quarta-feira, 28 de agosto de 2013

SERVIDOR PÚBLICO E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO: apontamentos na jurisprudência do STF à luz do julgamento monocrático das Rcls 16100 e 15759 em face do precedente assentado na ADI 3395 MC/DF


Min. Teori Zavascki, relator das Rcls 16100/AM e 15759/PI no STF.

Ouvindo atualmente: Opera Rara (1995), de Rosana Lanzelotte.
Comprei esse álbum na época em que me dediquei
ao estudo das suítes para alaúde de Bach.
Lanzelotte executa a suíte em C menor BWV 997
(que o Julian Bream executa em A menor no violão). 
É um dos meus álbuns favoritos, pois apresenta um repertório
de peças pouco conhecidas de Bach executadas no cravo
por uma musicista excepcional.
A interpretação da cravista para o "Andante" ,
terceiro movimento da sonata em D menor BWV 964,
é uma das coisas mais lindas que o ouvido humano pode apreciar. 
 
1 - Introdução

Quando a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, deu nova redação ao art. 114 da Constituição, ampliou-se significativamente a esfera de competência dos órgãos judiciários trabalhistas. Até então, o texto vigente dispunha que, à Justiça do Trabalho, competia "conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas."   

Percebe-se, assim, que a redação original do art. 114 da CF/88 era demasiado restritiva. Reportava-se apenas a "dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores." Com isso, a competência em razão da matéria (ratione materiae) da Justiça do Trabalho limitava-se, de maneira geral, tão somente à apreciação daquelas relações jurídicas que envolvessem vínculo de emprego. É claro que o legislador tinha a possibilidade de ampliar essa competência material, a fazer com que a Justiça Especializada Trabalhista avançasse no julgamento de outras demandas oriundas de relações de labor. Um exemplo clássico encontra-se no art. 643 da própria CLT, que versa sobre a competência para dirimir os conflitos sindicais:

Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho. 

        § 1º - As questões concernentes à Previdência Social serão decididas pelos órgãos e autoridades previstos no Capítulo V deste Título e na legislação sobre seguro social.  

        § 2º - As questões referentes a acidentes do trabalho continuam sujeitas a justiça ordinária, na forma do Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subseqüente.

        § 3o  A Justiça do Trabalho é competente, ainda, para processar e julgar as ações entre trabalhadores portuários e os operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO decorrentes da relação de trabalho. 

No entanto, sem norma expressa autorizando, a competência da Justiça do Trabalho ficava restrita às demandas caracterizadas pelo vínculo empregatício (por isso, à época, muitos juristas chamavam-na, jocosamente, de "Justiça do Emprego").   

Motivado pela necessidade de conferir maior prestígio à Justiça Especializada, o legislador constituinte incorporou entre as diretrizes norteadoras da Reforma do Poder Judiciário a ampliação da competência dos órgãos jurisdicionais trabalhistas. Operou-se, então, por meio da EC 45/04, uma expressiva alteração redacional do art. 114, que passou a figurar no texto constitucional desta forma:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:  
 
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; 

II as ações que envolvam exercício do direito de greve; 
 
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; 

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; 

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; 

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; 

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; 
 
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; 

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. 

§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. 

§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. 

Sendo assim, conforme a nova redação do art. 114 do texto constitucional, a Justiça do Trabalho teve sua competência em razão da matéria ampliada iniludivelmente. Por consequência, a doutrina inclinou-se a considerar que, após a EC 45/04, a competência dos órgãos jurisdicionais trabalhistas abrangia o julgamento de todos os litígios ligados a relações de trabalho genericamente consideradas, independentemente de autorização legal.

2 - Problemas na interpretação do art. 114, I, da CF/88: o caso dos servidores públicos

Porém, a ampliação competencial a que aludo também trouxe alguns problemas de interpretação. O mais famoso deles, e ao estudo do qual dedico este artigo, extrai-se já do inc. I do art. 114, onde se nota que a expressão "ações oriundas da relação de trabalho" é demasiado genérica; portanto, passível de abarcar demandas de cunho laboral indistintamente.   

Apoiados nesse raciocínio - perfeitamente legítimo à luz do texto constitucional reformado, ressalto -, parte da doutrina passou a defender a tese segundo a qual as relações de trabalho entre o Poder Público e seus agentes estariam igualmente abrangidas pela expansão da competência da Justiça do Trabalho promovida pela EC 45/04. Por outras palavras: a teor do art. 114, I, da Constituição, poder-se-ia admitir que órgãos judiciários trabalhistas viessem a conhecer e julgar demandas que envolvessem a Administração Pública e servidores a ela vinculados por relação estatutária, tradicionalmente considerada jurídico-administrativa.

Essa tese ganhou força na jurisprudência rapidamente após a promulgação de EC nº 45/04. Em pouco tempo, muitos juízes e tribunais do trabalho puseram-se a decidir litígios entre o Poder Público e seus servidores estatutários que envolviam o pleito de direitos previstos ora em estatuto, ora na própria CLT. Logo, era previsível que a controvérsia chegaria à instância máxima do Poder Judiciário brasileiro.   

A oportunidade surgiu com a propositura, em 2005, da ADI 3395/DF pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) em conjunto com a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES). À época, o Min. Nelson Jobim concedeu liminar em medida cautelar para obstar qualquer interpretação que autorizasse a Justiça do Trabalho a resolver lides entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Posteriormente, já sob a relatoria do Min. Cézar Peluso, a liminar foi submetida ao referendo do Plenário, que prontamente assentiu com o entendimento in limine.

