quarta-feira, 15 de agosto de 2012

NOTAS SOBRE O RITO ABREVIADO NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE: o caso das ADIs 4828 e 4830

Min. Dias Toffoli do STF

Introdução


          No último dia 24 de julho de 2012, a chefe do Poder Executivo Federal promulgou o Decreto nº 7.777. Na ementa do ato, lê-se o seguinte: “Dispõe sobre as medidas para a continuidade de atividades e serviços públicos dos órgãos e entidades da administração pública federal durante greves, paralisações ou operações de retardamento de procedimentos administrativos promovidas pelos servidores públicos federais.”

          Basicamente, o teor do referido decreto visa a sobrepujar as consequências deletérias que o movimento paredista de diversas categorias de trabalhadores federais do País estão a causar para a economia e para os serviços públicos de uma maneira geral.
  
          Nesse contexto, dispõe o art. 1º do Decreto 7.777/12:

Art. 1º  Compete aos Ministros de Estado supervisores dos órgãos ou entidades em que ocorrer greve, paralisação ou retardamento de atividades e serviços públicos:
I - promover, mediante convênio, o compartilhamento da execução da atividade ou serviço com Estados, Distrito Federal ou Municípios; e
II - adotar, mediante ato próprio, procedimentos simplificados necessários à manutenção ou realização da atividade ou serviço

          A ideia, portanto, é utilizar os serviços de servidores dos demais entes federados, mediante regime de convênio, pretextando a necessidade de continuidade dos serviços públicos – o que, indiretamente, implica neutralizar as consequências das paralisações organizadas pelos movimentos grevistas. Prova disso é que os convênios, celebrados nos termos do decreto, encerrar-se-ão com o término da greve, paralisação ou operação de retardamento e a regularização das atividades ou serviços públicos (art. 3º).

          Está-se, por evidente, diante de decreto de urgência. E urgente tem de ser a ação do Poder Judiciário na resolução dos conflitos envolvendo a possível descontinuidade da prestação de serviços públicos quando em confronto com o direito social de greve dos trabalhadores brasileiros.

          Assim é que o decreto supracitado rapidamente foi impugnado mediante o ajuizamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade: ADI 4.828/DF e ADI 4.830/DF. Em ambas, os requerentes apresentaram-nas com pedido de “medida liminar”. Daí surge a dúvida: qual o significado das “liminares” no procedimento das ADIs submetidas ao Supremo Tribunal Federal?

          A questão envolve processo constitucional no controle de constitucionalidade e remete até mesmo à discussão competencial. Isso porque a CF/88 expressamente previu que o STF tem competência para julgar as medidas cautelares nas ADIs. Vejamos:


Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
                                                 (...)
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;



          O pedido de medida cautelar referido no texto constitucional reporta-se às medidas que são concedidas previamente à resolução do mérito nas ações diretas de inconstitucionalidade. Normalmente, o pedido veiculado em ADI deve ser julgado pelo Pleno do STF, após apresentada a petição inicial contendo o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos que dão suporte a cada uma das impugnações. Ocorre que é previsível a incapacidade que os onze ministros da Suprema Corte têm para julgar com a celeridade desejável todas as demandas em processos de índole objetiva que lhes são submetidas na via do controle abstrato de constitucionalidade, sobretudo considerando que o STF também conjuga funções de tribunal de última instância (órgão de revisão), quando os ministros são chamados a julgar processos de índole subjetiva.

          É nessa toada que se afigura estratégico o pedido de medida cautelar a ser concedida liminarmente. Ao fazê-lo, o legitimado ativo para a ADI tem por escopo suspender a eficácia da norma objeto do controle, de maneira a desfazer a presunção de constitucionalidade que milita em favor dos atos do Poder Público. Mas o desfazimento que se pretende aqui não pode esperar, devendo ser imediato, pois só assim será possível garantir a eficácia do provimento final. Logo, para que seja concedida a medida cautelar in limine é preciso que haja efetiva comprovação do fumus boni iuris e do periculum in mora desencadeado pelo ato impugnado. Numa palavra, é preciso que se cuide de uma situação urgente.

          No plano infraconstitucional, a Lei 9.868/99 (Lei das ADIs) estabelece o procedimento a ser adotado quando da análise do pedido de medida cautelar nas ações diretas inconstitucionalidade. Colaciono o art. 10 do diploma:

Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.
§ 1o O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.
§ 2o No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal.
§ 3o Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.



          Da leitura do dispositivo, algumas conclusões podem ser extraídas. A primeira delas é a regra segundo a qual a medida cautelar na ADI será concedida por decisão da maioria absoluta dos ministros do STF (6 ministros),  contanto que presentes 2/3 dos seus membros, isto é, oito ministros (art. 22). A regra a que aludo, todavia, encontra-se excepcionada relativamente a duas hipóteses: períodos de recesso e casos de excepcional urgência. Em tais circunstâncias, a concessão da medida cautelar poderá ser feita monocraticamente. Porém, é preciso diferençar as hipóteses:

a)   medida cautelar em períodos de recesso: compete ao presidente do STF conceder a liminar, ad referendum do Plenário;

b)   medida cautelar em caso de excepcional urgência: por exclusão, são todos os casos ocorrentes fora do período de recesso da Corte, quando o STF admite, excepcionalmente, seja concedida a liminar pelo relator em decisão monocrática.     

          Essa última hipótese, inclusive, encontra amparo no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal no que concerne às atribuições do ministro relator nas demandas submetidas à Corte, senão vejamos:

Art. 21 - São atribuições do Relator:
(...)
IV - submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos da competência respectiva, medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa;
V - determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, "ad referendum" do Plenário ou da Turma;



          Casos há, todavia, em que a medida liminar não será apreciada pelo STF. São hipóteses nas quais o ministro relator, diante do pedido de medida cautelar, reconhece existir na demanda uma importância de tal monta para a sociedade que a verificação da incompatibilidade do ato objeto do controle com o parâmetro constitucional impende incontinenti ao Plenário da Tribunal. Trata-se daquilo que a doutrina constitucionalista designa por “rito abreviado” no processamento das ADIs. Sua previsão está na Lei 9.868/99 nos termos seguintes:

Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

          Portanto, sempre que o relator, em razão da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e para a segurança jurídica, entender deva ser aplicado o procedimento abreviado do art. 12 da Lei 9.868/99, a análise do pedido de medida cautelar em sede de ação direta de inconstitucionalidade será dispensada, encaminhando-se a decisão diretamente ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, a fim de que ela seja tomada em caráter definitivo.

          Foi exatamente assim que procedeu o Min. Dias Toffoli, relator das ADI 4.828/DF e ADI 4.830/DF, ajuizadas com o fim de impugnar o Decreto 7.777, de 24 de julho de 2012. Em ambas as ações, entendeu o relator estar diante de situação passível de enquadramento no art. 12 do diploma infraconstitucional acima citado, dado o teor das alegações envolverem, sumamente, o suposto cerceamento do direito fundamental de greve dos trabalhadores brasileiros do serviço público (CF, art. 9º c/c art. 37, VII) pelo ato do Poder Executivo Federal atacado.

          Com isso, o relator solicitou informações ao requerido (in casu, a Presidente da República), no prazo de dez dias, bem como a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, de modo a remeter as ADIs 4.828/DF e 4.830/DF diretamente ao Plenário, ultrapassando, dessa feita, o exame do pedido de medida cautelar em ADI.