MORATÓRIOS. AÇÃO. AJUIZAMENTO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA MP Nº 2.180-35/2001. INCIDÊNCIA.
I - Esta c. Corte firmou o entendimento segundo o qual não é possível a reformatio in pejus na remessa necessária, quando não há impugnação recursal pela parte adversa. Incide, assim, a Súmula nº 45/STJ: "No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública". Precedentes.
II - Os juros moratórios devem ser fixados no percentual de 6% ao ano nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias a servidores públicos, quando a ação for proposta após o início da vigência da Medida Provisória 2.180-35/2001, que acrescentou o art. 1º-F à Lei 9.494/97. Precedentes. Agravo regimental desprovido.
(STJ, T5 - Quinta Turma, AgRg no REsp 931.836/RS, Rel. Min. Félix Fischer, j. 28/06/2007, p. DJ 27/08/2007).

Sendo assim, o pensamento doutrinário predominante inclina-se em considerar o reexame necessário qual instituto processual de que se vale o legislador para condicionar a eficácia de sentença. Esse condicionamento eficacial está relacionado à ocorrência de alguma das hipóteses previstas no art. 475 do CPC. In verbis:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: 

I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; 

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). 

Se o reexame necessário funciona como condição de eficácia da sentença proferida pelo juiz nas hipóteses do art. 475 do CPC, é forçoso concluir que, enquanto a decisão não for reapreciada pelo tribunal competente, fica impedido o seu trânsito em julgado.

Esse é o entendimento de resto consagrado no enunciado nº 423 da súmula de jurisprudência do STF:

STF, Súmula nº 423 

Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex-oficio", que se considera interposto "ex-lege".

O  reexame necessário é tão importante que o juiz deve determinar de ofício a remessa da sentença ao tribunal ao qual se encontra funcionalmente vinculado. Caso contrário, omitindo-se o magistrado, cabe ao presidente do tribunal avocar os autos e proceder ao reexame. É o que prevê o § 1º do art. 475 do CPC:  

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. 

Todavia, nem sempre o reexame da sentença é efetivamente "necessário", nem sempre haverá o duplo grau de jurisdição obrigatório. Há casos em que o próprio legislador cuidou de dispensar o instituto. Eles estão previstos nos §§ 2º e 3º do art. 475 do CPC:

 § 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. 

 § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. 
 
Tomando por base esses dispositivos, pode-se sistematizar as hipóteses de dispensa do reexame necessário, concluindo-se pelo não cabimento do instituto quando: 

1) houver condenação, ou direito controvertido, de valor certo (líquido) equivalente até 60 salários mínimos na sentença de mérito proferida contra a Fazenda Pública (CPC, art. 475, I);

2) houver sentença que julgue procedentes os embargos do devedor na execução de dívida ativa da Fazenda Pública de valor certo equivalente até 60 salários mínimos (CPC, art. 475, II);

3) houver sentença fundada em jurisprudência do Plenário do STF;

4) houver sentença fundada em súmula do STF;

5) houver sentença fundada em súmula de tribunal superior.

Note o leitor que, comparando-se a assertiva proposta pela banca examinadora com as hipóteses sistematizadas acima, identificam-se incongruências com o texto legal. De fato, o item 199 misturou a redação dos §§ 2º e 3º do art. 475 do CPC, porquanto a sentença fundada em precedente do Plenário do STF, ou mesmo em enunciado sumulado da Corte Suprema, tem o condão de dispensar o reexame necessário independentemente do valor de 60 salários mínimos.

Disso decorre a necessidade de que a sentença estabeleça com clareza o valor de 60 salários mínimos (teto para a dispensa do reexame pelo juiz). Caso contrário, em tendo sido proferida sentença ilíquida, o reexame necessário é instituto de observância obrigatória, não se admitindo sua dispensa. Trata-se do entendimento adotado pelo STJ, presente no acórdão paradigma do REsp 1.101.727/PR, julgado sob o rito dos recursos repetitivos. Ei-lo: 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA. CABIMENTO.
1. É obrigatório o reexame da sentença ilíquida proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (Código de Processo Civil, artigo 475, parágrafo 2º).
2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao procedimento do artigo 543-C do Código de Processo Civil.
(STJ, Corte Especial, REsp 1.101.727/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 04/11/2009, p. DJe 03/12/2009).  

Após toda essa exposição, percebe-se que o item 199 da prova está ERRADO