sábado, 30 de julho de 2016

RT COMENTA: PROCESSO PENAL - Assistente de acusação



1 - Questão:
O assistente de acusação pode recorrer quando o Ministério Público não tiver interposto recurso ou tenha pedido a absolvição do réu?
 
No Processo Penal brasileiro, a Constituição de 1988 cuidou de estabelecer algumas regras básicas. Entre elas, encontra-se aquela que prevê que o Ministério Público tem, como função institucional, promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (CF, art. 129, I).

Por força dessa norma constitucional é que se afirma que, de ordinário, o Ministério Público é o titular da ação penal. Mas essa não é uma regra de caráter absoluto. Prova disso é que a própria Constituição tratou de excepcioná-la no art. 5º, LIX, que conta com a redação seguinte:

Art. 5º omissis

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;    

A exceção prevista no inc. LIX do art. 5º da Constituição demonstra a disposição do sistema jurídico pátrio em admitir, excepcionalmente, ao lado do titular da ação penal, a atuação do particular (ofendido) dentro do processo criminal.

Sendo assim, existem três hipóteses nas quais o ofendido atuará diretamente dentro do Processo Penal brasileiro:

1)      Ação penal de iniciativa privada (ou ação penal privada);

É a hipótese na qual o ofendido (vítima) atua como titular da ação penal. A ação é pública, mas sua iniciativa, por escolha legislativa, é atribuída ao particular em determinados casos. Por exemplo: nos crimes contra a honra, em regra, a ação penal é de iniciativa privada (CP. art. 145).    

A ação penal de iniciativa privada é denominada de queixa-crime. Sua previsão legal encontra-se nas normas seguintes:

CP

Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

(...)

§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.   

§ 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.  

CPP

Art. 30.  Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

       Art. 31.  No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

2)     Ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública (ou ação penal privada subsidiária da pública);

É a hipótese na qual o sistema jurídico permite o ajuizamento, pelo ofendido, de ação de iniciativa privada em crimes de ação pública, caso o titular da ação penal venha a quedar-se inerte, isto é, caso o Ministério Público não ajuíze a ação penal pública no prazo legal.  

Essa possibilidade de atuação no processo criminal é atribuída ao particular pelos seguintes dispositivos legais e constitucionais:

CF

Art. 5º omissis

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;    


CP

Art. 100

§ 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.


CPP

Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

3)     Assistente de acusação (ou assistente do Ministério Público).

É a hipótese na qual o ofendido intervêm no processo criminal com o propósito de assistir o Ministério Público na ação penal ajuizada pelo órgão.

A possibilidade de que o particular venha a habilitar-se no processo como assistente de acusação encontra-se prevista no art. 268 do CPP:

Art. 268.  Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.

Ressalte-se que as hipóteses de admissão do assistente de acusação (ofendido, representante legal ou, na falta, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão), previstas no art. 268 do CPP, correspondem a um rol taxativo (numerus clausus), consoante já decidiu o STJ (grifo meu):

PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SEGURADORA RESPONSÁVEL PELO PAGAMENTO DE DPVAT. INTERVENÇÃO COMO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ROL TAXATIVO DO ART. 268 DO CPP. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A teor do art. 268 do CPP, a legitimidade para figurar como assistente de acusação é restrita ao ofendido, ao seu representante legal ou, na falta, ao seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
2. Não tem legitimidade para figurar como assistente de acusação, em ação penal pública deflagrada para apurar falsificação de documento particular e apropriação indébita, seguradora responsável pelo pagamento de DPVAT, quando não for sujeito passivo dos crimes narrados e não tiver comprovado, mediante prova inequívoca, a ocorrência de prejuízo, ainda que de forma reflexa, aos seus cofres.
3. Não houve fraude para induzir a seguradora a pagar o DPVAT, o seguro era devido em decorrência de sinistro e não há possibilidade de a ora recorrente ser demandada para pagá-lo em duplicidade, pois depositou o numerário em juízo cível e o alvará foi levantado por advogado legalmente constituído, com poderes para receber e dar quitação em nome da segurada.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.
(STJ, Sexta Turma, RMS 41.052/PA, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 23/06/2015, p. DJe 03/08/2015).    

