segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: aspectos materiais e processuais na jurisprudência do STJ

Min. Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1.005.939/SC no STJ

Ouvindo atualmente:
Helena Meirelles (1994).
(Helena foi uma das maiores instrumentistas
da história da música brasileira e mundial.
Uma pena que seja tão pouco conhecida no próprio País.
Por isso o blog do GERT é o único blog jurídico do mundo
a recomendar com orgulho
a viola virtuosa de Helena Meirelles).
 
A lógica leiga intui com facilidade que há injustiça na situação daquele que paga o que não deve. A reação imediata de qualquer pessoa é pedir a devolução do dinheiro que foi pago àquele que não era merecedor da quantia. Não é justo que alguém receba o proveito se não teve merecimento. 

Com a lógica jurídica não é diferente. De modo a atender a esses reclamos sociais, o Direito Civil prevê mecanismos que inibam o pagamento indevido, além de assegurarem a devolução do que foi percebido indevidamente.

Assim, o ordenamento jurídico prevê normas que visam a reger a situação daquele que paga o que não devia. Trata-se, tecnicamente, da chamada repetição do indébito - instituto aplicável a casos nos quais o problema não reside no inadimplemento da obrigação, mas sim no seu cumprido por aquele que não deveria fazê-lo.   

Quando ocorre o pagamento indevido, dá-se o enriquecimento sem causa. Sim, pois quem recebe pagamento a que não tinha direito está, evidentemente, a locupletar-se de forma injusta. Seja porque a dívida em si mesma considerada inexistia (pagamento objetivamente indevido), seja porque quem pagou não era sujeito passivo da obrigação (pagamento subjetivamente indevido), o fato é que aquele que recebeu quantia imerecida enriqueceu às custas de outrem. E quem enriquecesse dessa maneira está a enriquecer sem causa idônea a legitimar o locupletamento.

Aqui é preciso sublinhar que o Direito Civil brasileiro não admite o enriquecimento sem causa. Inspirado pelo princípio da socialidade, segundo o qual o exercício de um direito subjetivo legitima-se à medida que atende aos interesses da comunidade (função social), o ordenamento jurídico não se harmoniza com a conduta daquele que obtém vantagem não correspondente a uma obrigação. Como afirma Silvio Rodrigues,
   
é fácil conceber que o ordenamento jurídico não se compadeça com a ideia de legitimar um pagamento que não seja devido. Se é em virtude de uma obrigação que o pagamento conduz a uma alteração patrimonial entre as partes, não se justifica que prevaleça, mesmo sem uma causa adequada. (RODRIGUES, 2004, p. 412).
 
Por esse motivo, prevê o art. 876 do CC

Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Na redação do dispositivo acima, nota-se que o legislador não apenas veda o pagamento indevido, como ainda asseguram expressamente o direito subjetivo ao ressarcimento daquele que pagou o que não devia. A esse direito de cobrança que assiste àquele que pagou equivocadamente, dá-se o nome técnico de repetição do indébito. Portanto, quem pagou a quem não merecia receber o pagamento tem direito à repetição do indébito, isto é, a pedir de volta o pagamento indevido.

Mas não se deve supor que a ideia que censura o pagamento não devido limita-se ao Direito Civil. Pelo contrário, ela se encontra espraiada por todo o ordenamento, nos mais diversos subsistemas jurídicos. No Direito Tributário, por exemplo, quando o sujeito passivo (contribuinte) paga tributo indevido, dá-se o enriquecimento sem causa da Fazenda Pública, o que impõe ao Estado o dever de ressarcir aquele que teve seu patrimônio invadido ilegitimamente pelo Fisco. É daí que advém o direito de repetição do indébito tributário, previsto no art. 165 do CTN:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Da mesma maneira a legislação consumerista garante ao consumidor lesado pelo credor que cobre débito indevido o direito à sua repetição. Vejamos, nesse sentido, o que dispõe o parágrafo único do art. 42 do CDC:


Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Todos esses exemplos, colhidos em distintos subsistemas do Direito (civil, tributário, consumidor), demonstram que o Direito brasileiro definitivamente não se compraz  com a conduta daquele que "quer se dar bem às custas dos outros", isto é, lograr proveito sem cumprir obrigação, ganhar dinheiro fácil, sem o merecimento pertinente. Isso porque

A função social do contrato, como elemento de justiça social, impondo igualdade de sacrifícios entre as partes contratantes, carrega o princípio que obsta o enriquecimento sem causa como um indicador de justa relação contratual. (NANNI, 2004, p. 416 apud FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 128).

Porém é preciso dizer que a repulsa jurídica ao locupletamento sem causa justa não se resume aos casos de pagamento objetiva ou subjetivamente indevido. Há também que se cogitar daquele credor que, imbuído de má-fé, pleiteia junto ao devedor o pagamento de dívida já saldada. Ou ainda daquele credor que, a abusar do seu direito de cobrança, exige crédito em valor superior ao que lhe era juridicamente devido. Em ambas hipóteses o art. 940 do Código Civil estabelece uma sanção, semelhante àquela que consta do parágrafo único do art. 42 do CDC. Eis o dispositivo legal a que me reporto: 

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Portanto, nos termos do art. 940 do CC, observa-se que o direito não só não se harmoniza com o enriquecimento sem causa como ainda pune a má-fé do credor.