Vejamos como ficou ementado esse precedente tão importante:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.
(STF, Tribunal Pleno, ADI 3395 MC/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 05/04/2006, p. DJ 10/11/2006).

Em que pese o Pleno do STF ainda não ter julgado a ADI 3395/DF no seu mérito, trata-se do posicionamento atual e prevalente nessa matéria. E, segundo o que ficou decidido na cautelar, temos que o Supremo Tribunal Federal afastou toda e qualquer interpretação do art. 114, I, da Constituição que venha a inserir, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.  

3 - Casuística

Não obstante o precedente firmado na medida cautelar da ADI 3395, a realidade que une servidores à Administração Pública tem-se revelado demasiado complexa. São muitas as situações que exibem peculiaridades nas relações do Poder Público com seus agentes. Soma-se a isso a insurgência de muitos órgãos da Justiça do Trabalho (monocráticos ou colegiados) contra a posição adotada pela Suprema Corte. Com efeito, a insatisfação decorre do discrime quanto à interpretação do art. 114, I, da CF/88. Aí se percebe que o STF optou, de maneira inequívoca, pelos interesses estatais. Fê-lo com base num suposto conceito estrito de relação de trabalho, a excluir o vínculo estatutário. Eis um argumento formalista, que, no entanto, não tem o condão de afastar o caráter laboral dos pleitos de direitos dos servidores. No fundo, o que se quis evitar foi que o Juízo Especializado do Trabalho viesse a conhecer dessas demandas e julgasse desfavoravelmente às Fazendas Municipal, Estadual e Federal. Por outro lado, esse risco não se apresenta tão intenso quando se desloca tal competência para a Justiça Comum (Federal ou Estadual). É que as causas entre servidores e Administração, na Justiça Comum, passam a ser julgadas por juízes que foram educados não pela lógica preconizada pelo princípio protetor do Direito do Trabalho, onde o obreiro é reconhecido parte vulnerável da relação, mas sim pela premissa administrativista da supremacia do interesse público, o que é uma posição notadamente fazendária.  

Diante dessas circunstâncias, o STF vem enfrentando casos concretos por meio dos quais se põe a esclarecer detalhes que enriquecem a ratio decidendi assentada na ADI 3395. Separei dois desses casos, que envolvem reclamações trabalhistas propostas contra a Fazenda Pública por ex-empregados contratados por necessidades temporárias. Meu objetivo é exemplificar a tendência jurisprudencial que se vem consolidando na Corte a respeito dessa matéria. Ressalto, ainda, que ambas as reclamações constitucionais foram decididas monocraticamente pelo Min. Teori Zavascki.  

3.1 - Rcl 16100/AM

No Estado do Amazonas, um ex-empregado ajuizou reclamação trabalhista contra a Fazenda Pública Estadual. Ele havia sido contratado por necessidades temporárias e pleiteava direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O juízo da 13º Vara do Trabalho de Manaus, então, declinou da competência para julgar o processo, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 11º Região reformou a decisão, sob a alegação de que houve burla ao regime especial previsto em lei estadual amazonense que dispõe acerca de necessidades temporárias de excepcional interesse público. Para o TRT11, as funções do contrato refletiriam atividade permanente e regular de segurança pública, consistente na prestação de auxílio à Polícia Militar.

O Estado do Amazonas ajuizou, então, a Rcl 16100/AM, com pedido de liminar, no STF. A argumentação do reclamante sustentou-se no suposto desrespeito à autoridade da decisão proferida pela Corte no julgamento da ADI 3395 MC/DF.  

No STF, o relator da reclamação, Min. Teori Zavascki, enfatizou que o cabimento da ação deve ser aferido nos estritos limites das normas de regência, que só a concebem para o fim de preservar a competência do Tribunal e para a garantia da autoridade de suas decisões (CF, art. 102, I, l), bem como para cassar atos que contrariem ou que indevidamente apliquem enunciado de súmula vinculante (CF, art. 103-A, § 3º).

Assim, o relator entendeu que houve ofensa à autoridade da decisão tomada na ADI 3395, porquanto nesse precedente o Plenário do STF referendou a decisão liminar segundo a qual, na interpretação do inc. I do art. 114 da Constituição de 1988, conforme a redação da EC 45/04, ficava afastado todo e qualquer entendimento jurisprudencial que incluísse na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.     

O ponto mais importante da decisão do ministro foi rechaçar o fundamento adotado pela decisão reclamada. Segundo entendeu o relator, à luz do decidido na ADI 3395 MC/DF, não cabe afastar a competência da Justiça Comum em demanda que envolva empregado, sob o argumento do desvirtuamento do regime especial, em razão da permanente prestação de serviços à Administração Pública. É como ficou assentado no seguinte precedente (grifo meu):
 
RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. AUTORIDADE DE DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ARTIGO 102, INCISO I, ALÍNEA L, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 3.395. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR SEM CONCURSO PÚBLICO: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. CAUSA DE PEDIR RELACIONADA A UMA RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO E RECLAMAÇÃO PROCEDENTE.
1. O Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395 que "o disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária".
2. Apesar de ser da competência da Justiça do Trabalho reconhecer a existência de vínculo empregatício regido pela legislação trabalhista, não sendo lícito à Justiça Comum fazê-lo, é da competência exclusiva desta o exame de questões relativas a vínculo jurídico-administrativo.
3. Antes de se tratar de um problema de direito trabalhista a questão deve ser resolvida no âmbito do direito administrativo, pois para o reconhecimento da relação trabalhista terá o juiz que decidir se teria havido vício na relação administrativa a descaracterizá-la.
4. No caso, não há qualquer direito disciplinado pela legislação trabalhista a justificar a sua permanência na Justiça do Trabalho.
5. Precedentes: Reclamação 4.904, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Plenário, DJe 17.10.2008 e Reclamações 4.489-AgR, 4.054 e 4.012, Plenário, DJe 21.11.2008, todos Redatora para o acórdão a Ministra Cármen Lúcia.
6. Agravo regimental a que se dá provimento e reclamação julgada procedente.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 8110 AgR/PI, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Carmen Lúcia, j. 21/10/2009, p. DJe 12/02/2010).  

