sábado, 31 de maio de 2014

CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS NO DIREITO CIVIL: análise de suas consequências práticas no instituto da ausência, nos contratos de seguro e nas ações de interdição à luz da doutrina e da jurisprudência do STJ

Min. Laurita Vaz, relatora do REsp 652.837/RJ no STJ

Ouvindo atualmente: "Pictures at an Exhibition (Mussorgsky)" (1999),
de Kazuhito Yamashita.
Uma das mais ambiciosas transcrições de partituras da história da música
pelas mãos de um dos maiores virtuoses do violão erudito no mundo:
o japonês Kazuhito Yamashita, cujo concerto pude finalmente assistir no Brasil este ano.
 
1 – Introdução

No estudo da influência que o tempo exerce sobre o Direito, é clássica a lição que preconiza a existência de dois institutos de relevo nesse seara: a prescrição e a decadência (ou caducidade). O primeiro se reporta aos direitos subjetivos (ou direitos a uma prestação), que são aqueles cuja concretização pressupõe uma atividade (positiva ou negativa) por parte de outrem. Por exemplo: na ação de cobrança, exige-se em juízo que o devedor pague o devido ao credor. O segundo liga-se aos direitos potestativos, que são aqueles cujo exercício é perfectível ante a manifestação unilateral de vontade do titular. Isto é, são direitos que sujeitam terceiros aos seus efeitos independentemente de qualquer comportamento. Por isso não admitem violação. O exemplo clássico dá-se na rescisão contratual, porquanto o contraente tem sempre a possibilidade de manifestar sua vontade com o objetivo de romper o vínculo pactuado, ainda que a outra parte não concorde com a decisão.

Outros elementos ainda podem ser apontados para enriquecer a distinção que há entre os institutos da prescrição e da decadência. Assim, de ordinário, a doutrina enfatiza que, enquanto a prescrição atinge a exigibilidade jurídica de uma pretensão relativa a direito subjetivo patrimonial (alguns autores afirmam que a pretensão fica “paralisada”), a decadência fulmina o próprio direito, que é extirpado do ordenamento jurídico. Dessa maneira, sanciona-se a inércia do titular que deixa de externar sua manifestação unilateral de vontade no prazo assinalado em lei.   

Outra característica comumente apontada pela doutrina para diferenciar os institutos diz respeito a modificações prazais. Aqui se está diante da possibilidade de alguns fatores influírem na contagem dos prazos. Nesse sentido, afirma-se que a prescrição admite causas que interrompem, impedem ou suspendem o lapso do prazo. Já a decadência consubstancia um prazo fatal, portanto, o lapso de tempo é contado sem alterações ou interrupções, correndo até expirar.

É claro que a distinção que opõe os prazos de decadência (fatal) e prescrição (modificável) não é absoluta. O próprio legislador cuidou de sublinhar essa peculiaridade na redação do art. 207, ressalvando disposição legal em contrário. Vejamo-lo:

Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

Um exemplo de disposição legal em contrário já se encontra no dispositivo seguinte. A interpretação do art. 208, que remete por sua vez ao inc. I do art. 198, permite entender pela inaplicabilidade do prazo decadencial em desfavor dos absolutamente incapazes. In verbis:

Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.

Naturalmente, esse raciocínio não se aplica à prescrição. Em sentido diametralmente oposto, o legislador estabeleceu várias causas que ora impedem, ora suspendem, ora interrompem o fluxo regular do prazo prescricional.  

2 – Causas de alteração do prazo prescricional

Do ponto de vista teórico-doutrinário, é necessário diferenciar essas causas. Assim, temos que alteração do prazo prescricional é gênero do qual são espécies o impedimento, a suspensão e a interrupção. Na ocorrência de causa impeditiva, a contagem do prazo não se inicia. Na ocorrência de causa suspensiva, a contagem do prazo que se havia iniciado é suspensa, voltando a correr do exato instante no qual fora paralisada. Na interrupção, por seu turno, o prazo, que até então tinha fluído, é descartado, iniciando-se nova contagem integral do lapso de tempo.

A consulta à legislação é que permite concluir qual a natureza da causa que altera o fluxo do prazo prescricional. Nesse ponto, o legislador civilista foi didático. Os arts. 197, 198 e 199 do Código Civil estipulam as causas que impedem/suspendem a prescrição. Ei-los in verbis:

Art. 197. Não corre a prescrição:

I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.

Art. 198. Também não corre a prescrição:

I - contra os incapazes de que trata o art. 3º;

II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;

III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

I - pendendo condição suspensiva;

II - não estando vencido o prazo;

III - pendendo ação de evicção.

Já o art. 202 foi dedicado às causas que interrompem a prescrição:

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;

III - por protesto cambial;

IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;

V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.

Examinando as causas supracitadas, é possível discernir que os arts. 197, 198 e 199 do Código referem-se a situações ocorrentes fora do juízo (atos extrajudiciais) que impedem ou suspendem a prescrição. De outro giro, o art. 202 arrola hipóteses de atos judiciais (I, II, IV, V) e extrajudiciais (III e VI) que interrompem a prescrição. 

É importante assinalar que a diferenciação conceitual na alteração dos prazos prescricionais não é pura discussão teorética. Pelo contrário. Tem efeitos práticos relevantes, como revela a pesquisa doutrinária e jurisprudencial.

A seguir, passarei a expor algumas dessas consequências práticas. Para esse fim, destacarei especificamente as causas suspensivas e impeditivas dos prazos prescricionais. Minha intenção é evidenciar de que maneira elas têm sido interpretadas pela doutrina e pela jurisprudência em pelo menos três hipóteses pertinentes: nas demandas que versam sobre declaração de ausência, pedido de indenização em contratos de seguro e declaração de interdição.   

3 – Consequências práticas das causas suspensivas e impeditivas da prescrição no Direito Civil

         3.1 – Declaração de Ausência

Um primeiro exemplo a ser citado está associado ao instituto da ausência, que tem previsão basilar no texto do art. 22 do CC:

Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador.   

É cediço que o status jurídico de “ausente” só pode ser imputado a alguém mediante o início de um procedimento especial de jurisdição voluntária, que tem, entre outras finalidades, a de organizar a curatela dos bens do ausente. É o que se extrai da leitura dos arts. 1.159 e 1.160 do CC:

Art. 1.159. Desaparecendo alguém do seu domicílio sem deixar representante a quem caiba administrar-lhe os bens, ou deixando mandatário que não queira ou não possa continuar a exercer o mandato, declarar-se-á a sua ausência.

Art. 1.160. O juiz mandará arrecadar os bens do ausente e nomear-lhe-á curador na forma estabelecida no Capítulo antecedente.

Vê-se, por conseguinte, que, na sistemática do Código de Processo Civil, a ausência pressupõe uma declaração judicial. Diante disso, a doutrina procura esclarecer os efeitos dessa declaração, elevando-a à condição de marco impeditivo/suspensivo do prazo prescricional.

