quarta-feira, 29 de novembro de 2017

RT COMENTA: PROCESSO CIVIL - Prazos processuais


Questão:
Na fase de cumprimento de sentença, litisconsortes com diferentes procuradores têm prazo em dobro para efetuar o pagamento voluntário do débito? 

É sabido que o art. 523 do CPC, ao dispor sobre o cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, fixa que o executado será intimado para pagar o débito no prazo de 15 dias em três hipóteses:

1) condenação em quantia certa;

2) já fixada em liquidação; ou

3) decisão sobre parcela incontroversa.

Caso o executado não pague o débito voluntariamente no prazo de 15 dias, dar-se-á o acréscimo de multa e de verba honorária de 10% sobre o montante da condenação (CPC, art. 523, § 1º).
Ocorre que, na fase de cumprimento de sentença, pode ocorrer litisconsórcio entre os executados. Pode suceder ainda de esses litisconsortes devedores serem representados por diferentes procuradores em juízo. Nessa circunstância, o Código não deixa claro se se aplicaria o prazo em dobro para as manifestações da defesa dos executados, tal como previsto do art. 229 do CPC. In verbis:
Art. 229.  Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo outribunal, independentemente de requerimento.§ 1o Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles.§ 2o Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos.
Ao julgar o REsp 1693784, a Quarta Turma do STJ dirimiu a dúvida. Considerou tempestivo o pagamento voluntário de débito realizado dentro de 30 dias úteis após a intimação, e em valor menor do que o fixado em sentença, por empresa que atuava em litisconsórcio no qual cada parte era representada por advogado próprio. Na oportunidade, o colegiado também determinou que a multa de 10% incidisse apenas sobre o valor remanescente a ser pago pelos devedores.
Com base nesse raciocínio, o depósito judicial, para pagamento do débito, feito pela empresa fora do prazo de 15 dias, foi considerado tempestivo. Aplicou-se, assim, a previsão de prazo em dobro para litisconsortes com procuradores distintos (CPC, art. 229) na fase de cumprimento de sentença, haja vista a inacessibilidade simultânea aos autos físicos ter recomendado a adoção do privilégio da duplicação do prazo.
Dessa maneira, conclui-se que, para o STJ, uma vez constatado nos autos que as partes têm diferentes procuradores, impõe-se duplicar o prazo para a prática de ato processual. Logo, ressalvados os casos em que a lei excepciona explicitamente a duplicação dos prazos – tal qual no âmbito dos embargos à execução (CPC, art. 915, § 3º) -, a regra do art. 229 deve ser observada, mesmo que se trate de fase de cumprimento de sentença.

sábado, 11 de novembro de 2017

RT COMENTA: PROCESSO CIVIL - Juizados Especiais Cíveis e Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (LC 123/06)



Pergunta do leitor:
Professor, uma microempresa pode pedir indenização contra uma empresa no Juizado Especial Cível?

Para responder a essa interrogante, é preciso antes averiguar como funciona a legitimação ativa para demandar perante os Juizados.
É sabido que a Lei 9.099/95, ao instituir o Juizado Especial Cível e Criminal, fê-lo orientando-se pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação (art. 2º).
Dessa forma, coerente com seu propósito de facilitar o acesso à Justiça, estabeleceu regras especiais que se voltam a facilitar a resolução das demandas de menor complexidade jurídica, mas também permitir que os hipossuficientes possam socorrer-se do Judiciário, sobrepujando-se, assim, eventuais barreiras econômicas.
O fim de garantir o acesso à Justiça dos hipossuficientes evidencia-se na adoção do instituto do ius postulandi direito para as causas cíveis de valor até 20 salários mínimos (art. 9º), afastando-se a regra geral da capacidade postulatória privativa dos advogados (CPC, art. 103 c/c arts. 1º, I, e 3º, caput, da Lei 8.906/94). Mas não se esgota nesse aspecto, pois a hipossuficiência estende-se também às pessoas jurídicas.
Obviamente, não é toda pessoa jurídica que será considerada como hipossuficiente e, portanto, apta a litigar perante os Juizados. É preciso que, à luz do Direito Empresarial, a PJ qualifique-se como microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP).
A qualificação de uma sociedade empresária como ME ou EPP fica na dependência do adimplemento dos requisitos previstos no art. 3º do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (LC 123/06). Ademais, a própria pessoa natural, quando portadora de CNPJ sob a qualificação de "microempreendedor individual" (MEI), também passa a gozar de especial proteção, razão pela qual, desde o advento da Lei Complementar 147/14, reconhece-se o seu direito de postular perante os Juizados.    
Desse modo, sobre a legitimidade ativa nos processos dos Juizados Especiais, é possível estabelecer o seguinte esquema, a partir do art. 8º da Lei 9.099/95:

► Não podem ser partes:
1)      incapaz;
2)      preso;
3)      pessoas jurídicas de direito público;
4)      empresas públicas da União;
5)      massa falida;
6)      insolvente civil.