Em outro julgado, o STF reiterou esse mesmo entendimento, a fixar que a eventual irregularidade na contratação de servidores ou empregados é fator que gera nulidade, porém, sem descaracterizar a natureza do vínculo jurídico-administrativo. Nesse prisma, vejamos a ementa dos seguintes julgados (grifos meus):

AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. CARGO EM COMISSÃO. REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS SUSCEPTÍVEIS DE MODIFICAR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. É competente a Justiça comum para processar e julgar ações relativas a conflitos relativos a vínculo jurídico-administrativo entre o Poder Público e seu agente.
2. Irregularidade na contratação de servidores pode dar ensejo à nulidade do contrato, com todas as consequências daí decorrentes, mas não altera a natureza jurídica de cunho administrativo que se estabelece originalmente.
3. Agravo regimental não provido.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 8197 Ag/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 17/02/2010, p. DJe 16/04/2010).   

AGRAVO REGIMENTAL – RECLAMAÇÃO – ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DISSÍDIO ENTRE SERVIDOR E PODER PÚBLICO – ADI Nº 3.395/DF-MC  
1. Compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público, fundadas em vínculo jurídico-administrativo. É irrelevante a argumentação de que o contrato é temporário ou precário, ainda que extrapolado seu prazo inicial, bem assim se o liame decorre de ocupação de cargo comissionado ou função gratificada.
2. Não descaracteriza a competência da Justiça comum, em tais dissídios, o fato de se requerer verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, que diz respeito à própria natureza da relação jurídico-administrativa, visto que desvirtuada ou submetida a vícios de origem, como fraude, simulação ou ausência de concurso público. Nesse último caso, ultrapassa o limite da competência do STF a investigação sobre o conteúdo dessa causa de pedir específica.
3. O perfil constitucional da reclamação (art. 102, inciso I, alínea “l”, CF/1988) é o que confere a ela a função de preservar a competência e garantir a autoridade das decisões deste Tribunal. Em torno desses dois conceitos, a jurisprudência da Corte estabeleceu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF.
4. A reclamação constitucional não é a via processual adequada para discutir a validade de cláusula de eleição de foro em contrato temporário de excepcional interesse público, a qual deve ser decidida nas instâncias ordinárias.
5. Agravo regimental não provido.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 4626 Ag/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24/02/2011, p. DJe 01/06/2011).   

Como a jurisprudência do STF manifesta entendimento contrário ao que ficou decidido pelo TRT11, o ministro relator julgou procedente a reclamação e, assim, restabeleceu a autoridade do decidido na ADI 3395 MC/DF.

3.1 - Rcl 15759/PI
Na Rcl 15759/PI, o Município de Campo Maior insurgiu-se contra decisão do juízo da 1º Vara do Trabalho de Teresina/PI, que, ao julgar parcialmente procedente uma reclamação trabalhista, determinou o bloqueio, via Bacenjud, de valores da Administração municipal para o seu cumprimento. Na sentença, o juiz reconheceu que houve nulidade contratual no vínculo mantido pelo município reclamante com o ex-empregado contratado para necessidades temporárias da Administração Pública. Por isso, condenou o Município a pagar ao trabalhador parcelas decorrentes de direitos previstos na CLT.

Manifestando seu inconformismo com a decisão do juízo monocrático, o Município de Campo Maior ajuizou a reclamação constitucional com base na decisão do STF tomada na ADI 3395. Aqui, mais uma vez, logrou ser bem sucedido.

Com efeito, o ministro relator entendeu que a sentença proferida pelo juízo da 1º Vara do Trabalho de Teresina/PI afrontou a autoridade da tese jurídica fixada no referendo à liminar da ADI 3395 MC/DF. Segundo consignou em sua decisão, o Município reclamante instituiu, por meio da Lei 731/68, o estatuto dos servidores públicos locais. Nesse diploma, consta, em seu art. 2º, ser "de natureza estatutária o regime jurídico dos funcionários em face da administração". Pois o juízo do trabalho entendeu que, não obstante o disposto na lei local, o fato de terem sido requeridas verbas constantes do regime celetista afastaria a competência da Justiça Comum para o julgamento da causa, deslocando-a, ato contínuo, para a Justiça Especializada. Todavia, ao assim decidir, o juiz fê-lo em desacordo com a jurisprudência do STF.

A esse respeito, colaciono o acórdão paradigma na matéria, firmado quando do julgamento da Rcl 6959 AgR/PA (grifo meu):