Nesse prisma, vai o enunciado nº 156 da III Jornada de Direito Civil:

156 – Art. 198: Desde o termo inicial do desaparecimento, declarado em sentença, não corre a prescrição contra o ausente.

Desse modo, o enunciado de doutrina perfilha o entendimento que interpreta a fase inicial de curatela dos bens do ausente (CC, art. 22 c/c art. 1.160 do CPC) antes de tudo como uma maneira de evitar o perecimento dos direitos do sujeito desaparecido. Logo, admitir-se a eventual fluência de prazo prescricional contra o ausente atentaria contra um instituto civilístico de caráter nitidamente preservacionista. Prova disso é que a lei determina que o juiz, tão logo  arrecade os bens do ausente, faça publicar editais durante um ano, reproduzidos de dois em dois meses. A finalidade procedimental é dupla: anunciar o levantamento dos bens e chamar o ausente para entrar (rectius: retomar) na posse de seus bens (CPC, art. 1.161).

3.2 – Pagamento de Indenização Securitária

Um segundo exemplo que atesta a importância das causas que alteram o prazo prescricional se encontra na ratio decidendi fixada no enunciado nº 229 do STJ. Colaciono:

STJ, Súmula nº 229 

O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão.

A tese jurídica em apreço foi sumulada em 08/09/1999 (DJ 20/10/1999). Portanto, sua edição deu-se ainda sob a égide do Código Civil anterior (Lei 3.071/16). Nesse contexto legislativo, dois precedentes do repositório de julgados do STJ, até bastante antigos, já assinalavam a inclinação da Corte em reconhecer o pedido de pagamento de indenização securitária qual causa suspensiva da prescrição. Colaciono (grifos meus):

A COMUNICAÇÃO DO SINISTRO, FEITA PELO SEGURADO AO SEGURADOR NOS TERMOS DO ARTIGO 1.457 DO CODIGO CIVIL, NÃO CONSTITUI 'CONDIÇÃO SUSPENSIVA' DO CONTRATO DE SEGURO, E NEM CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO PRESCRICIONAL. DURANTE O TEMPO EM QUE A SEGURADORA ESTUDA A COMUNICAÇÃO, ATE QUE DE CIÊNCIA AO SEGURADO SE SUA RECUSA DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO, CONSIDERA-SE APENAS SUSPENSO O PRAZO PRESCRICIONAL, QUE RECOMEÇA, DE ENTÃO, A CORRER PELO TEMPO FALTANTE. Não obstante os ponderáveis argumentos do acórdão recorrido, não considero o exercício da reclamação administrativa, do segurado perante a seguradora, como condição suspensiva do negócio jurídico. 'Condição' e a disposição acessória, 'que subordina a eficácia, total ou parcial, do negocio jurídico a acontecimento futuro e incerto'; e um 'requisito voluntario de eficácia

do negocio jurídico' (ORLANDO GOMES, 'Introdução ao Direito Civil', Forense, 5a ed., n. 283); ou, no dizer de CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, com remissão do Anteprojeto de Código das Obrigações, art. 26: 'Noutros termos, talvez mais precisos, e o acontecimento futuro e incerto, de cuja verificação a vontade das partes faz depender o nascimento ou extinção das obrigações e direitos' ('Instituições de Direito Civil', Forense, v. I, 6a ed., n. 96). Ora, postas tais definições, certo que a eficácia do contrato de seguro não estava dependente de nenhum acontecimento externo 'futuro e incerto, e nem como acontecimento futuro e incerto' se pode conceituar a ação do segurado (ainda no plano extraprocessual) perante a seguradora pleiteando o próprio adimplemento do contrato, de cuja existência, validade e eficácia dúvida não se põe. A reclamação administrativa também não e causa interruptiva da prescrição, pois não se insere em nenhuma das previsões do artigo 172 do Código Civil, nem lei especial assim a conceitua. Todavia, tenho por razoável e correto sustentar que o prazo prescricional não deverá correr, ficando portanto suspenso, durante o tempo gasto pelo segurador no exame da comunicação feita pelo segurado, em cumprimento ao artigo 1.457 do Código Civil: 'A finalidade do aviso e por o segurador a par do ocorrido, para que tome conhecimento das circunstancias, verifique se o sinistro está incluso na cláusula contratual e investigar quanto as causas do sinistro e do importe dos danos, antes de se tornarem impossíveis ou difíceis pelas mudanças e alterações regulares ou culposas ou dolosas'. (PONTES DE MIRANDA), 'Tratado de Direito Privado', Tomo XLV, § 4.927, n. 4). A não ser assim, poderia evidentemente o segurador, em procrastinando na solução do pedido indenizatório, levar o segurado de boa-fé, e confiante em que a reclamação estaria bem encaminhada, a perda de seu direito pelo transcurso da prescrição anual. Suspenso o prazo prescricional, recomeçara a correr pelo tempo sobejante. No caso dos autos, recebida a comunicação da segurada aos 30

de julho de 1987 (fl s. 11), já no dia 17 de agosto (fl . 12; fl . 04) a seguradora declinou de sua responsabilidade, arguindo que a apólice não assegurava cobertura a incêndio ocorrido por 'danos elétricos'. Com a suspensão por apenas 17 dias, tendo o sinistro ocorrido aos 30 de abril de 1987, já o prazo prescricional anuo havia incidido quando da propositura da demanda, aos 12 de julho do ano de 1988. (STJ, T4 – Quarta Turma, REsp 8770/SP, Rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, j. 16/04/1991, p. DJ 13/05/1991).

CONTRATO DE SEGURO. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO. ENQUANTO A SEGURADORA EXAMINA O PEDIDO DE INDENIZAÇÃO E ATÉ QUE COMUNIQUE AO SEGURADO A RECUSA DO PAGAMENTO CONSIDERA-SE SUSPENSO O PRAZO PRESCRICIONAL.[...] Acontece que o mercado de seguro no começo do século funcionava de forma inteiramente diversa do atual sistema. Imperava o liberalismo sem controles e, por isso mesmo, nenhuma 'burocracia' subordinava a atuação dos contratantes, os quais agiam segundo as leis e praxes vigentes. Hoje, todos sabemos que as seguradoras, assim como seus negócios e contratos estão sujeitos a rígida disciplina imposta pelas autoridades, por força da abrangência desse seguimento empresarial pela normatização do sistema financeiro brasileiro. Dai a obrigatoriedade do preenchimento dos formulários exigidos pelas autoridades securitárias e do pedido extrajudicial do pagamento do seguro pelo segurado, sob pena de recusa da indenização. Ora, essa fase assemelhável a de um procedimento administrativo necessariamente deve, mesmo que não seja considerada uma condição suspensiva, suspender o curso da prescrição, porquanto, a toda evidência, o segurado não tem ação enquanto aquela fase não e ultrapassada. (REsp 21547 RS, Rel. Ministro Claudio Santos, T3 - Terceira Turma, julgado em 25/05/1993, DJ 16/08/1993)