► Podem ser partes:
1)      pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas;
2)      pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (LC 123/06);
3)      pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei da OSCIP (Lei 9.790/99);
4)      sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1º da Lei 10.194/01. 

Portanto, o MEI e as ME e EPP têm legitimidade ativa para postular perante os Juizados Especiais Cíveis.
No entanto, especificamente no que diz respeito às MEs e EPPs, é preciso frisar que “O acesso da microempresa ou empresa de pequeno porte no sistema dos juizados especiais depende da comprovação de sua qualificação tributária atualizada e documento fiscal referente ao negócio jurídico objeto da demanda.” (FONAJE, enunciado nº 135)

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

RT COMENTA: PROCESSO CIVIL - Teoria das Nulidades e Ação de usucapião



 Questão:
A falta de citação dos confinantes gera nulidade absoluta ou relativa em processo de usucapião?


A exigência de citação dos confinantes ia ao encontro da finalidade secundária da sentença declaratória da usucapião, qual seja, promover a demarcação de terras. De fato, a sentença que reconhece a prescrição aquisitiva põe-se a demarcar a área usucapida. Mas não apenas isso. Ainda que implicitamente, ela demarca também a dos imóveis vizinhos, contíguos, confinantes.

Com o advento do CPC-2015, todo o rito especial da ação de usucapião de terras particulares foi revogado (art. 1.046, caput), salvo por uma única regra: a da citação dos confinantes.

Assim, eis o teor do art. 246, § 3º, do CPC está a dispor:

Art. 246...............
§3º Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada. 

Questão interessante consiste em saber se a não citação do confinante seria causa suficiente para a arguição de nulidade absoluta. Mas, para resolver essa interrogante, é preciso recordar antes um pouco dos conceitos do sistema de invalidades no processo civil.   

Como é sabido, no plano processual do sistema de invalidades, a nulidade constitui o vício que macula o ato procedimental que é praticado com inobservância de um determinado requisito de validade. Esse desrespeito à forma prevista em lei pode acarretar o surgimento de dois tipos de nulidades: absoluta ou relativa. Na primeira, ocorre a não observância da forma prescrita em lei por força do interesse público; na segunda, dá-se o mesmo movimento, porém, contra forma instituída no interesse das partes. Ademais, enquanto a nulidade absoluta pode ser decretada de ofício pelo juiz a qualquer tempo no curso do processo, a relativa fica a depender de alegação da parte interessada na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, sob pena de preclusão temporal (CPC, art. 279, caput).   

No caso concreto que chegou ao STJ por meio do REsp 1432579, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ao analisar apelação contra sentença que reconheceu a usucapião de imóvel rural no interior do estado, decretara de ofício a nulidade decorrente da inexistência de citação dos cônjuges dos vizinhos.

No entanto, não foi esse o entendimento abraçado pelo STJ. Diversamente do tribunal mineiro, o Tribunal Superior, nos autos do REsp 1432579, acolheu a posição segundo a qual, posto que seja recomendada a citação dos confinantes e seus respectivos cônjuges, o vício decorrente da sua ausência do ato citatório não é causa de nulidade absoluta do processo. Por outras palavras, o STJ entendeu que a falta de citação dos confinantes configura mera nulidade relativa.

A consequência prática desse posicionamento para a parte interessada é dupla: de um lado, se a nulidade não for arguida em tempo hábil, precluirá; de outro, terá de desincumbir-se do ônus de comprovar o prejuízo sofrido com a nulidade apontada. No caso específico dos processos de usucapião, o prejuízo diz respeito à defesa dos limites da propriedade confrontante, porquanto toda a sentença de usucapião possua, além da finalidade precípua de declarar a aquisição originária da propriedade pelo decurso do tempo, uma finalidade secundária, sub-reptícia, de caráter demarcatório (pretensão delimitatória contra os confinantes).