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO – ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – DISSÍDIO ENTRE SERVIDOR E O PODER PÚBLICO – ADI Nº 3.395/DF-MC – Cabimento da reclamação – Incompetência da Justiça do Trabalho.
1. A reclamação é meio hábil para conservar a autoridade do Supremo Tribunal Federal e a eficácia de suas decisões. Não se reveste de caráter primário ou se transforma em sucedâneo recursal quando é utilizada para confrontar decisões de juízos e tribunais que afrontam o conteúdo do acórdão do STF na ADI nº 3.395/DF-MC.
2. Compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público fundadas em vínculo jurídico-administrativo. O problema da publicação da lei local que institui o regime jurídico único dos servidores públicos ultrapassa os limites objetivos da espécie sob exame.
3. Não descaracteriza a competência da Justiça comum, em tais dissídios, o fato de se requerer verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, que diz respeito à própria natureza da relação jurídico-administrativa, posto que desvirtuada ou submetida a vícios de origem, como fraude, simulação ou ausência de concurso público. Nesse último caso, ultrapassa o limite da competência do STF a investigação sobre o conteúdo dessa causa de pedir específica.
4. A circunstância de se tratar de relação jurídica nascida de lei local, anterior ou posterior à Constituição de 1988, não tem efeito sobre a cognição da causa pela Justiça comum.
5. Alegação de vício na publicidade da lei local não é matéria de exame na via da reclamação e, ainda que assim o fosse, caberia à Justiça comum dizer sobre a ocorrência de defeito no título jurídico que fez originar a relação administrativa entre o servidor e o poder público.
6. Agravo regimental provido para declarar a competência da Justiça comum.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 6959 AgR/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, j. 18/11/2010, p. DJe 30/08/2011).

Esse precedente tem sido iterativamente aplicado na Suprema Corte brasileira. Colaciono um exemplo de decisão recente nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO ENTRE SERVIDOR E O PODER PÚBLICO. ADI Nº 3.395/DF-MC. CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade das decisões deste Tribunal (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação das súmulas vinculantes (art. 103-A, § 3º, CF/88). Não se reveste de caráter primário ou se transforma em sucedâneo recursal quando é utilizada para confrontar decisões de juízos e tribunais que afrontam o conteúdo do acórdão do STF na ADI nº 3.395/DF-MC.
2. Compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público fundadas em vínculo jurídico-administrativo. O problema relativo à publicação da lei local que institui o regime jurídico único dos servidores públicos ultrapassa os limites objetivos da espécie sob exame.
3. Não descaracteriza a competência da Justiça comum, em tais dissídios, o fato de se requererem verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, que diz respeito à própria natureza da relação jurídico-administrativa, ainda que desvirtuada ou submetida a vícios de origem.
4. Agravo regimental não provido.
(STF, Tribunal Pleno, Rcl 7857 AgR/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 06/02/2013, p. DJe 01/03/2013).

Desse modo, acorde com a jurisprudência predominante do STF, acima reproduzida, o relator julgou procedente a reclamação ajuizada pelo ente municipal, para fixar a competência da Justiça Comum para o julgamento da causa e, assim, restabelecer a autoridade da decisão tomada na ADI 3395 MC/DF.

4 - Conclusão

Ao longo deste artigo, procurei analisar o debate em torno da fixação do juízo competente em causas que envolvam o Poder Público e seus servidores estatutários. Apontei, assim, que a discussão foi impulsionada pelo advento da Emenda Constitucional nº 45/04, que, após dar nova redação ao inc. I do art. 114 da Constituição, ampliou decisivamente a competência da Justiça do Trabalho.   

Nesse contexto, considerando que à Justiça Especializada Trabalhista passou competir o processo e julgamento das "ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios", sustentou-se na doutrina a possibilidade de o juízo do trabalho vir a conhecer das causas instauradas entre a Administração e seus servidores. Tal pensamento ganhou rápida acolhida na jurisprudência, motivo pelo qual foi ajuizada a ADI 3395 na Suprema Corte brasileira, a fim de solver a controvérsia crescente.

Pois bem. No referendo à liminar concedida por ocasião do julgamento da medida cautelar da ADI 3395/DF, o Plenário do Supremo Tribunal Federal afastou toda e qualquer interpretação do art. 114, I, da CF/88, na redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, que venha a inserir na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.     

Fundado nesse precedente é que foram ajuizadas na Corte as reclamações constitucionais 16100/AM e 15759/PI. Em ambas, a relação de fundo envolvia o pleito de direitos previstos na CLT a ex-empregados contratados sob o pretexto de atendimento a necessidades temporárias da Administração Pública.

Ao conhecer das reclamações, o ministro relator, Teori Zavascki, julgou-as procedentes. Argumentou que as contratações temporárias para suprir serviços públicos situam-se no âmbito da relação jurídico-administrativa. Logo, à luz do precedente assentado na ADI 3395 MC/DF, a competência para julgar as duas ações trabalhistas não é da Justiça do Trabalho, e sim da Justiça Comum, ainda que no pedido os obreiros tenham requerido verbas constantes do regime celetista.

REFERÊNCIAS


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3395 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 05/04/2006, p. DJ 10/11/2006. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 28 de nov. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 8110 AgR/PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Carmen Lúcia, j. 21/10/2009, p. DJe 12/02/2010. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 28 de nov. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 4626 Ag/ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24/02/2011, p. DJe 01/06/2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 28 de nov. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 6959 AgR/PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, j. 18/11/2010, p. DJe 30/08/2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 28 de nov. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 7857 AgR/CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 06/02/2013, p. DJe 01/03/2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 28 de nov. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 16100/AM, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 02/08/2013, p. DJe 09/08/2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 28 de nov. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl 15759/PI, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 02/08/2013, p. DJe 09/08/2013. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 28 de nov. 2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 de ago. 2013.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DO MOMENTO CONSUMATIVO DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES: interpretação do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente à luz da jurisprudência do STF e do STJ

Min. Marco Aurélio Bellizze, relator do REsp 1.127.954/DF no STJ

 
1 - Introdução

Historicamente, coube ao art. 218 do Código Penal prever o delito de corrupção de menores no ordenamento brasileiro. A redação original do dispositivo tipificava a conduta de "Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 anos (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo." Segundo a doutrina, o bem jurídico protegido era a "moral sexual dos menores de dezoito e maiores de catorze anos de idade."   