Apesar da data longeva da ratio decidendi cristalizada no enunciado º 229, a tese que considera o pedido do pagamento de indenização como causa de impedimento/suspensão do prazo prescricional continua a ser aplicada pacificamente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Colacionarei a seguir algumas decisões recentes que atestam a afirmação (grifos meus):

DIREITO SECURITÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 229/STJ. EDITADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ENUNCIADO SUMULAR QUE PRESTIGIA A BOA-FÉ OBJETIVA. DESCABIMENTO EM SE COGITAR EM SUPERAÇÃO DA SÚMULA COM A VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. CONTROVÉRSIA INTEIRAMENTE ABSORVIDA POR SÚMULA DO STF E/OU DO STJ. ADMISSÃO DA APELAÇÃO. INVIABILIDADE. 1. É bem verdade que o atual Código Civil positivou dois princípios de sobredireito regentes das relações jurídicas privadas, quais sejam, a função social do contrato (art. 421) e a boa-fé objetiva (art. 422). 2. Ainda antes da vigência do novo diploma civil, a Súmula 229/STJ, como expresso em seu enunciado, cuida de causa suspensiva do prazo prescricional - construção jurisprudencial que homenageia o princípio da boa-fé objetiva -, orientando que o pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão. Portanto, não é de ser acolhido o entendimento acerca da possibilidade de, com o advento do Código Civil de 2002, ter ocorrido superação do enunciado sumular. 3. O art. 518, § 1º, do Código de Processo Civil dispõe que o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula dos tribunais superiores de superposição, contribuindo para a redução do assoberbamento do Juízo ad quem, garantindo tratamento isonômico aos jurisdicionados e prevenindo a denominada "jurisprudência lotérica", que a par de ocasionar desprestígio ao Poder Judiciário e colocar em risco a autoridade de suas decisões, propicia insegurança social e ao setor produtivo, com inúmeros reflexos deletérios. 4. Recurso especial provido para restabelecer a decisão de primeira instância, que não recebeu o recurso de apelação. (STJ, T4 - Quarta Turma, REsp 1123342/SS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 08/10/2013, DJe 06/11/2013).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO. AÇÃO DE COBRANÇA DO SEGURADO CONTRA O SEGURADOR. PRESCRIÇÃO. SÚMULAS STJ/101 E 229. IMPROVIMENTO. 1 - A ação de indenização do segurado em grupo contra a seguradora prescreve em um ano (Súmula 101/STJ). 2 - O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão (Súmula 229/STJ). 3.- Agravo Regimental improvido. (STJ, T3 - Terceira Turma, AgRg no AREsp 410758/SC, Re. Min. Sidnei Beneti, j. 21/11/2013, p. DJe 06/12/2013)

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS. INDENIZAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO ÂNUA. ART. 178, § 6º DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. ART. 206, § 1º, II, DO CC/2002. SÚMULA N. 101/STJ. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. TERMO INICIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. SÚMULAS N. 229 E 278-STJ. 1. Aplica-se a prescrição ânua do art. 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 206, § 1º, II, do CC/2002)às ações do segurado contra a seguradora buscando o pagamento de indenização por invalidez com base em seguro em grupo (Súmula 101/STJ). 2. "O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral." Súmula n. 278, do STJ. 3. "O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão." Súmula n. 229, do STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, T4 – Quarta Turma, AgRg no REsp 1.079.733/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 17/12/2013, p. DJe 04/02/2014).

Verifica-se, assim, que os fundamentos que a inspiraram a tese inscrita no enunciado nº 229 da súmula de jurisprudência do STJ sobrevivem até hoje. Com muito mais razão após o advento do Código Civil, cuja elaboração deu-se sob a ingerência dos princípios da operabilidade, sociabilidade e da eticidade – este último a fonte da boa-fé objetiva que deve nortear a conduta dos contratantes nas relações negociais, os quais “são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (CC, art. 422).

3.3 – Efeito declaratório na sentença de interdição

Há uma conhecida controvérsia no âmbito do Direito de Família no que tocante à sentença que decreta a interdição no procedimento especial de jurisdição voluntária (CPC, art. 1.177). Doutrina e jurisprudência divergem quanto à natureza do decreto judicial – se constitutivo ou se declaratório. Para Marinoni e Mitidiero (2013, p. 987), “a sentença de interdição diz respeito tão somente à constituição do estado de interdição”. Em sentido contrário, Farias e Rosenvald (2012, p. 1013) defendem que “a sentença de interdição tem natureza declaratória (CC, art. 1.773) – logo não é o decreto judicial que cria a incapacidade, decorrendo esta de uma situação psíquica antes existente e apenas reconhecida em juízo”.    
 
Apesar disso, é pacífico na doutrina como na jurisprudência o entendimento segundo o qual a sentença de interdição produz efeitos ex nunc. Isto é, trata-se de sentença não retroativa, que se destina a produzir efeitos para o futuro em caráter imediato, até porque a decisão, embora apelável (CPC, art. 513), não autoriza o recebimento do recurso com efeito suspensivo (CPC, art. 1.184 c/c art. 1.773).

A consequência direta desse entendimento é admitir a validade dos atos praticados pelo interditado antes do reconhecimento judicial de sua incapacidade civil. Com efeito, tal interpretação, favorável à preservação dos atos jurídicos, prestigia a boa-fé do terceiro que contratou com o interdito, contanto que estivesse insciente da alienação mental ou não fosse notório o estado de alienado. É o que se extrai da jurisprudência (grifos meus):

Direito e processo civil. Interdição. Atos anteriores a sentença. Nulidade. Imprescindibilidade de prova convincente e idônea. Cerceamento. Inocorrência. Honorários na execução. Recurso não conhecido. I - para resguardo da boa-fé de terceiros e segurança do comercio jurídico, o reconhecimento da nulidade dos atos praticados anteriormente a sentença de interdição reclama prova inequívoca, robusta e convincente da incapacidade do contratante. II - os honorários arbitrados no despacho inicial da execução, para a eventualidade de pagamento imediato, salvo ressalva, não devem ser acrescidos aos honorários impostos em embargos julgados improcedentes. III - se a parte não requereu a produção de provas sobre determinados fatos relativos a direitos disponíveis, não lhe e licito alegar cerceamento por julgamento antecipado. (STJ, T4 - Quarta Turma, REsp: 9077/RS, Rel. Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira, j. 25/02/1992, p. DJ 30.03.1992 p. 3992).