Após a ouvida do Ministério Público (CPP, art. 272), o juiz decidirá sobre a admissão do assistente, que poderá ser admitido nos autos enquanto a sentença não transitar em julgado e receberá a causa no estado em que se achar (CPP, art. 269).

Uma vez declarado habilitado, o ofendido, devidamente representado por advogado, e já na condição de assistente, estará autorizado a praticar os atos processuais discriminados no art. 270 do CPP:

Art. 271.  Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598.

§ 1º  O juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá acerca da realização das provas propostas pelo assistente.

§ 2º  O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente, quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do julgamento, sem motivo de força maior devidamente comprovado.

Novamente, o STJ entende que o rol de poderes processuais do art. 271 do CPP é taxativo, conforme o acórdão lavrado no REsp 604.379/SP (grifo meu):

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. CORREIÇÃO PARCIAL. ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO. ILEGITIMIDADE. RECURSO PROVIDO.
I. O rol do art. 271 do CPP é taxativo, de forma que o assistente da acusação exerce os poderes estritamente dentro dos limites conferidos por este dispositivo legal.
II. Os poderes para interpor e arrazoar os recursos restringem-se aos previstos nos dispositivos legais referidos na Lei Adjetiva Penal, quais sejam, recurso em sentido estrito e recurso de apelação, de maneira que a correição parcial encontra-se fora de suas atribuições legais.
III. Ilegitimidade do assistente da acusação para interposição de correição parcial.
IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(STJ, Quinta Turma, REsp 604.379/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 02/02/2006, p. DJ 06/03/2006).    

Interpretando os poderes processuais do assistente de acusação dentro do Processo Penal brasileiro, sobretudo no que diz respeito à recorribilidade das decisões, o STF, desde 1963, conta com o enunciado nº 210 na sua súmula de jurisprudência não vinculante:


O assistente do ministério público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do código de processo penal.

Pois foi justamente com base na tese jurídica (ratio decidendi) desse enunciado que o STF veio a reconhecer que, quando o titular da ação penal não recorre da decisão que absolve o réu, ou mesmo quando o Ministério Público pede a absolvição do acusado, a legitimidade do assistente de acusação não é anulada ou prejudicada. Logo, ele está perfeitamente legitimado a recorrer da sentença absolutória.

Eis o acórdão:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO PARA RECORRER DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IRRELEVÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. A assistente de acusação tem legitimidade para recorrer da decisão que absolve o réu nos casos em que o Ministério Público não interpõe recurso. 2. Aplicação da Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal: "O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do Código de Processo Penal". 3. A manifestação do promotor de justiça, em alegações finais, pela absolvição da Paciente e, em seu parecer, pelo não conhecimento do recurso não altera nem anula o direito da assistente de acusação recorrer da sentença absolutória. 4. Ordem denegada.
(STF, Tribunal Pleno, HC 102.085/RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 10/06/2010, p. DJe 26/08/2010).    

Em julgado posterior, o STF repisou seu entendimento que reconhece a legitimidade do assistente de acusação para recorrer quando o Ministério Público não interpuser o recurso cabível (grifo meu):

Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal. Crime de lesão corporal (art. 129, § 2º, incisos III e IV, do Código Penal). Condenação. Recurso de apelação agitado pelo assistente de acusação. Legitimidade. Enunciado da Súmula nº 210 desta Corte. Precedentes. 1. O julgado impugnado está em perfeita harmonia com a jurisprudência desta Suprema Corte, que assentou a legitimidade do assistente de acusação para recorrer da sentença caso o Ministério Público se quede inerte (HC nº 100.243/BA, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 25/10/10). 2. Recurso não provido.
(STF, Primeira Turma, HC 107.714/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 10/05/2011, p. DJe 29/07/2011).    

A posição do STF, como não poderia deixar de ser, influenciou a jurisprudência do STJ, que passou a admitir que o assistente de acusação pode recorrer da decisão do júri popular mesmo que o Ministério Público tenha se manifestado pela absolvição do réu.