Ao lado do tipo do art. 218 do CP, o delito de corrupção de menores também adquiriu posteriormente previsão em lei especial. Refiro-me à Lei 2.252/54, que, como se nota pela data, era um diploma antigo, que tinha por finalidade única tipificar a conduta criminosa em vista, conforme assinalava sua ementa: "Dispõe sobre a corrupção de menores". A conduta tipificada aparecia no art. 1º nos termos seguintes: 

Art. 1º Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando, infração penal ou induzindo-a a praticá-la.

À época, a doutrina apontava que o tipo do art. 1º da Lei 2.252/54 tinha por objetivo tutelar "a formação moral do menor de 18 anos."

Dessa forma, em se tratando do crime de corrupção de menores, o ordenamento jurídico brasileiro convivia com duas figuras típicas: o art. 218 do CP e o art. 1º da Lei 2.252/54. Ambas tinham o mesmo nomen iuris (corrupção de menores), embora tivessem configurações redacionais distintas.  

Com o advento da Lei 12.015/09 (Lei dos Crimes contra a Dignidade Sexual), esse cenário sofreu substancial alteração. A começar pelo fato de que o legislador deu nova redação ao art. 218 do CP. Ei-la in verbis:

Corrupção de menores

Art. 218.  Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)


Pelo nomen iuris do tipo do art. 218 do CP, observava-se uma disposição do legislador em dar novo tratamento sistemático ao crime de corrupção de menores. Tal tendência era confirmada pela própria Lei 12.015/09. Sua ementa assinalava in fine: "(...) revoga a Lei nº 2.252, de 1º de julho de 1954, que trata de corrupção de menores." Porém, não obstante a revogação do diploma especial, não houve abolitio criminis da conduta de corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos. Na verdade, o legislador apenas a reposicionou alhures (princípio da continuidade normativo-típica). É nesse sentido que deve ser lido o art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): 

Art. 244-B.  Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1º  Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2º  As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

A partir dessas notas introdutórias, por meio das quais busquei esclarecer o contexto histórico da legislação relativa ao crime de corrupção de menores, penso seja possível avançar-me na discussão jurídica quanto ao momento consumativo do tipo  do art. 244-B do ECA. É na interpretação desse dispositivo que doutrina e jurisprudência, já há algum tempo, divergem, ora a entender que se trata de crime formal, ora a entender que se trata de crime material. Inclusive ambos os posicionamentos já foram adotados pelos tribunais superiores.

Sendo assim, neste artigo, tenho o propósito de esclarecer os pressupostos teóricos e as consequências práticas de se considerar o delito de corrupção de menores crime formal ou material. E, ao final, procurarei demonstrar qual o pensamento majoritário do STF e do STJ nesse seara.    

2 - Corrupção de menores e classificação das infrações penais: algumas noções sobre crime formal e crime material 

Evidentemente que uma discussão quanto ao momento consumativo de qualquer delito pressupõe que o intérprete domine conceitos relativos à classificação das infrações penais. Não é diferente com o crime do art. 244-B do ECA. Ora interpretado pelos tribunais como crime formal, ora como crime material, no fundo desses entendimentos pretorianos encontra-se sempre um componente de índole eminentemente doutrinária, que consiste em saber o que distingue um crime formal de um crime material.

Dessa forma, é preciso recordar que, para efeitos penais, a conduta humana apresenta-se sob a forma de ação ou de omissão. Em ambas as modalidades, reconhece-se a possibilidade da produção de um resultado, que pode ser jurídico (normativo) ou naturalístico. 

Na conduta humana que produz resultado normativo, tem-se uma modificação ficcional, operada exclusivamente no mundo jurídico. Caracteriza-se pela lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Por isso se diz em doutrina que todo crime tem resultado normativo, visto que não se pode conceber a tipificação de uma conduta que não seja capaz de proporcionar lesão ou, ao menos, perigo de lesão ao interesse jurídico penalmente tutelado. O resultado normativo, portanto, é indispensável.      
 
O conceito de resultado naturalístico é diferente. Aqui se está diante de uma modificação operada no mundo sensível, isto é, que pode ser percebida pelos sentidos, quando há alteração efetiva da realidade circundante. Não se cuida da uma ficção, mas de uma transformação real: a conduta humana (ação ou omissão) efetivamente altera o mundo dos fatos. Por exemplo: quando se mata alguém, aí se tem o resultado naturalístico morte, que é empiricamente comprovável, ante o desaparecimento do ser vivo.  

Doutrinariamente, é com base no critério do resultado naturalístico que os crimes são classificados em três espécies: crime material (o tipo penal descreve conduta e resultado, sendo indispensável a ocorrência do resultado naturalístico para a consumação do delito), crime formal (o tipo penal descreve conduta e resultado, mas dispensa a ocorrência do resultado naturalístico para a consumação do delito) e crimes de mera conduta (o tipo penal só descreve conduta, não descrevendo nem exigindo resultado naturalístico para sua consumação).

Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 148-149, grifos do autor), amparado nas lições de Damásio de Jesus, resume bem o assunto:

O crime material ou de resultado descreve a conduta cujo resultado integra o próprio tipo penal, isto é, para a sua consumação é indispensável a produção de um dano efetivo. O fato se compõe da conduta humana e da modificação do mundo exterior por ela operada. A não-ocorrência do resultado caracteriza a tentativa. Nos crimes materiais a ação e o resultado são cronologicamente distintos (homicídio, furto).
 