Ação Indenizatória c/c Obrigação de Fazer. Empréstimos firmados junto à instituição financeira ré, o que é negado pela parte autora, que é pessoa interditada. Sentença de improcedência. Apelo da autora. Demanda que se subsume aos ditames do CDCON. Empréstimos realizados antes da decretação de interdição definitiva. Embora haja divergência doutrinária sobre a natureza jurídica da sentença de interdição, se declaratória ou constitutiva, certo é que embora os negócios pretéritos não sejam atingidos pela sentença de interdição, podem ser anulados se comprovado que à época dos fatos, a incapacidade era manifesta e o outro contratante agiu de má-fé. Entretanto, os documentos trazidos pela autora não comprovam os fatos articulados na inicial. Dano moral inexistente, assim como sem comprovação o nexo de causalidade. Não observância ao art. 333, I do CPC, pela autora. Sem a demonstração do efetivo dano não há que se cogitar de reparação moral. Precedentes. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO, nos termos do art. 557 do CPC, mantida a douta sentença afrontada. (TJ-RJ, Décima Terceira Câmara Cível, APL 03001176120108190001 RJ 0300117-61.2010.8.19.0001, Relator: Des. Sirley Abreu Biondi, j. 29/01/2013, p. 20/03/2013 11:15).

Todavia, não obstante os efeitos ex nunc da sentença que decreta a interdição, a jurisprudência tem reconhecido que a causa suspensiva do prazo prescricional, articulada no art. 198, I, do Código Civil, incide desde o momento em que se manifestou a incapacidade mental do indivíduo. Essa tese já se encontrava fixada em acórdãos relativamente antigos na Corte, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. INCAPAZ. ACÓRDÃO. FUNDAMENTAÇÃO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 458, II E 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA. OFENSA AO ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/32. REEXAME DE PROVA. SÚM. 07/STJ. DISSÍDIO PRETORIANDO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. I - Não fere os artigos 458, II e 535, II, do Código de Processo Civil, a decisão que enfrenta de forma fundamentada todas as questões pertinentes ao litígio, dando-lhe adequada solução. II - Tendo o v. acórdão recorrido considerado, com base nas provas dos autos, que a incapacidade mental do recorrido teve início muito antes de ser prolatada a sentença que decretou a sua interdição, razão pela qual afastou a incidência da prescrição, resta inviável o exame da alegada violação ao art. 1º do Decreto 20.910/32, ante o óbice da Súm. 7-STJ. III - Não tendo o recorrente mencionado qualquer julgado que estaria em testilha com o acórdão reprochado, resta inviabilizado o apelo raro pela letra c. Recurso não conhecido. (STJ, T5 – Quinta Turma, REsp 246265/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, j. 06/08/2002, p. DJ 09/09/2002 p. 236)

Na decisão acima, o relator anotou que o acórdão do tribunal a quo reconheceu o afastamento da prescrição em data anterior ao decreto judicial de interdição. Tal ratio decidendi, com os anos, só viria a ser aprofundada, como revela os acórdãos seguintes (grifos meus):

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MILITAR. ART. 169, I, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO-OCORRÊNCIA. ALIENAÇÃO MENTAL. PARTE ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. ART. 1.184 DO CPC. EFEITOS DA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO. REFORMA. CARGO HIERARQUICAMENTE SUPERIOR AO OCUPADO PELO AUTOR. PROCEDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Tratando-se o recorrido de incapaz em virtude de alienação mental, não há falar em prescrição de direito, nos termos do art. 169, I, do Código Civil de 1916. 2. A interdição resulta sempre de uma decisão judicial que verifica a ocorrência, em relação a certa pessoa, de alguma das causas desta incapacidade. A sentença que decreta a interdição, via de regra, exceto quando há pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, tem efeito ex nunc. Na presente hipótese, o Tribunal a quo estendeu os efeitos de referida sentença declaratória ao tempo em que se manifestou incapacidade mental do ora recorrido. 3. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o militar acometido de alienação mental será reformado independentemente do nexo causal entre a doença e a atividade militar exercida, com direito a receber proventos com soldo equivalente ao posto imediatamente superior ao que ocupava quando na ativa, nos termos da Lei 6.880/80. Precedentes. 4. Recurso especial conhecido e improvido. (STJ, T5 – Quinta Turma, REsp 550615/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 14/11/2006, p. DJ 04.12.2006 p. 357).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MILITAR. AUXÍLIO-INVALIDEZ. PRESCRIÇÃO. INCAPACIDADE MENTAL. ANTERIOR À PROLAÇÃO DA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO. TERMO INICIAL DA SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 198, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL. AUXÍLIO-INVALIDEZ. REQUISITOS. ART. 126 DA LEI N.º 5.787/72. VERIFICAÇÃO NA VIA DO ESPECIAL. INVIABILIDADE. SÚMULA N.º 07/STJ. 1. Conquanto a sentença de interdição tenha sido proferida em data posterior ao decurso do prazo prescricional, a suspensão deste prazo ocorre no momento em que se manifestou a incapacidade mental do indivíduo. Inteligência do art. 198, inciso I, do Código Civil. Precedentes. 2. A reforma do acórdão recorrido no sentido de afastar a condenação da União ao pagamento do Auxílio-Invalidez, é inviável na via estreita do recurso especial, na medida em que implicaria, necessariamente, no reexame do conjunto probatório dos autos, o queé vedado pela Súmula n.º 07/STJ. Precedentes. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (STJ, T5 – Quinta Turma, REsp 652837/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 22/05/2007, p. DJ 29/06/2007 p. 692)

Hoje, é correto dizer que essa tese jurídica, que admite data pretérita à sentença de interdição como causa de suspensão do prazo de prescrição em favor do absolutamente incapaz, é parte do pensamento jurisprudencial consolidado na Corte. Nesse prisma, colaciono (grifos meus):