Trago um acórdão recente para o leitor, que confirma a minha afirmação (grifo meu):

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO EM PLENÁRIO. CONFIRMAÇÃO PELO JÚRI. APELAÇÃO. INTERPOSIÇÃO PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. LEGITIMIDADE. DECISÃO DOS JURADOS MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. SUBMISSÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO. ADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O assistente de acusação possui legitimidade para interpor recurso de apelação, em caráter supletivo, nos termos do art. 598 do CPP, ainda que o Ministério Público tenha requerido a absolvição do réu em plenário. 2. O Código de Processo Penal, em seu art. 593, §3º, garante ao Tribunal de Apelação o exame, por única vez, de conformidade mínima da decisão dos jurados com a prova dos autos. Não configura desrespeito ou afronta à soberania dos veredictos o acórdão que, apreciando recurso de apelação, concluiu pela completa dissociação do resultado do julgamento pelo Júri com o conjunto probatório produzido durante a instrução processual, de maneira fundamentada. Precedentes do STJ e do STF. 3. Para a revisão do critério de valoração das provas adotado pelo Tribunal a quo, necessária seria a incursão aprofundada no material cognitivo produzido perante o juízo de primeira instância, o que se mostra incabível na via recursal. 4. Recurso improvido
(STJ, Quinta Turma, HC 157.630/SP, Rel. Min. Néfi Cordeiro, j. 28/04/2015, p. DJe 24/06/2015).   

Em conclusão, temos que, segundo a jurisprudência do STF e do STJ, a legitimidade para recorrer do assistente de acusação é ampla, afigurando-se legítima a interposição de recurso de sua autoria nas seguintes hipóteses:

1)      Ministério Público não interpôs recurso da sentença;

2)      Ministério Público pediu absolvição do réu no curso do rito ordinário;

3)      Ministério Público pediu absolvição do réu no rito do tribunal do júri.

Portanto, no Processo Penal brasileiro, o assistente de acusação está legitimado a recorrer quando o Ministério Público não tiver interposto recurso ou tenha pedido a absolvição do réu.


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sexta-feira, 29 de julho de 2016

RT COMENTA: PROCESSO PENAL - Provas


► Pergunta do leitor:
Professor, é possível a caracterização do crime de estupro sem a realização do exame de corpo de delito da vítima?

A interrogante do leitor está a encerrar um tema que, no passado, foi polemista nos tribunais brasileiros. O exame de corpo de delito, como é cediço, corresponde à investigação de peritos, especializados em conhecimento de caráter técnico-científico, que analisam a existência de vestígios materiais deixados pela prática delituosa. O conjunto desses vestígios constitui o “corpo do delito” propriamente dito e sua importância, no campo processual, está relacionada com a comprovação da autoria e da materialidade da infração penal.

Na sistemática do Código de Processo Penal brasileiro, o exame de corpo de delito está a funcionar como meio de prova que, de ordinário, reputa-se indispensável. É o que prescreve o art. 158 do CPP:

Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Nesse contexto, a controvérsia instalava-se pela corrente doutrinária que advogava a tese da imprescindibilidade do exame de corpo de delito da vítima nos crimes sexuais, a aplicar a regra do art. 158 do CPP sem qualquer ressalva. Acorde com esse pensamento, a tipificação do crime de estupro (CP, art. 213), por exemplo, não se completaria validamente sem a realização do exame de corpo de delito na vítima, haja vista tratar-se de meio de prova indispensável à comprovação da autoria e da materialidade delitivas. Em consequência disso, caso não se tivesse, por qualquer motivo, realizado a análise dos vestígios materiais deixados pelo estupro, a ausência de laudo pericial conclusivo recomendaria de per si a absolvição do réu.  

Atualmente, todavia, essa tese defensiva já se encontra superada.
 
Com efeito, no repositório de jurisprudência criminal do STF e do STJ, o entendimento prevalecente é no sentido de que, em se tratando de crimes contra a dignidade sexual, é preciso reconhecer que o seu modus operandi típico é diferenciado pela sua clandestinidade, a acarretar especial dificuldade na colheita de vestígios materiais (às vezes, sequer sobram vestígios sensíveis do delito). Com isso, os tribunais devem atribuir à palavra da vítima um valor probatório diferenciado, uma carga probante mais acentuada no Processo Penal.
 