O crime formal também descreve um resultado, que, contudo, não precisa verificar-se para ocorrer a consumação. Basta a ação do agente e a vontade de concretizá-lo, configuradoras do dano potencial, isto é, do eventus periculi (ameaça, injúria verbal). Afirma-se que no crime formal o legislador antecipa a consumação, satisfazendo-se com a simples ação do agente [....]. Damásio distingue do crime formal o crime de mera conduta, no qual o legislador descreve somente o comportamento do agente, sem se preocupar com o resultado (desobediência, invasão de domicílio). Os crimes formais distinguem-se dos de mera conduta - afirma Damásio - porque "estes são sem resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção." A lei penal se satisfaz com a simples atividade do agente. [...]  

O estudo da classificação doutrinária que biparte os crimes em materiais e formais, a utilizar-se do critério do resultado naturalístico para esse fim, está na raiz de muitas disputas de teses na jurisprudência e doutrina penais. É o que sucede quanto à consumação do crime de corrupção de menores. Diverge-se quando a saber se o delito previsto no art. 244-B do ECA seria material ou formal. E não se trata de mera discussão teórica. Há consequências práticas relevantes no tocante à definição do momento consumativo. Basta pensar o seguinte: se a corrupção de menores é crime formal, a conduta delitiva do agente estará consumada contanto que o menor de 18 anos pratique ou seja induzido a praticar infração penal. Por outro lado, se a corrupção de menores é crime material, a consumação só estará completa caso se demonstre que, além da prática ou indução da prática de infração penal, o menor foi efetivamente corrompido.

Nessa disputa, o fundamental é perceber que a divergência decorre da necessidade de prova do resultado naturalístico. Crimes materiais, como vimos, exigem a produção de uma modificação no mundo exterior, sensível (no caso, a corrupção do menor). Já os crimes formais, também chamados de crimes de consumação antecipada, dispensam a ocorrência do resultado naturalístico, de modo que a corrupção do menor, se efetiva, caracterizaria mero exaurimento da conduta do agente, já perfeitamente consumada.   

3 - Momento consumativo do crime de corrupção de menores: a interpretação do art. 244-B do ECA pelo STF

Uma disputa dessa envergadura não poderia ficar distante do STF. Sequer se pode dizer que o debate seja novo, pois as divergências quanto a saber se o crime de corrupção de menores seria formal ou material já vêm de longa data. É assim que muitos precedentes, assentados ao tempo da hoje revogada Lei 2.252/54, podem ser encontrados no repertório de jurisprudência do STF. Colaciono um deles (grifo meu): 

EMENTA Habeas corpus. Penal. Paciente condenado pelos crimes de roubo (art. 157 do Código Penal) e corrupção de menor (art. 1º da Lei nº 2.252/54). Menoridade assentada nas instâncias ordinárias. Crime formal. Simples participação do menor. Configuração.
1. As instâncias ordinárias assentaram a participação de um menor no roubo praticado pelo paciente. Portanto, não cabe a esta Suprema Corte discutir sobre a menoridade já afirmada.
2. Para a configuração do crime de corrupção de menor, previsto no art. 1º da Lei nº 2.252/54, é desnecessária a comprovação da efetiva corrupção da vítima por se tratar de crime formal que tem como objeto jurídico a ser protegido a moralidade dos menores. 3. Habeas corpus denegado.
(STF, Primeira Turma, HC 92.014/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandoski, Rel. p/ Acórdão Min. Menezes Direito, j. 02/09/2008, p. DJe 21/11/2008).   

Essa é uma decisão antiga, tanto que ainda versa sobre a Lei 2.252/54. Apesar disso, nela já se nota uma inclinação da Suprema Corte em classificar o delito de corrupção de menores como sendo um crime formal. 

De fato, trata-se de uma tendência que, com o tempo, só se acentuou na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Nem mesmo as alterações levadas a efeito pela Lei 12.015/09 tiveram o condão de modificar o pensamento da Corte, que cada vez mais consolidou seu entendimento no sentido de que o crime do art. 244-B do ECA é um crime formal.

Há vários julgados recentes a confirmar o posicionamento da Suprema Corte brasileira. Reproduzo-os abaixo (grifos meus):    

Ementa: PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E CORRUPÇÃO DE MENORES (CP, ART. 157, § 2º, II, DO CÓDIGO PENAL, E ART. 244-B DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL, NÃO SE EXIGINDO, PARA SUA CONFIGURAÇÃO, AUSÊNCIA DA CONDIÇÃO DE CORROMPIDO DO JOVEM. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO.
1. O crime de corrupção de menores é formal, bastando, para sua configuração, que o agente imputável pratique com o adolescente a infração penal ou o induza a praticá-la. Precedentes: RHC 107760, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ªTurma, DJ de 24/8/2011; RHC 103354/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 9/8/2011; HC 92.014/SP, Rel. originário Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ o acórdão Min. Menezes de Direito, Primeira Turma, DJe de 21/11/2008 e HC 97.197/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 04/12/2009.
2. A configuração do crime de corrupção de menores prescinde de prévia condição de corrompido do jovem, uma vez que o anseio social é a sua recuperação.
3. In casu, o recorrente foi denunciado pela prática do crime de roubo circunstanciado pelo concurso de agentes (CP, art. 157, § 2º, II), bem como pelo crime de corrupção de menores (art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente), por ter induzido o adolescente à prática do delito em comento.
4. A mens legis da norma insculpida no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente é a integridade moral do jovem e a preservação dos padrões éticos da sociedade. O argumento simplista de que o crime não se consuma caso o jovem já tenha sido corrompido, por ter praticado algum ato delituoso, não pode prosperar, sob pena de desvirtuamento dos principais objetivos da norma, que são a recuperação e a reinserção do adolescente na sociedade.
5. Recurso desprovido.
(STF, Primeira Turma, HC 108.442/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 03/04/2012, p. DJe 20/04/2012).   