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. MILITAR. EQUIPARAÇÃO À DOENÇA MENTAL GRAVE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO. ARTIGO 198, I, DO CÓDIGO CIVIL. 1. Modificar o entendimento do Tribunal de origem em relação à equiparação de personalidade histérica com doença mental grave enseja o reexame fático probatório da questão. Incidência da Súmula 7/STJ. 2. Nos casos de incapazes, a suspensão do prazo prescricional ocorre no momento em que a incapacidade mental do sujeito se manifesta, consoante o disposto no artigo 198, inciso I, do Código Civil. 3. Agravo regimental improvido. (STJ, T6 - Sexta Turma, AgRg no Ag: 702589/RJ, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, j. 16/09/2008, p. DJe 06/10/2008)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INOCORRÊNCIA. MILITAR. ALIENAÇÃO MENTAL. VERIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO. ART. 198, I, DO CÓDIGO CIVIL. 1. Não ocorre contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, todas as questões postas ao seu exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária ao interesse da parte e inexistência de prestação jurisdicional. 2. No caso, observa-se que o Tribunal a quo concluiu, com base no conjunto fático-probatório dos autos, que o autor foi considerado alienado mental desde à época de sua reforma. Assim, para se decidir de maneira diversa, seria imprescindível o reexame de provas, o que não é possível em sede de recurso especial, ante o disposto no enunciado da Súmula n.º 7 deste Tribunal. 3. "Conquanto a sentença de interdição tenha sido proferida em data posterior ao decurso do prazo prescricional, a suspensão deste prazo ocorre no momento em que se manifestou a incapacidade mental do indivíduo. Inteligência do art. 198, I, do Código Civil. Precedentes." (REsp 652.837/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/5/2007, DJ 29/6/2007, p. 692) 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, T6 – Sexta Turma, AgRg no REsp 1115253/RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 03/08/2010, p. DJe 23/08/2010)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR. ALIENAÇÃO MENTAL. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO. ART. 198, I, DO CC. PAGAMENTO DE PARCELAS PRETÉRITAS. POSSIBILIDADE. JUROS MORATÓRIOS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. LEI N. 11.960/09 QUE ALTEROU O ART. 1º-F DA LEI N.9.494/97. APLICAÇÃO IMEDIATA. EFEITOS RETROATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA JULGADA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC. 1. "Conquanto a sentença de interdição tenha sido proferida em data posterior ao decurso do prazo prescricional, a suspensão deste prazo ocorre no momento em que se manifestou a incapacidade mental do indivíduo. Inteligência do art. 198, I, do Código Civil" (REsp 652.837/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 29/6/07). Ainda, neste sentido: AgRg no REsp 1.115.253/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 23/8/10; AgRg no REsp 850.552/SC, Rel. Ministro Celso Limongi (Des. convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 28/9/09.2. No caso, observa-se que o Tribunal a quo concluiu, com base no conjunto fático probatório dos autos, que o autor foi considerado alienado mental durante o período das atividade militares. Assim, para se decidir de maneira diversa, seria imprescindível o reexame de provas, o que não é possível em sede de recurso especial, ante o disposto no enunciado da Súmula n. 7 deste Tribunal.3. Constatada a ilegalidade do ato administrativo que excluiu omilitar, é legítimo o pagamento das parcelas pretéritas relativas aoperíodo que medeia o licenciamento ex officio e a reintegração domilitar. Precedentes: AgRg no REsp 1.168.919/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 16/8/11; AgRg no REsp 1.211.013/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4/2/11; REsp 1.000.461/RS, Rel.Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ de 18/5/09.4. A Corte Especial, por ocasião do julgamento do REsp 1.205.946/SP,de minha relatoria, sob o rito do artigo 543-C,consolidou o entendimento segundo o qual o art. 1º-F da Lei 9.494/97, modificado pela MP 2.180-35/2001 e, posteriormente, pelo artigo 5º da Lei n.11.960/09, tem natureza instrumental, devendo ser aplicado aos processos em tramitação, sem efeitos retroativos.5. Agravo regimental parcialmente provido, somente para determinar a imediata aplicação do art. 5º da Lei 11.960/09, a partir de sua vigência. (STJ, T1 – Primeira Turma, AgRg no REsp 1270630/RS,Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 16/02/2012, p. DJe 23/02/2012)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO MILITAR - REFORMA EM RAZÃO DE INCAPACIDADE - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA - PRESCRIÇÃO - PRAZO SUSPENSO A PARTIR DA INCAPACIDADE - REQUISITOS PARA A REFORMA - SÚMULA 7/STJ - RECONHECIMENTO DO DIREITO AO PAGAMENTO DAS PARCELAS PRETÉRITAS – CORREÇÃO MONETÁRIA - JUROS DE MORA - ART. 1º-F DA LEI 9.494/97, INCLUÍDO PELA MP 2.180-35/2001 - APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LIMITES À REVISÃO DO QUANTUM PELO STJ. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. A suspensão do prazo prescricional aos absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (CC, 198, I; CC/16, art. 169, I) ocorre no momento em que se manifesta a incapacidade do indivíduo, sendo a sentença de interdição, para esse fim específico, meramente declaratória. 3. Impossibilidade de análise da comprovação dos requisitos necessários à passagem do militar à situação de inatividade, mediante reforma. Conclusão das instâncias ordinárias baseada no exame de fatos e provas, em especial da prova pericial produzida. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. O pagamento das parcelas pretéritas, retroativo à data do licenciamento, constitui consectário lógico do reconhecimento da ilegalidade do ato de exclusão do militar. Manutenção do acórdão recorrido - retroação dos efeitos financeiros à data da propositura da ação de interdição -, nos termos do pedido inicial, sob pena de se proferir decisão ultra petita. 5. Correção monetária devida desde o momento em que as parcelas remuneratórias deveriam ter sido pagas. 6. O art. 1º-F da Lei 9.494/97 aplica-se às condenações contra a Fazenda Pública e aos processos em curso na data de sua vigência, sem efeitos retroativos. 7. Não pode este Tribunal alterar o valor fixado pela instância de origem a título de honorários advocatícios, exceto em situações excepcionalíssimas de irrisoriedade ou exorbitância, se delineadas concretamente no acórdão recorrido as circunstâncias a que se refere o art. 20, § 3º, do CPC. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido, apenas para estabelecer o percentual dos juros de mora, nos termos da fundamentação. (STJ, T2 – Segunda Turma, REsp 1241486/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18/10/2012, p. DJe 29/10/2012)

Logo, se ficar constatado nos autos, mediante prova inequívoca, que a incapacidade do autor é anterior ao termo final do prazo prescricional, a condição de alienado atrai a norma que protege os absolutamente incapazes, a estabelecer nesse marco a causa impeditiva/suspensiva do lapso prescricional (CC, art. 198, I).

4 – Conclusão

A diferenciação entre os institutos da prescrição e da decadência não é meramente teórica. Suas consequências práticas são perceptíveis em campos variados da matéria civilística.

          No presente artigo, procurei abordar pelo menos três hipóteses nas quais a possibilidade de alteração dos prazos de prescrição acarreta nuances interpretativas. A primeira delas no procedimento especial de jurisdição voluntária das ações de declaração de ausência, quando anotei que a doutrina se tem inclinado em reconhecer a incidência da causa suspensiva desde o termo inicial de declaração do ausente (enunciado nº 156 da III Jornada de Direito Civil). A segunda delas nos demandas lastreadas em contratos de seguro, caso em que a jurisprudência firmou que o pedidos do pagamento de indenização à seguradora obsta o curso do prazo prescricional, que fica suspenso até que o segurado seja cientificado da decisão (enunciado nº 229 da súmula de jurisprudência do STJ). Finalmente, mencionei a discussão em torno da sentença nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária concernentes à declaração de interdição. A par do debate da natureza do provimento (se constitutivo negativo ou declaratório), a jurisprudência do STJ sedimentou o entendimento de que, apesar de a sentença na interdição ter efeitos ex nunc, tal característica não impede o reconhecimento da retroatividade da causa suspensiva/impeditiva da prescrição. Por outras, palavras, se a sentença que declara a interdição foi proferida depois de expirado o prazo prescricional, cabe ao juiz reconhecer a incidência da causa suspensiva/impeditiva em favor do incapaz desde o momento em que se manifestou a incapacidade do indivíduo.