Nesse contexto, é natural o surgimento da seguinte dúvida: como operacionalizar esse direito ao recobro? Qual o instrumento processual cabível para reivindicar em juízo a repetição do indébito? E como se fará a aplicação da penalidade, que tem por consequência o pagamento em dobro, da quantia cobrada indevidamente?

A princípio, o entendimento pretoriano inclinou-se para considerar que a repetição do indébito e a sanção do pagamento em dobro só poderiam ser postuladas validamente mediante reconvenção na própria ação de cobrança ilícita, sob pena de restar precluso o direito. Ainda hoje há tribunais decidindo desde esse prisma restritivo. Colaciono (grifo meu):

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO. FINANCIAMENTO. RECURSOS DO FAT. PRELIMINAR DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. COBERTURA SECURITÁRIA RECONHECIDA PELA CAIXA. COBRANÇA INDEVIDA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE RECONVENÇÃO. DESCABIMENTO. MULTA. DECRETO-LEI 911/69. VEÍCULO NÃO ALIENADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. APELO DA CEF DESPROVIDO. RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1- Preliminar de nulidade das intimações que se rejeita, pois não restou demonstrado que o nome do patrono da apelante não constou das publicações. Ademais, sua manifestação tempestiva afasta qualquer prejuízo, não havendo falar em nulidade de forma se o ato atingiu sua finalidade (princípio da instrumentalidade).
2- O contrato firmado entre as partes possui cobertura securitária.
3- Noticiado o sinistro (morte do contratante), a Caixa acionou a seguradora e promoveu o estorno das cinco prestações quitadas pelos herdeiros após o óbito.
4- Descabe a cobrança do Espólio pela dívida do financiamento, uma vez que a negativa (sequer comprovada) de cobertura securitária deve ser discutida exclusivamente entre a Caixa e a seguradora.
5- O pedido de baixa da restrição junto ao órgão de trânsito não pode ser conhecido, posto que sua formulação apenas neste momento processual importa em inadmissível inovação recursal.
6-  Descabe conhecer do pedido de repetição em dobro do indébito, pois a matéria somente comporta apreciação no bojo da reconvenção, in casu, não oposta. Precedentes.
7- Indevida a condenação da autora ao pagamento da multa prevista no § 6º, do art. 3º do Decreto- Lei 911/69, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 10.931/2004, uma vez que, na hipótese, não foi sequer deferida a liminar pleiteada, quanto menos alienado o bem a terceiro.
8- Nos termos do Código de Processo Civil, reputa-se litigante de má-fé aquele que altera a verdade dos fatos (art. 17, II).
9- Condenação da autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé que ora fixo em 1% sobre o valor da causa.
10- Apelo desprovido. Recurso adesivo provido parcialmente.
(TRF-3, Primeira Turma, AC 7482/SP 0007482-60.2007.4.03.6102, Rel. Des. José Lunardelli, j. 27/11/2012, p. DJe 05/12/2012)

Entretanto, tal posicionamento restritivo, que condicionava a aplicação da penalidade do art. 940 a via processual específica, com o tempo foi paulatinamente superado. Já em 2003, em demanda ainda sob a égide do CC/1916, o STJ punha-se a entender dessa maneira, senão vejamos: 

EMENTA: RESTITUIÇÃO EM DOBRO. Dívida já paga. Reconvenção. A demanda sobre dívida já paga permite a imposição da obrigação de restituir em dobro, independentemente de reconvenção. Art. 1531 do CCivil. Recurso conhecido e provido.
(STJ, Quarta Turma, REsp 229.258/SP, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. 27/05/2003, p. DJ 01/09/2003)

Com o tempo, precedentes que esposavam essa ratio decidendi ampliativa, a admitir toda e qualquer via processual para exigir a penalidade do pagamento dobrado, foram se avolumando na Corte. Reproduzo alguns deles (grifos meus):

Civil e processo civil. Recurso especial. Embargos à monitória. Cobrança indevida. Pagamento em dobro. Conduta maliciosa. Via processual adequada para requerer aplicação da penalidade.
- Este Tribunal admite a aplicação da penalidade estabelecida no art. 1.531 do CC/16 somente quando demonstrada conduta maliciosa do credor. Precedentes.
- Pratica conduta maliciosa o credor que, após demonstrado cabalmente o pagamento pelo devedor, insiste na cobrança de dívida já paga e continua praticando atos processuais, levando o processo até o final.
- A aplicação da penalidade do pagamento do dobro da quantia cobrada indevidamente pode ser requerida por toda e qualquer via processual, notadamente por meio de embargos à monitória.
Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.
(STJ, REsp 608.887/ES, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/08/2005, p. DJ 13/03/2006).  

PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. EMBARGOS À AÇÃO MONITÓRIA. DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA.
Na linha dos precedentes desta Corte, não é necessária a interposição de ação autônoma para se pleitear a aplicação da penalidade prevista no artigo 940 do Código Civil de 2002, equivalente ao artigo 1.531 do Código Civil de 1916.
Agravo Regimental improvido.
(STJ, Terceira Turma, AgRg no REsp 821.899/DF, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 20/10/2009, p. DJe 06/11/2009).

Ao assim se posicionar sobre a matéria, o STJ acabava por acompanhar o pensamento doutrinário defendido por boa parte da doutrina civilista. Sérgio Cavalieri Filho era um deles, como mostra o excerto abaixo, onde é possível ler seus comentários feitos a propósito do art. 940 do CC: 

Outra questão importante é a que diz respeito ao momento em que deve ser pleiteada a penalidade prevista neste artigo. Pode ser postulada em ação autônoma ou só através de reconvenção? Antiga jurisprudência se inclinou por esta última hipótese (RT, vol. 36/541). Sustentou-se que o devedor, se não apresenta sua defesa em reconvenção, perde o direito a pedir aplicação da pena por meio de ação ordinária. É de se atentar, todavia, que uma coisa é a defesa, o que é feito na contestação, e outra coisa é a reconvenção, ação do réu contra o autor no mesmo processo em que este aciona aquele. É necessário considerar, ainda, que a demanda principal não depende do pedido de imposição da pena, ou seja, apresentada a defesa na contestação, mesmo sem a reconvenção, provada ser a cobrança indevida ou excessiva, a ação principal será julgada improcedente. Fica evidente, portanto, que o juízo de imposição da pena em questão não é função inseparável do juízo da cobrança indevida de modo a impor, necessariamente, julgamento conjunto. Ao contrário, antes de ser decidido o cabimento ou não da pena terá que ser apurado se o pedido é indevido ou excessivo, e se houve ou não má-fé do credor, conforme já salientado. Pode o devedor, por prudência, para não ter que arcar com os ônus da sucumbência de uma reconvenção, querer aguardar o desfecho da ação principal para só então pleitear, em ação autônoma, a aplicação da pena ao credor que o acionou de má-fé. Daí se conclui que a melhor posição é aquela que admite a postulação da pena tanto em reconvenção na própria ação de cobrança ilícita, ou por ação posterior. (CAVALIERI FILHO, Sérgio, 2011).  

Recentemente a Quarta Turma do STJ trouxe à baila de novo a questão. No precedente relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão, reafirmou-se a tese jurisprudencial segundo a qual não se exige ação própria ou reconvenção para o requerimento, pelo devedor, do ressarcimento em dobro dos valores indevidamente pagos ao credor. Vejamos como o aresto ficou ementado:

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À
EXECUÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO DE INDÉBITO. ART. 1.531 DO CÓDIGO CIVIL/1916. POSSIBILIDADE DE REQUERIMENTO EM SEDE DE EMBARGOS.
1. A condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado (art. 1.531 do Código Civil de 1916) prescinde de reconvenção ou propositura de ação própria, podendo ser formulado em qualquer via processual, sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor. Precedentes.
2. Recurso especial provido. 
(STJ, Quarta Turma, REsp 1.005.939/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09/10/2012, p. 31/10/2012). 

Por consequência, percebe que o único elemento que o STJ considera verdadeiramente imprescindível para efeito de aplicação da pena de ressarcimento em dobro do art. 940 do CC é a demonstração de má-fé do credor. Fora isso, nada mais se exige do ponto de vista processual, que passa, dessa forma, a admitir qualquer tipo de via - seja ação própria, seja reconvenção nos mesmos autos da ação de cobrança ilícita.

Diante do exposto, a conclusão inevitável é a de que o STJ filiou-se à corrente doutrinária que defende a admissibilidade processual ampla dos pedidos formulados com vistas a obter o ressarcimento em dobro dos valores pagos indevidamente ao credor. E penso que, ao fazê-lo, andou bem, pois não se justifica restringir a formalismos processuais desnecessários o mecanismo sancionador criado pela lei para coibir a pratica do credor imbuído de má-fé que incorre em alguma  das hipóteses do art. 940 do CC. Sobretudo quando se observa que inexiste razão jurídica, ao menos no plano processual, a impor que o juízo que julga a ação principal de cobrança seja o mesmo que aplica a penalidade de pagamento em dobro, a posição da Corte mostra-se ainda mais escorreita.   

Assim, não há nada que contribua para desabonar juridicamente a estratégia daquele que opta por manejar o pedido de repetição do indébito em dobro em ação própria, em momento posterior, ou mesmo no restrito âmbito dos embargos à execução, independentemente de reconvenção ou qualquer outra via processual específica, entendimento que está, hodiernamente, consolidado nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça.  