Exemplificativamente, no crime de estupro, o julgador deve considerar que a clandestinidade com que se opera ordinariamente a sua consumação acentua a dificuldade na verificação de testemunhas ou de vestígios materiais, em tudo a contribuir para que o juízo de tipicidade prescinda de laudo pericial. Desse modo, a regra do art. 158 do CPP deve ceder diante das circunstâncias peculiarizadas que cercam a perpetração do estupro – quase sempre praticado pelo agente criminoso de maneira furtiva, às escondidas.    

A fim de demonstrar o posicionamento do STF e do STJ nessa matéria, separei para o leitor os acórdãos a seguir (grifos meus):

ESTUPRO - EXAME DE CORPO DE DELITO - PROVA - DEPOIMENTO DA VÍTIMA. Sendo a vítima mulher que não era virgem, casada e mãe de filhos, dispensável e o exame do corpo de delito. A existência de sêmen na vagina não e essencial a configuração do delito, no que pressupõe o constrangimento de mulher a conjunção carnal, mediante violência. A prova testemunhal e de difícil desenvolvimento, por tratar-se de evento raramente presenciado. Potencializa-se o depoimento da vítima, não cabendo perquirir, para efeito desimplificação, a conduta cotidiana. O fato de tratar-se de meretriz nada representa, mormente quando as pessoas ouvidas deixaram esclarecido que o agente, ameacando-a com arma de fogo, obrigou-a a dirigir-se, despida, a determinado comodo, enquanto os demais participes efetuavam o roubo.
(STF, Segunda Turma, HC 68704/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 10/09/1991, p. DJ 04/10/1991).    
 
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ESTUPRO. ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. SEXO ORAL. EXAME PERICIAL. DESNECESSIDADE. CRIME QUE NÃO DEIXA VESTÍGIOS. PALAVRAS DAS VÍTIMAS. VALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. Nos termos do artigo 158 do Código de Processo Penal, "quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado".
3. Consistindo o ato sexual na prática de sexo oral nas ofendidas e no mesmo contexto em relação ao paciente, e, constatado não ter a prática deixado vestígios materiais, desnecessária a determinação de exame pericial, diante de sua irrelevância para verificação da materialidade delitiva.
4. "A jurisprudência pátria é assente no sentido de que, nos delitos
de natureza sexual, por frequentemente não deixarem vestígios, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado" (REsp. 1.571.008/PE, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, Dje 23/2/2016).
5. Habeas Corpus não conhecido.
(STJ, Quinta Turma, HC 301380/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 14/06/2016, p. DJe 21/06/2016).    
 
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTUPRO. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. SÚMULAS 7 E 83/STJ.
1. A ausência de laudo pericial conclusivo não afasta a caracterização de estupro, porquanto a palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade, testemunhas ou vestígios.
2. O decisum exarado pelo Tribunal de origem bem assim os argumentos da insurgência em exame firmaram-se em matéria fático-probatória, logo, para se aferir a relevância do laudo referente ao corpo de delito ou contraditar o consistente depoimento da vítima, ter-se-ia de reexaminar o acervo de provas dos autos, o que é incabível em tema de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.
3. A tese esposada pelo Tribunal local consolidou-se em reiterados julgados da Sexta Turma deste Tribunal - Súmula 83/STJ.
4. Na via especial, o Superior Tribunal de Justiça não é sucedâneo de instâncias ordinárias, sobretudo quando envolvida, para a resolução da controvérsia (absolvição do agravante acerca da imputação de estupro, nos termos do art. 386 do CPP), a apreciação do acervo de provas dos autos, o que é incabível em tema de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.
5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
6. Agravo regimental improvido.
(STJ, Quinta Turma, AgRg no AREsp 160961/PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26/06/2012, p. DJe 06/08/2012).    
 
Em suma, é perfeitamente possível a caracterização do crime de estupro sem a realização do exame de corpo de delito da vítima.
 