          Em resumo, seja no instituto da ausência, seja no pleito de indenização oriunda de contrato de seguro, seja ainda na esfera da sentença de interdição, os consectários da possibilidade de o fluxo do prazo prescricional ser impedido, suspenso ou interrompido são notórios e se espraiam amplamente pela doutrina e pela jurisprudência.   

Assim, penso que é de fundamental relevância observar que, embora prescrição e decadência sejam institutos correlatos, especialmente em se tratando dos efeitos do tempo sobre as relações jurídicas, não é possível ignorar suas dissimetrias. Em face disso, o Código Civil admite a alteração dos prazos prescricionais – que são aqueles associados aos direitos subjetivos patrimoniais. Em contrapartida, os prazos de caducidade são fatais, não podendo, salvo disposição legal em contrário, ser modificados, porquanto sua contagem deve ser feita ininterruptamente. 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.


BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, T4 – Quarta Turma, REsp 8770/SP, Rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, j. 16/04/1991, p. DJ 13/05/1991. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T4 - Quarta Turma, REsp: 9077/RS, Rel. Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira, j. 25/02/1992, p. DJ 30.03.1992 p. 3992. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 - Terceira Turma, REsp 21547/RS, Rel. Ministro Claudio Santos, julgado em 25/05/1993, DJ 16/08/1993. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T5 – Quinta Turma, REsp 246265/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, j. 06/08/2002, p. DJ 09/09/2002 p. 236. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T5 – Quinta Turma, REsp 550615/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 14/11/2006, p. DJ 04.12.2006 p. 357. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T6 - Sexta Turma, AgRg no Ag: 702589/RJ, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, j. 16/09/2008, p. DJe 06/10/2008. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T5 – Quinta Turma, REsp 652837/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 22/05/2007, p. DJ 29/06/2007 p. 692. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T6 – Sexta Turma, AgRg no REsp 1115253/RS, Rel. Min. Og Fernandes, j. 03/08/2010, p. DJe 23/08/2010. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T1 – Primeira Turma, AgRg no REsp 1270630/RS,Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 16/02/2012, p. DJe 23/02/2012. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T2 – Segunda Turma, REsp 1241486/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18/10/2012, p. DJe 29/10/2012. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T4 - Quarta Turma, REsp 1123342/SS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 08/10/2013, DJe 06/11/2013. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 - Terceira Turma, AgRg no AREsp 410758/SC, Re. Min. Sidnei Beneti, j. 21/11/2013, p. DJe 06/12/2013. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T4 – Quarta Turma, AgRg no REsp 1.079.733/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 17/12/2013, p. DJe 04/02/2014. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, súmula 229. Segunda Seção, j. 09/09/1999, p. DJ 20/10/1999. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Décima Terceira Câmara Cível, APL 03001176120108190001 RJ 0300117-61.2010.8.19.0001, Relator: Des. Sirley Abreu Biondi, j. 29/01/2013, p. 20/03/2013 11:15. Disponível em: www.tjrj.jus.br. Acesso em: 31 de mai. 2014.
 
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: famílias, vol. 6. 4ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2012. 1066 p.

MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil Comentado: comentado artigo por artigo. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 1262 p.

terça-feira, 27 de maio de 2014

TEORIA DA "ACTIO NATA" DO DIREITO CIVIL E O TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL NAS AÇÕES INDENIZATÓRIAS POR INCAPACIDADE LABORAL: comentários ao enunciado nº 278 da súmula de jurisprudência do STJ

Min. João Otávio de Noronha, relator do AgRg no REsp 173.988/GO no STJ
Ouvindo atualmente: "Prayer",
de Frederic Hand.
Uma belíssima homenagem a J. S. Bach
por parte deste talentoso violonista e compositor,
que é Frederic Hand. 

 
A doutrina brasileira tem assinalado a dicotomia existente, no âmbito do Direito Civil, relativamente ao conceito de prescrição. Divide-a, assim, em prescrição aquisitiva – que dá origem à usucapião – e prescrição extintiva, que se presta a promover a extinção das relações jurídicas, evitando o seu protraimento indefinido. É a prescrição extintiva, dessa maneira, que, ao fixar um limite para o direito, vai ao encontro do ideal de segurança jurídica nas relações travadas em sociedade.

Aspecto importante da prescrição de tipo extintiva diz respeito aos direitos a que se vincula. Com efeito, a inclinação da maioria dos autores é no sentido de reconhecer sua estreita ligação aos direitos subjetivos de cunho patrimonial. Estes últimos denotam aquelas posições jurídicas de vantagem que atribuem ao titular do direito a pretensão de exigir um comportamento de terceiro, a fim de ver realizado seu interesse.

Nesse sentido, o art. 186 do Código Civil dispõe:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

É o caso, por exemplo, de uma ação de cobrança, ajuizada pela parte que busca o apoio do Poder Judiciário com vistas a garantir o recebimento do crédito que não lhe foi voluntariamente adimplido na data de vencimento da dívida. Por isso se diz que a prescrição extintiva guarda um elo com os direitos subjetivos patrimoniais, já que somente eles são passíveis de violação por parte de outrem que descumpre sua obrigação jurídica. 

A essa pretensão de exigir um comportamento de terceiro é que se convencionou atribuir o característico da exigibilidade. Trata-se, pois, da possibilidade outorgada ao credor de ir a juízo reivindicar o cumprimento forçado da obrigação pelo devedor inadimplente. Mas, considerando que a exigibilidade dilatada por um longo período de tempo implicaria insegurança, o o legislador cuidou de limitá-la no tempo. Surgem então os prazos prescricionais. Uma vez expirados esses prazos, o titular da pretensão fica desprovido da faculdade de judicializar a exigência do comportamento alheio. Não perde o direito, que permanece intacto, tanto quanto a pretensão. Prova disso é que o devedor pode, não obstante prescrita a obrigação, satisfazê-la voluntariamente. O que o titular do direito perde é a exigibilidade judicial. Assim, não pode mais pleitear a tutela jurisdicional para concretizar o cumprimento da pretensão. 

Obviamente, dada a gravidade das consequências advindas dos prazos prescricionais, a implicar a extinção de situações jurídicas, o legislador entendeu que não poderia deixar a sua fixação ao talante das partes. Desse modo, retirou-os da esfera negocial, impondo sua exclusiva previsão em lei. É o que se extrai da leitura do art. 192 do CC:

Art. 192. Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes.

Também por isso o legislador vedou a renúncia antecipada da prescrição, condicionando o exercício da vontade renunciante à prévia expiração do prazo prescricional, como se nota do art. 191 do CC:

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

Coerente com esse raciocínio, é fácil perceber que um elemento crucial do debate consiste no cômputo dos prazos de prescrição. Aqui importa delinear qual o momento em que efetivamente se dá o início da contagem prazal.