REFERÊNCIAS
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3º Região. AC 7482/SP 0007482-60.2007.4.03.6102, Primeira Turma, Rel. Des. José Lunardelli, j. 27/11/2012, p. DJe 05/12/2012. Disponível em: www.trf3.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 229.258/SP, da Quarta Turma, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. 27/05/2003, p. DJ 01/09/2003. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.


BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 608.887/ES, da Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18/08/2005, p. DJ 13/03/2006. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 821.899/DF, da Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Benetti, j. 20/10/2009, p. DJe 06/11/2009. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.005.939/SC, da Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09/10/2012, p. DJe 31/10/2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 29 de set. 2013.

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 de nov. 2012.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 de set. 2013.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Decreto-lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 29 de set. 2013.

DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e dos privilégios creditórios, arts. 927 a 965, vol. XIII. 3º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. 632 p.

NANNI, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. São Paulo: Saraiva, 2004. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das obrigações. Salvador: JusPODIVM, 2012. 652 p.

 
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. São Paulo: Saraiva, 2004. 433 p.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DE IMÓVEIS VAGOS E ALUGADOS: ponderações sobre a imunidade genérica de impostos do art. 150, VI, c, da Constituição à luz da jurisprudência do STF

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Min. Dias Toffoli, relator do RE 470.520/SP no STF

 
1 - Introdução

Uma das principais garantias asseguradas ao contribuinte pelo sistema tributário nacional reporta-se às limitações ao poder de tributar. Ao regrar o assunto, o legislador constituinte elencou-as em pelo menos três dispositivos da Constituição de 1988: arts. 150, 151 e 152. Cada uma dessas normas constitucionais imunitórias apresenta suas peculiaridades, de conformidade com o ente a que se destina. O art. 151, por exemplo, estabelece vedações à União, ao passo que o art. 152 cumpre a mesma finalidade em relação a Estados e Municípios.

Entretanto, dessa trinca de artigos, o inc. VI do art. 150 tem merecido atenção especial da jurisprudência. O motivo é que nele estão inscritas normas negativas de competência tributária em caráter geral. Vejamo-lo:   

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
 
omissis

VI - instituir impostos sobre: 

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

A partir da leitura da cabeça do dispositivo, tem-se a percepção de que as regras limitadoras do poder tributante aplicam-se, indistintamente, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Ou seja, são limites gerais, a serem observados por todos os entes da Federação.  

Outro detalhe importante é que a imunidade prevista no inc. VI retira o poder estatal de tributar apenas em relação a impostos, não se aplicando, consequentemente, a outras espécies de tributos (taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições).  

2 - O alcance da interpretação do art. 150, VI, c, na jurisprudência do STF

No tocante à interpretação das normas constitucionais negativas de competência em caráter geral, a jurisprudência discute particularmente a imunidade genérica de impostos estabelecida pela alínea c do inc. VI do art. 150 da CF/88. Com efeito, tal norma visa a beneficiar determinadas pessoas que o constituinte considerou merecedoras de proteção especial. Assim, retira-se da esfera de tributação o "patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos", contanto que respeitados os requisitos legais. Por conseguinte, tais contribuintes, tão logo imunizados, ficam dispensadas do pagamento de qualquer tipo de imposto (IR, IOF, II, IPI, ITR, ICMS, IPVA, IPTU, ISS etc.).       

Evidentemente que uma garantia dessa envergadura acarreta muitos debates jurisprudenciais. O principal deles diz respeito ao alcance da norma imunitória. Como saber qual a sua extensão? Como definir, no caso concreto, qual a entidade deva ser imunizada?

Ciente das múltiplas possibilidades de interpretação da norma, o próprio texto constitucional cuidou de restringir o alcance da imunidade. E fê-lo no intento de associar o afastamento da competência tributária para a instituição de impostos tão somente ao patrimônio, à renda e aos serviços que guardem vinculação às finalidades essenciais das pessoas beneficiadas. É o que se extrai do § 4º do art. 150 da CF/88:

CF, art. 150 omissis
 
§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Esse limite inscrito no parágrafo, contudo, não foi suficiente para impedir toda sorte de questionamentos no Supremo Tribunal Federal. Afinal, quando se fala em imunidade na teoria do Direito Tributário, o que se busca é afirmar que o ente estatal não detém competência para instituir tributos em algumas hipóteses - no caso do art. 150, IV, da CF/88, especificamente de impostos. Só por isso se pode perceber a gravidade da matéria, em face de provocar substancial diminuição da arrecadação fazendária de recursos.  

Presente esse contexto, abordarei a seguir dois aspectos relevantes da jurisprudência do STF na matéria: a imunidade genérica de impostos em se tratando de imóveis alugados e de imóveis vagos.

3 - Imunidade tributária de imóveis alugados

O primeiro grande questionamento com o qual o STF deparou-se diz respeito à imunidade tributária de imóveis alugados. De fato, a tese sustentada pela Fazenda Pública ia no sentido de não permitir que as pessoas arroladas no inc. VI, a, do art. 150 da Constituição pudessem ser imunizadas em casos nos quais os imóveis componentes do patrimônio tivessem sido repassados a terceiros mediante contrato de locação.    