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RT COMENTA: DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL - Registro civil de óbito



► Pergunta do leitor:
 

Professor, quando uma pessoa morre no Brasil, o titular do cartório, onde é feito o registro de óbito, deve comunicar esse fato a outros órgãos públicos?

Nos marcos do Direito Notarial e Registral brasileiro, sempre que alguém morre, o falecimento enseja a lavratura de um assento de óbito, que fica sob a responsabilidade do oficial de registro do lugar do falecimento, conforme o art. 77, caput, da Lei 6.015/76 (Lei de Registros Públicos – LRP):

Art. 77 - Nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.     
  
O evento morte, então, por se tratar de fato jurídico, deverá ser anotado, com as remissões recíprocas, nos assentos de casamento e nascimento do extinto, consoante prevê o art. 107 da LRP:
Art. 107. O óbito deverá ser anotado, com as remissões recíprocas, nos assentos de casamento e nascimento, e o casamento no deste.           

Na sistemática da Lei de Registros Públicos brasileira, o dispositivo acima representa uma consequência peculiarizada de uma regra anterior, prevista no art. 106. Vejamo-la:
Art. 106. Sempre que o oficial fizer algum registro ou averbação, deverá, no prazo de cinco dias, anotá-lo nos atos anteriores, com remissões recíprocas, se lançados em seu cartório, ou fará comunicação, com resumo do assento, ao oficial em cujo cartório estiverem os registros primitivos, obedecendo-se sempre à forma prescrita no artigo 98.
Parágrafo único. As comunicações serão feitas mediante cartas relacionadas em protocolo, anotando-se à margem ou sob o ato comunicado, o número de protocolo e ficarão arquivadas no cartório que as receber.
 
A redação truncada da norma está a estabelecer genericamente que, sempre que o oficial de registro fizer algum registro ou averbação, ele deverá, no prazo de 5 dias:

a) anotar, com as remissões recíprocas, o registro ou averbação nos atos anteriores da sua própria serventia; ou

b) caso se trate de informação relativa a um registro que tenha sido lavrado originalmente perante outra serventia (o que a lei designa como “registro primitivo”), comunicar ao oficial do cartório do registro primitivo a anotação ou averbação realizada, mediante um resumo do assento.
 
O legislador considera demasiado importante o dever de o registrador efetuar a comunicação dos registros e averbações a outros cartórios. Prova disso é que os oficiais que incorrerem em omissão ou atraso no cumprimento desse dever sujeitar-se-ão à responsabilidade administrativa, civil e criminal, conforme previsto no art. 108 da LRP:

Art. 108. Os oficiais, além das penas disciplinares em que incorrerem, são responsáveis civil e criminalmente pela omissão ou atraso na remessa de comunicações a outros cartórios. 

O dever de o registrador comunicar as anotações que fizer, bem como a responsabilidade disciplinar que decorre da omissão ou do atraso, é ainda reforçada pelo arts. 30, X, e 31, I, da Lei 8.935/94 (Lei dos Cartórios):

Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:

[...]

X - observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício;


Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

I - a inobservância das prescrições legais ou normativas;

II - a conduta atentatória às instituições notariais e de registro;

III - a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência;

IV - a violação do sigilo profissional;

V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.

Especificamente no que diz respeito ao dever de comunicação do assento de óbito, a questão não se esgota nas regras dos arts. 106 e 107 da LRP.

Com efeito, a partir de uma análise global do ordenamento jurídico brasileiro, podemos extrair que, diante da extinção da pessoa natural, compete ao oficial de registro da serventia realizar a comunicação do óbito em 3 outras hipóteses, a saber:

1) Comunicação do óbito à Receita Federal e à Secretaria de Segurança Pública do local onde o falecido tenha expedido a sua carteira de identidade;

Essa comunicação tem o objetivo de evitar que os documentos do falecido (RG, CPF) sejam usados para a prática de delitos.