Nesse sentido, é preciso enfatizar que a jurisprudência brasileira tem acolhido, pacificamente, a teoria da actio nata. Segundo essa construção teórica, o início da fluência do prazo prescricional fica condicionado ao conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo patrimonial. Isto é, a contagem do prazo não se inicia ante a mera violação do direito. É fundamental que o titular do direito violado tenha tomado ciência efetiva do descumprimento da obrigação ou do ato lesivo. É só assim que nasce a pretensão que, qualificada pela exigibilidade, permite ao lesado vindicar judicialmente o comportamento de terceiro. 

Sobre o assunto, vejamos alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (grifos meus):

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL. PRAZO DE TRÊS ANOS. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 1º DO DECRETO N. 20.910/32. TERMO A QUO. CIÊNCIA DOS EFEITOS LESIVOS.
1. O entendimento jurisprudencial do STJ pacificou-se no sentido de que se aplica o art. 206, § 3º, inc. V, do CC/02, nos casos em que se requer a condenação de entes públicos ao pagamento de indenização por danos materiais/morais.
2. Conforme o princípio da actio nata, o prazo prescricional da ação visando à reparação de danos inicia no momento em que for constata a lesão e os seus efeitos. Precedentes: AgRg nos EDcl no REsp 1.074.446/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 13.10.2010; AgRg no Ag 1.098.461/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo Filho, DJe 2.8.2010; AgRg no Ag 1.290.669/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 29.6.2010; REsp 1.176.344/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 14.4.2010.
3. Na hipótese dos autos, a pretensão do recorrido se encontra prescrita, pois, conforme asseverado na origem, o recorrido tomou conhecimento da extensão do dano sofrido em 10.10.2003 enquanto essa ação foi proposta tão-somente em 1.8.2007.
4. Recurso especial provido. (STJ, T2 – Segunda Turma, REsp 1.213.662/AC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 07/12/2010, p. DJe 03/02/2011).

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. MOMENTO DA CONSTATAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS LESIVAS DECORRENTES DO EVENTO DANOSO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Na hipótese dos autos, o recorrente sustenta a prescrição desta ação ao asseverar que o prazo prescricional deve ser contado a partir do momento do evento danoso, independentemente da ciência dos efeitos das lesões.
2. Segundo a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, o termo inicial do prazo prescricional das ações indenizatórias, em observância ao princípio da actio nata, é a data em que a lesão e os seus efeitos são constatados. Incidente, portanto, o óbice da Súmula 83/STJ.
3. Agravo regimental não provido. (STJ, T2 – Segunda Turma, REsp 1.248.981/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/09/2012, p. DJe 14/09/2012).

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. APREENSÃO DE VEÍCULO REVERTIDA JUDICIALMENTE. DANOS EMERGENTES. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. AÇÕES INDENIZATÓRIAS AJUIZADAS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL QÜINQÜENAL.
1. O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas conseqüências, conforme o princípio da actio nata. Precedentes.
2. No caso em questão, não há falar em ocorrência da prescrição, pois o recorrido somente tomou ciência dos danos ocorridos no veículo com sua devolução.
3. Esta Corte, no julgamento do REsp 1.251.993/PR, submetido ao Rito dos recursos repetitivos, firmou entendimento no sentido de que mesmo nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, se aplica o prazo prescricional qüinqüenal do art. 1º do Decreto 20.910/32.
4. Recurso especial não provido. (STJ, T2 – Segunda Turma, REsp 1.257.387/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 05/09/2013, p. DJe 17/09/2013).

Como se percebe a aplicação da teoria da actio nata é pacífica no Superior Tribunal de Justiça.

Na verdade, a teoria da actio nata já se encontra até mesmo sumulada na jurisprudência da Corte, consoante revela o exame do enunciado nº 278:

STJ, Súmula nº 278 

O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.

Esse enunciado, que consubstancia a tese jurídica adotada pelo Tribunal Superior na apuração do prazo inicial da ação indenizatória ajuizada por força de incapacidade para o labor, deixa claro que a pretensão nasce da ciência inequívoca pelo lesado do mal que lhe acomete.

O estudo dos precedentes que deram origem à ratio decidendi ora sumulada auxilia o entendimento do raciocínio da Corte. Vejamos (grifos meus):

Relativamente ao termo a quo da prescrição, este Tribunal é uníssono em afirmar que o termo inicial de fluência do prazo prescricional, não é a data do acidente, mas aquela em que o segurado teve ciência inequívoca de sua invalidez e da extensão da incapacidade que restou acometida. Para tanto, não há um momento exato ou documento certo, sendo exigível apenas, repita-se, que tenha o segurado, na data, ciência exata de seu problema. A respeito, confira-se, dentre outros, o REsp n. 257.596-SP(DJ 16/10/00), assim ementado, no que interessa: 'II - No prazo prescricional da ação que envolve contrato de seguro, segundo entendimento do Tribunal, o termo a quo não é a data do acidente, mas aquela em que o segurado teve ciência inequívoca da sua invalidez e da extensão da incapacidade de que restou acometido'. Na espécie, os elementos dos autos demonstram que apenas quando da realização do laudo médico [...] é que a exeqüente teve essa ciência exata e inequívoca dos seus males, sabido não ser suficiente para esse fim a mera realização de consultas, tratamentos ou diagnósticos(a propósito, REsp n. 184.573-SP, DJ 15.3.99, relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar). Assim, realizada a perícia em 20/10/94, e tendo a execução sido ajuizada em 18/11/94, é de afastar-se a prescrição." (AgRg no REsp 329479 SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/10/2001, DJ 04/02/2002, p. 393).[...] "Na ação que envolve contrato de seguro, segundo entendimento do Tribunal, o termo a quo não é a data do acidente, mas aquela em que o segurado teve ciência inequívoca da sua invalidez e da extensão da incapacidade de que restou acometido." (STJ, T4 – Quarta Turma, AgRg no REsp 329479/SP, Rel. Ministro Sálvio De Figueiredo Teixeira, j. 09/10/2001, DJ 04/02/2002, p. 393).

Esta corte pacificou entendimento adotando a prescrição ânua para as ações de beneficiário de seguro de vida e acidentes pessoais em grupo, nos termo da Súmula 101, verbis: [...]. No entanto, a alegação dos Recorridos de que o termo inicial para a contagem de tal prazo deveria ser a data do acidente, ocorrido em 30.10.94, não procede. A jurisprudência deste Tribunal definiu que o dies a quo para o início do prazo prescricional é a data em que o beneficiário teve ciência da incapacidade em caráter permanente. E assim também determina a lei ao mencionar que o prazo prescricional será contado do dia em que o interessado tiver conhecimento do fato, ou melhor, na espécie, da incapacidade. In casu, o Recorrente somente teve ciência de forma inequívoca desta incapacidade, seu grau e percentual, ao ser submetido a perícia médica realizada em 02.12.94 [...]. Como a ação foi proposta no dia 01.12.95, não há que se falar em prescrição." (STJ, T3 – Terceira Turma, REsp 220080/SP, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, j. 11/04/2000, DJ 29/05/2000, p. 150).