Todavia, a Suprema Corte brasileira não acompanhou o pensamento fazendário. Cito, nesse sentido, a ementa do acórdão paradigma firmado no julgamento do RE 237.718/SP:  

EMENTA: Imunidade tributária do patrimônio das instituições de assistência social (CF, art. 150, VI, c): sua aplicabilidade de modo a preexcluir a incidência do IPTU sobre imóvel de propriedade da entidade imune, ainda quando alugado a terceiro, sempre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas finalidades institucionais. (STF, Tribunal Pleno, RE 237.718/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 29/03/2001, p. DJ 06/09/2001).

Observa-se que a decisão do STF, posto que tenha reconhecido a imunidade tributária aos imóveis alugados, condicionou-a à reversão do valor dos alugueres às finalidades institucionais da entidade. A contrario sensu, se a renda não for destinada às finalidades essenciais das entidades, o pleito imunitório não merecerá prosperar. É o que se depreende dos seguintes julgados: 

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. IMUNIDADE. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMÓVEL ALUGADO. PRECEDENTE. A imunidade das entidades de assistência social prevista no artigo 150, VI, C, da Constituição, abrange o IPTU incidente sobre imóvel alugado a terceiro, cuja renda é destinada às suas finalidades essenciais. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, Primeira Turma, AI 501.686 AgR/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 16/12/2004, p. DJ 08/04/2005).

EMENTA: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Imunidade tributária. Instituição de educação. Art. 150, VI, c, da Constituição Federal. 3. Imóvel locado não impede o alcance do benefício. Precedentes. 4. Taxa de Limpeza Pública. Município de Belo Horizonte. Lei no 5.641, de 1989. Inconstitucionalidade. 5. Decisão proferida em conformidade com a jurisprudência desta Corte. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, Segunda Turma, RE 588.511 AgR/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12/09/2006, p. DJ 06/10/2006).

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE ENTIDADE BENEFICENTE DE EDUCAÇÃO. SESC. APLICABILIDADE. 1. As entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, como o Serviço Social do Comércio - SESC, são imunes à tributação por impostos (art. 150, VI, c da Constituição). 2. À luz da plena vinculação da atividade administrativa da constituição do crédito tributário, eventual e hipotético desvio de finalidade na aplicação do bem não pode ser pura e simplesmente pressuposta. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(STF, Segunda Turma, AI 409.806 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 06/04/2010, p. DJ 06/05/2010).

Não sem razão, o STF editou, em 26/11/2003,  o seguinte enunciado da sua súmula de jurisprudência:


STF, enunciado nº 724

Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.
 Em ordem a reforçar tal entendimento, é interessante mencionar a decisão monocrática do Min. Joaquim Barbosa quando negou seguimento ao agravo de instrumento 727.684/SP. Nesse precedente, o relator reafirmou a tendência jurisprudencial da Corte, iniciada com o RE 237.718/SP, no sentido de admitir a imunidade tributária para imóveis locados. Além disso, frisa-se a interpretação ampliativa da norma imunitória pela Suprema Corte, a abranger instituições de assistência social, instituições de educação sem fins lucrativos, entidades beneficentes e demais organizações assistenciais - contanto, é claro, que a renda do aluguer destine-se às finalidades precípuas dessas pessoas, e desde que não se trate, em regra, de entidade de previdência privada (enunciado nº 730 da súmula de jurisprudência do STF). Colaciono o inteiro teor da decisão (grifos meus):