Trata-se de dever previsto na Lei 6.015/73 - LRP (art. 80, parágrafo único, com a redação dada pela Lei 13.114/15);

LRP, art. 80, parágrafo único. O oficial de registro civil comunicará o óbito à Receita Federal e à Secretaria de Segurança Pública da unidade da Federação que tenha emitido a cédula de identidade, exceto se, em razão da idade do falecido, essa informação for manifestamente desnecessária.

2) Comunicação do óbito à Justiça Eleitoral para fins de cancelamento do título de eleitor;

Como o falecimento do eleitor é causa de cancelamento do título (CE, art. 71, IV), essa comunicação tem o objetivo de permitir que a Justiça Eleitoral proceda ao cancelamento do título do eleitor morto.

Trata-se de dever previsto no Código Eleitoral (art. 71, § 3º), que deve ser observado no prazo de 15 dias, sob pena de o oficial responder pelo crime eleitoral do art. 293 do CE (Perturbar ou impedir de qualquer forma o alistamento);

CE, art. 71, § 3º Os oficiais de Registro Civil, sob as penas do Art. 293, enviarão, até o dia 15 (quinze) de cada mês, ao juiz eleitoral da zona em que oficiarem, comunicação dos óbitos de cidadãos alistáveis, ocorridos no mês anterior, para cancelamento das inscrições.

3) Comunicação do óbito ao INSS para fins de cancelamento de benefício previdenciário:

Coerente com a obrigação legal que o Ministério da Previdência e o INSS têm de manter programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social (Lei 10.666/03, art. 11), essa comunicação tem o objetivo de permitir que a autarquia previdenciária possa cancelar eventual benefício previdenciário que o segurado extinto estivesse a receber na data da sua morte.

Trata-se de dever previsto no art. 68 da Lei 8.212/91 (LCPS), que deve ser observado no prazo que vai até o décimo dia do mês seguinte ao do falecimento, sob pena de o oficial ser multado (art. 68, § 2º, c/c art. 92):

Art. 68. O Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais fica obrigado a comunicar, ao INSS, até o dia 10 de cada mês, o registro dos óbitos ocorridos no mês imediatamente anterior, devendo da relação constar a filiação, a data e o local de nascimento da pessoa falecida. (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 15.4.94) 

§ 1º No caso de não haver sido registrado nenhum óbito, deverá o Titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais comunicar este fato ao INSS no prazo estipulado no caput deste artigo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.870, de 15.4.94).

§ 2º A falta de comunicação na época própria, bem como o envio de informações inexatas, sujeitará o Titular de Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais à penalidade prevista no art. 92 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.476, de 23.7.97)  

RT COMENTA: PROCESSO CIVIL - Extinção da execução

 
Questão:

No Direito Processual Civil, no bojo do processo de execução, quais as consequências da inércia do credor? A inércia do credor, por si só, autoriza o juiz a presumir a satisfação do crédito exequendo? Ou, por outras palavras, o juiz pode declarar extinto o processo de execução pelo pagamento diante da atitude do credor exequente que, apesar de devidamente intimado, vem a quedar-se inerte? O que entende o STJ a esse respeito?

No Código de Processo Civil, as hipóteses de extinção da execução estão previstas no art. 924, in verbis:

Art. 924.  Extingue-se a execução quando:

I - a petição inicial for indeferida;

II - a obrigação for satisfeita;

III - o executado obtiver, por qualquer outro meio, a extinção total da dívida;

IV - o exequente renunciar ao crédito;

V - ocorrer a prescrição intercorrente.

Basicamente, as interrogantes estão a versar sobre o processo de execução. Fala-se em extinção do processo executivo após deflagrado o entendimento presumido de que a dívida teria sido quitada por força da inércia do credor. Diante disso, a hipótese que se está a invocar é a do inc. II do art. 924, isto é, a extinção que ocorre como “consequência natural” da obrigação exequenda satisfeita.   
 