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. 1. CORRUPÇÃO DE MENORES. 1. ART. 244-B DA LEI N. 8.069/1990 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). NATUREZA FORMAL. 2. ROUBO COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. JULGADO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO E DE PERÍCIA DA ARMA PARA A COMPROVAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DA PENA. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PRECEDENTES.
1. O crime de corrupção de menores é formal, não havendo necessidade de prova efetiva da corrupção ou da idoneidade moral anterior da vítima, bastando indicativos do envolvimento de menor na companhia do agente imputável. Precedentes.
2. A decisão do Superior Tribunal de Justiça está em perfeita consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
3. São desnecessárias a apreensão e a perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar a causa de aumento do art. 157, § 2º, inc. I, do Código Penal, pois o seu potencial lesivo pode ser demonstrado por outros meios de prova. Precedentes.
4. Recurso ao qual se nega provimento.
(STF, Primeira Turma, HC 111.434/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 03/04/2012, p. DJe 17/04/2012).   

Portanto, de acordo com o posicionamento majoritário do STF, para a consumação do crime de corrupção de menores é desnecessária a demonstração da efetiva corrupção da vítima. Segundo entende a Suprema Corte, o tipo do art. 244-B do ECA é crime formal, que tem por objeto jurídico penalmente tutelado a moralidade do menor de 18 anos. Desse modo, para a sua configuração típica, dispensa-se a prova da corrupção efetiva.  

4 - Momento consumativo do crime de corrupção de menores: a interpretação do art. 244-B do ECA pelo STJ

Quanto ao momento consumativo do crime de corrupção de menores, a jurisprudência do STJ caminha no mesmo sentido do que vem decidindo o STF. No entanto, nem sempre foi assim. Ainda ao tempo da vetusta Lei 2.252/54, era possível encontrar nos precedentes da Corte entendimento favorável à classificação do crime de corrupção de menores como crime material. O aresto abaixo é exemplo histórico dessa posição:

Penal. Corrupção de menores. Lei nº 2.252/54. Caracterização. Crime matéria. Provas da efetiva corrupção do adolescente. Necessidade. - O crime de corrupção de menores, descrito no art. 1º da Lei nº 2.252/54, em qualquer das suas duas formas de conduta - corromper ou facilitar a corrupção -, tem a natureza de crime material, que se configura em face do resultado, sendo, portanto, necessário para a sua configuração que se demonstre a efetiva corrupção do adolescente. - Recurso especial conhecido, mas desprovido.
(STJ, T6 - Sexta Turma, REsp 150.392/DF, Rel. Min. Vicente Leal, j. 11/04/2000, p. DJ 02/05/2000).   

Todavia, da mesma maneira que o STF, também o Superior Tribunal de Justiça simpatizou cada vez mais com a tese segundo a qual a configuração típica do delito do art. 244-B do ECA dispensa a prova do resultado naturalístico. Nessa perspectiva, a corrupção de menores se consuma com a mera prática de infração penal (ou indução dela) pelo menor de 18 anos.

Nesse sentido, vai o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. PENAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. PROVA DA EFETIVACORRUPÇÃO DO INIMPUTÁVEL. DESNECESSIDADE. PROVA DA PARTICIPAÇÃO DOMENOR NA PRÁTICA DELITUOSA. ORDEM DENEGADA
1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do crime de corrupção de menores, atual art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se faz necessária a provada efetiva corrupção do menor, uma vez que se trata de delito formal, cujo objeto jurídico é a defesa da moralidade da criança e do adolescente.
2. Habeas corpus denegado.
(STJ, T5 - Quinta Turma, HC 187.144/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 11/10/2011, p. DJe 11/11/2011).

O coroamento dessa posição da Corte veio a ser pacificado quando do julgamento, sob o rito dos recursos especiais repetitivos representativos de controvérsia, do REsp 1.127.954/DF. Nesse precedente, em acórdão prolatado sob a relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Seção do STJ sepultou quaisquer dúvidas quanto à interpretação dada pela Corte ao art. 244-B do ECA, senão vejamos: 

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PENAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. PROVA DA EFETIVA CORRUPÇÃO DO INIMPUTÁVEL. DESNECESSIDADE. DELITO FORMAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DECLARADA DE OFÍCIO, NOS TERMOS DO ARTIGO 61 DO CPP.
1. Para a configuração do crime de corrupção de menores, atual artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se faz necessária a prova da efetiva corrupção do menor, uma vez que se trata de delito formal, cujo bem jurídico tutelado pela norma visa, sobretudo, a impedir que o maior imputável induza ou facilite a inserção ou a manutenção do menor na esfera criminal.
2. Recurso especial provido para firmar o entendimento no sentido de que, para a configuração do crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA), não se faz necessária a prova da efetiva corrupção do menor, uma vez que se trata de delito formal; e, com fundamento no artigo 61 do CPP, declarar extinta a punibilidade dos recorridos Célio Adriano de Oliveira e Anderson Luiz de Oliveira Rocha, tão somente no que concerne à pena aplicada ao crime de corrupção de menores.
(STJ, S3 - Terceira Seção, REsp 1.127.954/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 14/12/2011, p. DJe 01/02/2012).   