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição federal) interposto de acórdão, proferido por Tribunal de Justiça estadual, cuja possui o seguinte teor: “APELAÇÃO – Mandado de Segurança – Impetrante é entidade filantrópica detentora do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos e mantenedora de obras sociais e educacionais em várias localidades do país – Comprovou que cumpriu as exigências do artigo 14 do Código Tributário Nacional – A impetrante faz jus à imunidade em relação à tributação do IPTU, mesmo estando os imóveis alugados – Aplicação da Súmula 724 do Supremo Tribunal Federal – Recursos desprovidos.” (fls. 177) Alega-se violação do disposto no art. 150, VI, c, e § 4º, da Constituição federal. O recurso não merece seguimento. O Plenário desta Corte, no julgamento do RE 237.718 (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06.09.2001), firmou jurisprudência no sentido de que a imunidade tributária do patrimônio das instituições de assistência social alcança até mesmo os imóveis alugados a terceiro, sempre que a renda dos aluguéis seja usada para atender às finalidades de tais instituições. Esse entendimento passou a alcançar igualmente instituições de educação sem fins lucrativos, entidades beneficentes e demais organizações assistenciais, desde que a renda esteja direcionada para suas finalidades e ainda que um contrato de locação não seja o cerne da controvérsia. Isso se depreende da ementa dos seguintes julgados: “Recurso extraordinário. SENAC. Instituição de educação sem finalidade lucrativa. ITBI. Imunidade. - Falta de prequestionamento da questão relativa ao princípio constitucional da isonomia. - Esta Corte, por seu Plenário, ao julgar o RE 237.718, firmou entendimento de que a imunidade tributária do patrimônio das instituições de assistência social (artigo 150, VI, ‘c’, da Constituição) se aplica para afastar a incidência do IPTU sobre imóveis de propriedade dessas instituições, ainda quando alugados a terceiros, desde que os aluguéis sejam aplicados em suas finalidades institucionais. - Por identidade de razão, a mesma fundamentação em que se baseou esse precedente se aplica a instituições de educação, como a presente, sem fins lucrativos, para ver reconhecida, em seu favor, a imunidade relativamente ao ITBI referente à aquisição por ela de imóvel locado a terceiro, destinando-se os aluguéis a ser aplicados em suas finalidades institucionais. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 235.737, rel. min. Moreira Alves, DJ de 17.05.2002) “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADE ASSISTENCIAL. IPTU. O caráter benemérito da recorrida jamais foi questionado pelo recorrente, devendo-se presumir que todo seu patrimônio, bem como o produto de seus serviços está destinado ao cumprimento de seu mister estatutário. As instâncias ordinárias assentaram que os imóveis em questão encontram-se vagos, em razão de a recorrida ainda não ter arrecadado recursos suficientes para construir prédios destinados ao cumprimento de sua função institucional, descartando a hipótese de desvirtuamento de seus fins. Premissa que não pode ser desconstituída, nesta sede extraordinária, ante a necessidade do reexame de fatos e provas (Súmula STF nº 279). Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 251.772, rel. min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ de 24.06.2003) “Recurso Extraordinário. Agravo Regimental. 2. Imunidade tributária. Instituição de educação. Art. 150, VI, c, da Constituição Federal. 3. Não impede o alcance do benefício a circunstância de o imóvel encontrar-se locado. 4. Impossibilidade de se discutir sobre a destinação da renda obtida com o aluguel. Inviabilidade de reexame de provas. Súmula 279. 5. Falta de prequestionamento. Súmulas 282 e 356. 6. Agravo regimental desprovido.” (RE 272.651-AgR, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 06.09.2002) “LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR. IMUNIDADE. ENTIDADE BENEFICENTE. IPTU. O Tribunal a quo seguiu corretamente a orientação desta Suprema Corte, ao assentar que o fato de uma entidade beneficente manter uma livraria em imóvel de sua propriedade não afasta a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c da Constituição, desde que as rendas auferidas sejam destinadas a suas atividades institucionais, o que impede a cobrança do IPTU pelo município. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 345.830, rel. min. Ellen Gracie, Primeira Turma, DJ de 08.11.2002) No mesmo sentido: AI 438.889-AgR (rel. min. Carlos Velloso, DJ de 27.02.2004), RE 308.449 (rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 20.09.2002), RE 227.078-AgR (rel. min. Gilmar Mendes, DJ de 06.09.2002) e RE 308.448 (rel. min. Moreira Alves, DJ de 02.05.2003). Esse entendimento está expresso também na Súmula 724/STF. Dessa orientação não divergiu o acórdão recorrido. Ademais, concluir diversamente do Tribunal de origem quanto à destinação dos imóveis adquiridos demandaria o prévio exame do quadro fático-probatório, o que é vedado na via estreita do recurso extraordinário (Súmula 279/STF). Do exposto, nego seguimento ao presente agravo.
(STF, AI 727.684/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 30/06/2011, p. DJe 02/08/2011). 

Desse modo, percebe-se que a Corte Suprema tratou de conciliar a norma negativa de competência tributal (CF, art. 150, VI, c) com a exigência inscrita no § 4º do mesmo dispositivo. Logo, só se justifica a imunidade de impostos aos imóveis alugados quando as pessoas locadoras comprovarem que o valor obtido por meio da avença locatícia reverter-se-á em prol das finalidades essenciais da pessoa jurídica.

 4 - Imunidade tributária de imóveis vagos

Por imóvel vago deve-se entender aquele cujo proprietário não edificou. Portanto, vago é o imóvel não edificado, que não tenha sido construído.  

Diante disso, a Fazenda Pública sustentou a tese de que tais imóveis desocupados não poderiam beneficiar-se da imunidade inscrita no art. 150, VI, c, da CF/88. Segundo tal entendimento, o ente estatal estaria legitimado ao exercício do poder de tributar, em face de que o imóvel vago não atenderia às finalidades essenciais a que se reporta o texto constitucional.  

Não obstante tais argumentos, o STF rejeitou mais uma vez a tese fazendária. Para a Suprema Corte brasileira, a falta de edificação do imóvel não enseja o reconhecimento do abandono ou mesmo de manifesto propósito especulativo, em diametral oposição à finalidade principal da pessoa imunizada, tal como exige o § 4º do art. 150 da Constituição.  