Nesse passo, uma primeira questão jurídica relevante consiste em saber se, na hipótese em que tenha havido crédito exequendo remanescente, é possível presumir a quitação da dívida apenas com base no silêncio do credor frente aos atos do executado direcionados à satisfação da obrigação. A resposta a essa interrogante é negativa, tal como já definiu o STJ no tema 289 dos recursos especiais repetitivos (grifo meu):

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. INÉRCIA DO EXEQUENTE. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃO DA DÍVIDA. ARTIGO 794, I, DO CPC. ERRO NO CÁLCULO DO VALOR EXECUTADO (EXCLUSÃO DE PARCELA CONSTANTE DA SENTENÇA EXEQUENDA). COISA JULGADA. OCORRÊNCIA. ARTIGO 463, I, DO CPC. RENÚNCIA TÁCITA AO SALDO REMANESCENTE QUE NÃO FOI OBJETO DA EXECUÇÃO. CONFIGURAÇÃO.
1. A renúncia ao crédito exequendo remanescente, com a consequente extinção do processo satisfativo, reclama prévia intimação, vedada a presunção de renúncia tácita.
2. A extinção da execução, ainda que por vício in judicando e uma vez transitada em julgado a respectiva decisão, não legitima a sua abertura superveniente sob a alegação de erro de cálculo, porquanto a isso corresponderia transformar  simples petitio em ação rescisória imune ao prazo decadencial.
3. Deveras, transitada em julgado a decisão de extinção do processo de execução, com fulcro no artigo 794, I, do CPC, é defeso reabrí-lo sob o fundamento de ter havido erro de cálculo.
[...]
5. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ, CE – Corte Especial, REsp 1143471/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 03/02/2010, p. DJe 22/02/2010)

Significa dizer que, na hipótese de extinção da execução pela satisfação da obrigação, prevista no inc. II do art. 924 do CPC-2015 (correspondente ao art. 794, I, do CPC-1973), o juiz deve necessariamente determinar a intimação do credor, a fim de que este possa manifestar-se quanto à adequação e/ou suficiência do ato do executado que está a reclamar a extinção do crédito exequendo.

Uma vez intimado a manifestar-se sobre os atos praticados pelo executado, caso o credor venha a quedar-se inerte, aí a jurisprudência do STJ autoriza presumir que a obrigação, concernente ao crédito exequendo, foi integralmente satisfeita, a acarretar a extinção da execução (grifo meu):

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. VERBAS SUCUMBENCIAIS. DEPÓSITO EFETUADO PELO EXECUTADO. INTIMAÇÃO DO EXEQUENTE POR MEIO DA IMPRENSA OFICIAL. INÉRCIA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU A EXECUÇÃO, COM BASE NO ART. 794, I, DO CPC. ALEGAÇÃO DE DEPÓSITO INSUFICIENTE, EM SEDE DE APELAÇÃO. PRESUNÇÃO DE SATISFAÇÃO DO CRÉDITO. PRECEDENTES.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que "tendo o advogado das partes silenciado e nada requerido após intimados pela impressa oficial para manifestar se ainda havia algo a requerer no processo de execução, correto, pois, o procedimento do magistrado de primeira instância que extinguiu a execução, por presumir, diante da falta de manifestação da exequente, satisfeita a pretensão executória" (EREsp 844.964/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 09/04/2010). Em razão do princípio constitucional da isonomia, que rege a relação processual, esse entendimento, aplicado em favor da Fazenda Pública, também deve ser utilizado quando o particular for o executado.
2. No presente caso, trata-se de execução provisória, referente à verba sucumbencial, logo não há a necessidade da intimação pessoal da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, acerca do depósito efetuado pelo executado, sendo suficiente a intimação do exequente por meio da imprensa oficial.
3. Dessa forma, como consta dos autos, a publicação do despacho dando ciência do depósito e a ausência de impugnação do exequente sobre o valor executado, faz presumir a satisfação da obrigação, impondo-se a extinção do processo, com fundamento no artigo 794, inciso I, do CPC.
4. Agravo regimental não provido.
(STJ, T2 – Segunda Turma, AgRg no AREsp 11147/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 16/08/2011, p. DJe 23/08/2011)

Porém, o que acontece se o credor, devidamente intimado, silenciar sobre a execução em hipótese na qual os elementos trazidos aos autos pelo devedor não induzam a conclusão de que houve o pagamento da obrigação? Essa inércia do credor, por si só, autoriza que o juiz declare extinta a demanda executiva, a presumir o pagamento, mesmo quando não haja elementos nos autos que possam atestar que a obrigação foi satisfeita?