Após esse acórdão paradigma, dezenas de outras decisões seguiram-se no Tribunal, a explicitar que o crime de corrupção de menores é formal, não necessitando, para sua consumação, de prova do resultado naturalístico. Colaciono (grifos meus): 

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA EFETIVA CORRUPÇÃO. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA TERCEIRA SEÇÃO. SÚMULA 83/STJ. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS COMPROBATÓRIOS DA MATERIALIDADE E AUTORIA DA CONDUTA. NECESSIDADE DE REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO. VEDAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Este Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que o crime em referência é delito formal, portanto, não se faz necessária a prova da efetiva corrupção do menor.
2. "Para a configuração do crime de corrupção de menores, atual artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se faz necessária a prova da efetiva corrupção do menor, uma vez que se trata de delito formal, cujo bem jurídico tutelado pela norma visa, sobretudo, a impedir que o maior imputável induza ou facilite a inserção ou a manutenção do menor na esfera criminal" (REsp 1.127.954/DF, Relator Min. MARÇO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Seção, DJe 1/2/2012)
3. Por outro vértice, a desconstituição do entendimento firmado pelo Tribunal de piso diante de suposta contrariedade a lei federal não encontra campo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do material probante, procedimento de análise exclusivo das instâncias ordinárias - soberanas no exame do conjunto fático-probatório -, e vedado ao Superior Tribunal de Justiça, a teor da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(STJ, T5 - Quinta Turma, AgRg no AREsp 319.524/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 25/06/2013, p. DJe 01/08/2013).   

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ROUBO E CORRUPÇÃO DE MENORES. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ATENUANTES. QUANTUM DE DIMINUIÇÃO. DESPROPORCIONALIDADE. ART. 1º DA LEI 2.252/54. CRIME FORMAL. REGIME PRISIONAL. PLEITO SUPERADO. NÃO CONHECIMENTO. ORDEM DE OFÍCIO.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial.
2. Não há ilegalidade patente na fixação da pena-base acima do mínimo legal, eis que se apontou concretamente a conduta do paciente, em especial sua reação de sacar a arma ao ser abordado pelos policiais. Não se trata de motivação genérica ou inerente ao próprio tipo penal.
3. O quantum de redução pela circunstância atenuante deve observar os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da necessidade e da suficiência à reprovação e prevenção ao crime, informadores do processo de aplicação da pena. Hipótese em que a redução de 6 meses, por duas atenuantes, mostrou-se desproporcional, considerando a pena imposta.
4. É assente neste Superior Tribunal de Justiça, bem como no Supremo Tribunal Federal, o entendimento no sentido de que o crime tipificado no artigo 1º da revogada Lei 2.252/54, atual artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, é formal, ou seja, a sua caracterização independe de prova de que o menor tenha sido efetivamente corrompido.
5. Diante da notícia de que o paciente já obteve o livramento condicional, fica superado o pedido de alteração do regime prisional.
6. Habeas corpus parcialmente prejudicado e, no mais, não conhecido. Ordem concedida de ofício para diminuir a sanção imposta ao paciente.
(STJ, T6 - Sexta Turma, HC 159.620/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12/03/2013, p. DJe 19/03/2013).  

Por conseguinte, verifica-se que é entendimento pacífico no STJ aquele segundo o qual o crime de corrupção de menores, previsto no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, é um crime formal cuja consumação independe de prova da corrupção efetiva da vítima menor de 18 anos.     

5 - Conclusão
A Lei 12.015/09 buscou dar novo tratamento sistemático ao delito de corrupção de menores. Para isso, além de alterar a redação do art. 218 da Parte Especial do Código Penal, deslocou o tipo do art. 1º da Lei 2.252/54 (hoje revogado) para o vigente art. 244-B da Lei 8.069/90 (ECA). Não houve, assim, abolitio criminis, mas sim se aplicou o princípio da continuidade normativo-típica, já que a conduta nunca deixou de ser proibida.

Não obstante, tais modificações legislativas não eliminaram uma dúvida antiga, objeto de funda divergência doutrinária e jurisprudencial, consistente em saber se o crime de corrupção de menores seria um crime formal ou material. Por outras palavras: a consumação desse delito estaria vinculada à prova da ocorrência do resultado naturalístico (efetiva corrupção da vítima)? Ou, ao revés, o momento consumativo antecipar-se-ia ao resultado, satisfazendo-se com a conduta do agente que pratica infração penal com o menor ou o induz a praticá-la?

Havia bons argumentos tanto de um lado quanto do outro. Entretanto, os Tribunais Superiores atualmente pacificaram sua jurisprudência no sentido de reconhecer que o crime de corrupção de menores é um crime formal. Sendo assim, tanto para o STJ quanto para o STF, a consumação do tipo resta plenamente satisfeita com a mera prática da conduta incriminada ("com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la"), independentemente de prova do resultado naturalístico, isto é, da efetiva corrupção do menor de 18 anos.  

REFERÊNCIAS


BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, volume I. 8º ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 748 p.  

BRASIL. Código Penal, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.

BRASIL. Lei 2.252, de 1º de julho de 1954. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.   

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp nº 319.524/DF, T5 - Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 25/06/2013, p. DJe 01/08/2013. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 159.620/RJ, T6 - Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 12/03/2013, p. DJe 19/03/2013. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 187.144/DF, T5 - Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 11/10/2011, p. DJe 11/11/2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 150.392/DF, T6 - Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, j. 11/04/2000, p. DJ 02/05/2000. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.127.954/DF, S3 - Terceira Seção, Rel. Min. marco Aurélio Bellizze, j. 14/12/2011, p. DJe 01/02/2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 92.014/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ Acórdão Min. Menezes Direito, j. 02/09/2008, p. DJe 21/11/2008. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.      

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 108.442/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Luis Fux, j. 03/04/2012, p. DJe 20/04/2012. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 21 ago. 2013.   

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 111.434/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 03/04/2012, p. DJe 17/04/2012. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 21 de ago. 2013.