Nesse sentido, colaciono alguns julgados (grifos meus):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADE ASSITENCIAL. IPTU. O caráter benemérito da recorrida jamais foi questionado pelo recorrente, devendo-se presumir que todo seu patrimônio, bem como o produto de seus serviços está destinado ao cumprimento de seu mister estatutário. As instâncias ordinárias assentaram que os imóveis em questão encontram-se vagos, em razão de a recorrida ainda não ter arrecadado recursos suficientes para construir prédios destinados ao cumprimento de sua função institucional, descartando a hipótese de desvirtuamento de seus fins. Premissa que não pode ser desconstituída, nesta sede extraordinária, ante a necessidade do reexame de fatos e provas (Súmula STF, nº 279). Recurso extraordinário não conhecido.
(STF, Segunda Turma, RE 251.772/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 24/06/2003, p. DJe 29/08/2003). 

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ENTIDADE ASSISTENCIAL. IMÓVEL VAGO.IRRELEVÂNCIA. JURISPRUDÊNCIA DO STF. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO DESPROVIDO.
1. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF alcança todos os bens das entidades assistenciais de que cuida o referido dispositivo constitucional.
2. Deveras, o acórdão recorrido decidiu em conformidade com o entendimento firmado por esta Suprema Corte, no sentido de se conferir a máxima efetividade ao art. 150, VI, “b” e “c”, da CF, revogando a concessão da imunidade tributária ali prevista somente quando há provas de que a utilização dos bens imóveis abrangidos pela imunidade tributária são estranhas àquelas consideradas essenciais para as suas finalidades. Precedentes: RE 325.822, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.05.2004 e AI 447.855, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJ de 6.10.06.
3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “Ação declaratória de inexistência de relação jurídica. Sentença de improcedência. Alegada nulidade por falta de intimação/intervenção do Ministério Público. Ausência de interesse público. Art. 82, III, CPC. IPTU. Imunidade. Decisão administrativa. Entidade de caráter religioso. Reconhecimento da imunidade, com desoneração do IPTU/2009. O imposto predial do exercício anterior (2008), no entanto, continuou a ser cobrado pela Municipalidade, por considerar estarem vagos os lotes na época do fato gerador (janeiro/2008). Comprovação da destinação dos imóveis para os fins essenciais da igreja – construção de seu primeiro templo. Inteligência do art. 150, VI e § 4º, da CF. Dá-se provimento ao recurso.”
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, Primeira Turma, ARE 658.080/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 13/12/2011, p. DJe 15/02/2012). 

EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Recurso que não demonstra o desacerto da decisão agravada. 3. Decisão em consonância com a jurisprudência desta Corte. Imunidade tributária. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, 'c' e § 4o, da Constituição. Entidade de assistência social. IPTU. Lote vago. Precedente. 4. gravo regimental a que se nega provimento.
(STF, Segunda Turma, RE 357.175 AgR/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23/10/2007, p. DJe 14/11/2007). 

EMENTA: Agravo regimental no agravo de instrumento. Imunidade tributária da entidade beneficente de assistência social. Alegação de imprescindibilidade de o imóvel estar relacionado às finalidades essenciais da instituição. Interpretação teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a maximizar o seu potencial de efetividade. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem flexibilizando as regras atinentes à imunidade, de modo a estender o alcance axiológico dos dispositivos imunitórios, em homenagem aos intentos protetivos pretendidos pelo constituinte originário. 2. Esta Corte já reconhece a imunidade do IPTU para imóveis locados e lotes não edificados. Nesse esteio, cumpre reconhecer a imunidade ao caso em apreço, sobretudo em face do reconhecimento, pelo Tribunal de origem, do caráter assistencial da entidade. 3. Agravo regimental não provido.
(STF, Primeira Turma, AI 746.263 AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 18/12/2012, p. DJe 21/02/2013).

Logicamente, o reconhecimento da incidência da norma imunitória em favor da entidade deve ser feito à luz da comprovação de que a ociosidade do imóvel justifica-se pela necessidade de aguardar-se a edificação (por exemplo: uma entidade assistencial que carece de recursos para construir incontinente e ainda envida esforços em obtê-los junto a agências de financiamento). É a conclusão que decorre do seguinte julgado (grifo meu):  

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IPTU. IMÓVEL VAGO OU ALUGADO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DA SALVAGUARDA CONSTITUCIONAL. REEXAME DE FATOS E DE PROVAS.
1. O reconhecimento da imunidade recíproca à propriedade imóvel sem uso ou alugada depende do exame do destino dado aos aluguéis ou das razões que levam à ociosidade temporária do bem (precedentes). No caso em exame, para concluir pelo preenchimento dos requisitos para aplicação da salvaguarda constitucional, seria necessário abrir instrução probatória (Súmula 279/STF).
2. Quanto à alegada existência de decisão transitada em julgado favorável à pretensão da agravante, observo que eventual violação constitucional, se existente, seria indireta ou reflexa (precedentes).
3. Acerca do alegado cancelamento das certidões de dívida ativa, tal questão deve ser levada a tempo e modo próprios à autoridade administrativa ou judicial dotada de competência originária, pois descabe ampliar a causa de pedir do recurso extraordinário. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF, Segunda Turma, RE 440.657 AgR/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 29/05/2012, p. DJe 22/06/2012).