Nesse ponto, o STJ já entendeu que, para extinguir-se a ação executiva pelo pagamento (CPC, art. 924, II), é necessária a comprovação nos autos de que a obrigação foi satisfeita. Desse modo, fica desautorizada a presunção de pagamento pela inércia do credor, salvo nas hipóteses de presunção legal. Exemplificativamente:

1)      CC, art. 322: presunção do pagamento das cotas anteriores quando paga a última cota sucessiva;

Art. 322. Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.

2)      CC, art. 323: presunção do pagamento dos juros, quando há quitação do capital sem reserva destes;

Art. 323. Sendo a quitação do capital sem reserva dos juros, estes presumem-se pagos.

3)      CC, art. 324: presunção do pagamento da dívida representada por título de crédito, quando o devedor estiver na posse da cártula.   

Art. 324. A entrega do título ao devedor firma a presunção do pagamento.

Parágrafo único. Ficará sem efeito a quitação assim operada se o credor provar, em sessenta dias, a falta do pagamento.
 
Nas hipóteses em que a lei autoriza a presunção do pagamento, o juiz pode proceder à extinção da execução pelo pagamento quando o credor, apesar de devidamente intimado, permanece inerte. Porém, quando essa presunção legal inexiste, a inércia do credor, ainda que intimado pessoalmente,  não autoriza de per si a extinção da ação executiva pelo pagamento, se os documentos juntados pelo devedor não se mostrarem aptos a permitir tal conclusão.

Nesse sentido, trago para o leitor o acórdão da Terceira Turma do STJ (grifo meu):

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. REQUISITOS ATENDIDOS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 275, 277 E 354 DO CÓDIGO CIVIL E 148 DA LEI DE FALÊNCIAS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INTIMAÇÃO JUDICIAL. INÉRCIA DO CREDOR. PRESUNÇÃO DE QUITAÇÃO DO DÉBITO. EXTINÇÃO DO FEITO COM BASE NO ART. 794, I, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. 1. A presença de contradição, omissão ou obscuridade justifica o cabimento de embargos de declaração contra qualquer decisão, monocrática ou colegiada. 2. Para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, basta que seja observado o prazo do recurso considerado correto e não se configure a hipótese de erro grosseiro. 3. A falta de prequestionamento dos dispositivos legais apontados como violados impede o conhecimento do recurso especial quanto à questão federal neles tratada. 4. A extinção da execução pelo pagamento requer a necessária comprovação nos autos, estando desautorizada a presunção a seu respeito, salvo nas hipóteses de presunção legal, a exemplo daquelas previstas nos arts. 322, 323 e 324 do Código Civil. 5. Havendo presunção legal, o juiz pode extinguir a execução pelo pagamento se o credor, devidamente intimado – independentemente se de forma pessoal ou por publicação no órgão oficial – a manifestar-se sobre os documentos e alegações do devedor, sob pena de extinção pelo pagamento, quedar-se inerte. 6. Contudo, na falta de presunção legal, nem mesmo a intimação pessoal do credor autoriza a extinção pelo pagamento se os documentos e alegações do devedor não se mostrarem aptos a permitir tal conclusão. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e provido em parte.
(STJ, T3 – Terceira Turma, REsp 1.513.263/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17/05/2016, p. DJe 23/05/2016)

No fundamento jurídico de fundo desse precedente repousa o entendimento de que, na falta de presunção legal, se fosse permitido ao juiz extinguir a execução pelo pagamento, presumindo-o diante da simples inércia do credor, ainda que devidamente intimado, ele estaria a atribuir ao silêncio do exequente uma consequência sem respaldo na lei e, portanto, processualmente inadmissível.

          Logo, para fins de extinção do processo executivo pela satisfação da obrigação (CPC, art. 924, II), é preciso que, paralelamente à inércia do credor, haja lastro probatório mínimo de que o pagamento do crédito exequendo foi efetivamente realizado pelo devedor.    



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