Nota-se que nesses arrazoados encontra-se a actio nata, consistente no reconhecimento de que a pretensão de ajuizar a ação reparatória só pode ter sua exigibilidade fulminada pela prescrição caso o lesado tenha tomado conhecimento do fato (violação ou lesão ao seu direito subjetivo patrimonial). 

Em julgado mais recente, o STJ tornou a aplicar a teoria da actio nata para os casos de ação de indenização proposta contra empresa securitária responsável pelo pagamento de seguro por invalidez laboral. Colaciono (grifo meu):

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO. INDENIZAÇÃO. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência do STJ, consolidada na Súmula 278, é de que o termo inicial da prescrição, no caso, ânua, inicia-se da data da ciência inequívoca da invalidez, ficando suspenso esse prazo até a resposta de requerimento administrativo de pagamento da indenização.
2. Reverter o posicionamento relativo às datas fixadas nas vias ordinárias seria necessário reexame de provas, o que é vedado em sede de recurso especial, consoante Súmula 7/STJ.
3. Ademais, consta do laudo médico suscitado pela recorrente apenas que o segurado estava em tratamento sem condições laborativas, não atestando a incapacidade definitiva.

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, T4 – Quarta Turma, AgRg no AREsp 269.587/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09/04/2013, DJe 17/04/2013).

Convém observar que, nesse julgado, a Quarta Turma assentou não apenas a aplicabilidade da teoria da actio nata, como ainda firmou que o requerimento administrativo do beneficiário que pleiteia o pagamento da indenização tem o condão de suspender a fluência do prazo prescricional.

Na realidade, nem se cuida de tese nova no repositório de precedentes da Corte. Em 2010, a Terceira Turma já decidia sob o mesmo viés, senão vejamos (grifo meu):

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS - PRELIMINARES ADUZIDAS EM CONTRA-RAZÕES - REJEIÇÃO - NECESSIDADE - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - OMISSÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - PRESCRIÇÃO ÂNUA - TERMO INICIAL - CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA INCAPACIDADE LABORAL PELO SEGURADO - CORRESPONDÊNCIA COM A DATA DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO, NA ESPÉCIE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - As preliminares de ausência de prequestionamento e de incidência do Enunciado n. 7 da Súmula/STJ, aduzidas em contra-razões ao recurso especial, merecem ser afastadas; II - Negativa de prestação jurisdicional inexistente, porquanto resultado diferente do pretendido pela parte não implica, necessariamente, omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional; III - O termo inicial da prescrição ânua da ação de indenização relativa a seguro de vida e acidentes pessoais corresponde à data em que o segurado toma ciência inequívoca da incapacidade laboral, sendo que o pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão; IV - A aposentadoria por invalidez pode ser considerada o termo inicial do prazo prescricional do seguro de acidentes pessoais, porquanto presume-se que o segurado, nesta data, toma ciência inequívoca de sua incapacidade laboral; V - In casu, tendo em vista as datas da aposentadoria por invalidez do recorrido (26/08/2005), do aviso do sinistro à seguradora (08.06.2006), da negativa da seguradora (14.7.2006) e do ajuizamento da ação (21.5.2007), tem-se por inequívoca a ocorrência da prescrição; VI - Recurso especial provido. (STJ, REsp 1084883/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 16/11/2010, p. DJe 02/12/2010)

Esse mesmo entendimento, que reafirma a tese jurídica da actio nata esposada no enunciado nº 278 da súmula de jurisprudência do STJ, foi recentemente aplicado também ao Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), previsto na Lei 6.194/74:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO. PRESCRIÇÃO TRIENAL. TERMO INICIAL. SÚMULAS N. 278 E 405 DO STJ.
1. A ação de cobrança do seguro obrigatório DPVAT prescreve em três anos.
2. O prazo prescricional na ação de indenização inicia-se na data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral, ficando suspenso até a resposta de requerimento administrativo de pagamento da indenização.
3. Não tendo havido requerimento administrativo, o termo inicial é a data do evento.
4. Agravo regimental provido. (STJ, T3 – Terceira Turma, AgRg no REsp 173.988/GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 06/08/2013, p. DJe 19/08/2013).

Esse último acórdão é importante. Ele reforça a tese de que, como o requerimento administrativo do beneficiário é a causa suspensiva da prescrição, caso não tenha sido protocolizado pelo interessado no pagamento da indenização, o cômputo do início do prazo prescricional far-se-á a partir do evento danoso.

Dessa forma, verifica-se que o STJ, mesmo antes da edição do enunciado nº 278 da sua súmula de jurisprudência, já decidia pacificamente em favor da actio nata como critério apto a delinear o termo inicial da contagem da prescrição nas ações de indenização. Assim, coerente com a actio nata, é forçoso reconhecer que não é a mera ocorrência da violação ou lesão a direito subjetivo patrimonial que deflagra o fluxo da prescrição. Pensar assim significaria ignorar a boa-fé nas relações travadas na órbita civil, porquanto é crível a hipótese do titular do direito que só posteriormente vem a tomar ciência da lesão do seu direito.

Por esse motivo, ao adotar a teoria da actio nata, o STJ faz com o princípio da eticidade – que orienta a mens legis do Código Civil ao lado dos princípios correlatos da operabilidade e sociabilidade – influencia o instituto da prescrição, de modo a fixar que mesmo na extinção de relações jurídicas é preciso proceder com lealdade e boa fé, não se podendo admitir que o titular do direito seja punido por uma inércia a que não deu causa, em face do desconhecimento da violação ou lesão ao seu direito subjetivo.    

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.

BRASIL. Lei 6.194, de 19 de dezembro de 1974. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 – Terceira Turma, REsp 220080/SP, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, j. 11/04/2000, DJ 29/05/2000, p. 150. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.          

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T4 – Quarta Turma, AgRg no REsp 329479/SP, Rel. Ministro Sálvio De Figueiredo Teixeira, j. 09/10/2001, DJ 04/02/2002, p. 393. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.     

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1084883/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 16/11/2010, p. DJe 02/12/2010. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.           

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T2 – Segunda Turma, REsp 1.213.662/AC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 07/12/2010, p. DJe 03/02/2011. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.       

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T2 – Segunda Turma, REsp 1.248.981/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/09/2012, p. DJe 14/09/2012. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.          

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T4 – Quarta Turma, AgRg no AREsp 269.587/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 09/04/2013, DJe 17/04/2013. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.           

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T3 – Terceira Turma, AgRg no REsp 173.988/GO, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 06/08/2013, p. DJe 19/08/2013. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.           

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, T2 – Segunda Turma, REsp 1.257.387/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 05/09/2013, p. DJe 17/09/2013. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.           
 
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, súmula 278. Segunda Seção, j. 14/05/2003, p. DJ 16/06/2003, p. 416. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 27 de mai. 2014.