No entanto, essa conclusão não deve conduzir o intérprete a atribuir ao contribuinte um onus probandi que não lhe pertence. Assim, cabe ao Fisco o ônus de afastar a presunção de que o ente imunizado encontra-se vinculado às suas atividades essenciais. O julgado abaixo é ilustrativo desse pensamento da Corte (grifo meu):

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL BENEFICENTE. BEM IMÓVEL. AFASTAMENTO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. IMÓVEL VAGO. Nos termos da Constituição e da legislação de regência, as autoridades fiscais não podem partir de presunções inadmissíveis em matéria tributária, nem impor ao contribuinte dever probatório inexequível, demasiadamente oneroso ou desnecessário. As mesmas balizas são aplicáveis ao controle jurisdicional do crédito tributário. Por se tratar de embargos à execução fiscal, é lícito presumir que a própria autoridade fiscal apontou com precisão as razões que levaram à descaracterização da entidade e da destinação dada ao imóvel como objetos da proteção constitucional. Portanto, não poderiam a sentença ou o acórdão-recorrido impor ao contribuinte dever de provar fatos cuja existência era incontroversa ou irrelevante para desate do litígio, por não terem feito parte da motivação do ato de lançamento ou não impedirem que se avalie a possibilidade de imóvel vago ser objeto da proteção constitucional. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(STF, Segunda Turma, AI 579.096 AgR/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17/05/2011, p. DJe 03/06/2011).

Logo, da simples não edificação ou da ociosidade temporária do imóvel (vago) não se presume que o particular esteja a atuar em desacordo com o mandamento constitucional. É preciso, pois, que a Fazenda Pública demonstre nos autos as circunstâncias comprobatórias de que o § 4º do art. 150 da CF/88, que exige a vinculação do ente imunizado às finalidades essenciais, está a ser violado.   

5 - Conclusão
As limitações ao poder de tributar inserem-se no rol de garantias reservadas pelo texto constitucional para a defesa do contribuinte frente ao Estado. Como instrumento garantista por excelência, o Direito Tributário interpreta as normas imunitórias no contexto global da defesa do cidadão.

As imunidades genéricas de impostos, previstas no art. 150 da Constituição, vão ao encontro desse desiderato protetivo do contribuinte. Como o Estado é a parte mais forte da relação, a valer-se do seu poder de império para exigir compulsoriamente a tributação, resta aos particulares agarrar-se ao texto constitucional, a buscar nele o fundamento maior da legalidade que deve balizar a invasão patrimonial pelo Fisco.

Nem sempre, no entanto, essa invasão patrimonial é permitida. As imunidades do art. 150 da CF/88 são o instrumento dessa afirmação, pois tem o efeito de esvaziar a competência dos entes federados para a instituição de imposto (diz-se, por isso, cuidarem-se de normas negativas de competência).  

Atento a esse contexto, o Supremo Tribunal Federal tem conferido uma interpretação cada vez mais ampliativa das normas imunitórias. É desde essa perspectiva que o Tribunal tem reconhecido como imunes os imóveis alugados ou vagos. Em ambas as hipóteses, a Suprema Corte brasileira tem ampliado significativamente o alcance da imunidade de impostos do art. 150, VI, c.  

Ao assim proceder, entendo que a jurisprudência do STF incorpora uma linha que visa a conferir uma interpretação teleológica à imunidade tributária. O que fica patente pelo estudo dos acórdãos da Suprema Corte é precisamente isto: o repertório jurisprudencial da Corte é pródigo de exemplos que se ajustam ao ideal de preservação dos direitos fundamentais do contribuinte. Consequentemente, não abraça uma tese restritiva da imunidades de impostos, como poderia ocorrer no caso de as teses fazendárias terem sido consideradas válidas. Pelo contrário, o Tribunal tem ampliado, pela via da interpretação constitucional, o alcance da norma genérica de impostos, de maneira a dar maior efetividade às garantias do contribuinte, ainda que o patrimônio que se pretende imunizar relaciona-se a imóvel alugado a terceiros ou mesmo vago (não edificado).

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 237.718/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 29/03/2001, p. DJ 06/09/2001. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 501.686 AgR/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Eros Grau, j. 16/12/2004, p. DJ 08/04/2005. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 588.511 AgR/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12/09/2006, p. DJ 06/10/2006. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

 
 
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 727.684/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 30/06/2011, p. DJe 02/08/2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 251.772/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 24/06/2003, p. DJe 29/08/2003. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 357.175 AgR/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23/10/2007, p. DJe 14/11/2007. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 746.263 AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 18/12/2012, p. DJe 21/02/2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 440.657 AgR/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 29/05/2012, p. DJe 22/06/2012. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI 579.096 AgR/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17/05/2011, p. DJe 03/06/2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 724. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 27 de set. 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 27 de set. 2013.