sexta-feira, 22 de abril de 2016

RT COMENTA: PROCESSO DO TRABALHO - Competência para o julgamento de ações de complementação de aposentadoria privada


1 – Questão de prova:
A Justiça do Trabalho é competente para julgar ações ajuizadas contra entidade de previdência privada com o objetivo de obter complementação de aposentadoria?
 
Segundo o STF, não. Esse posicionamento ficou assentado quando do julgamento dos REs 586453/SE e 583050,/RS com repercussão geral reconhecida, nos quais a Suprema Corte brasileira decidiu competir à Justiça Comum julgar processos decorrentes de contrato de previdência complementar privada.

A argumentação esposada pelo STF nesses julgados afirma que a competência para analisar a matéria é da Justiça Comum, em face da inexistência de relação trabalhista entre o beneficiário do plano e a entidade fechada de previdência complementar. Por essa lógica, a competência não poderia ser definida levando-se em consideração o contrato de trabalho já extinto, como ocorria no caso dos REs submetidos à apreciação do Tribunal. Consequentemente, o Plenário concluiu que a relação entre o associado e a entidade de previdência privada não é trabalhista, mas sim previdenciária, disciplinada, por conseguinte, apenas no regulamento das instituições.
 
A posição que pugnou pela competência da Justiça Comum nessas hipóteses considerou o teor do § 2º do art. 202 da CF/88 (com a redação dada pela EC 20/1998), que prevê:
 
Art. 202. omissis 
§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.
 
Esses precedentes foram julgados em 2013, ocasião em que o Pleno do STF fixou também a regra de modulação temporal dos efeitos dessa decisão.
Assim, em se tratando de demandas que tivessem como matéria de fundo a discussão em torno de contratos de previdência privada complementar (o mais das vezes conjugados com pedidos de complementação de aposentadoria), ficou estabelecido que:
 
1) processos que tivessem sentença de mérito proferida até 20/02/2013: a competência permanece na Justiça do Trabalho, que processo e julgamento até o trânsito em julgado e a execução correspondente;
 
2) processos que não tivessem sentença de mérito proferida até 20/02/2013: a competência é da Justiça Comum, para a qual todos os autos seriam remetidos imediatamente (in continenti).
 
Feitas essas considerações, caro leitor, vejamos agora a íntegra desses acórdãos do STF (grifos meus):
Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Recurso provido para afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda - Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do recurso (20/2/13). 1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. 2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria. 4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013). 5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio. (STF, Pleno, RE 586.453/SE,  Repercussão Geral, Rel. Min. Elen Gracie, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli,  j. 20/02/2013, DJe 06/06/2013)
 
Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Competência da Justiça comum para o processamento do feito – Recurso não provido. 1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. 2. O intérprete diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível deve optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário não provido. (STF, Pleno, RE 583.050/RS,  Repercussão Geral, Rel. Min. Cezar Peluso, Rel. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli,  j. 20/02/2013, DJe 11/06/2013)
 
O julgamento dos REs 586453 e 583050 revelou-se particularmente relevante para a jurisdição nacional. Até a decisão desses recursos, era comum o TST reconhecer em seus acórdãos a competência da Justiça Trabalhista para julgar causas que envolvessem pleitos de complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada. Isso suscitava discussões preliminares intensas na instância suprema quanto a essa competência ser ou não da justiça especializada, haja vista posicionamento contrário (que, ao fim e ao cabo, veio a prevalecer no STF) em defesa do reconhecimento da competência da Justiça Comum para essas causas, a afirmar que a relação entre o fundo fechado de previdência complementar e o beneficiário do plano não seria trabalhista. Tratar-se-ia, isto sim, de relação de natureza previdenciária, atrelada, portanto, ao Direito Previdenciário, que goza de autonomia perante o subsistema jurídico do Direito do Trabalho. 
O TST estava tão convencido de sua competência para julgar essas ações aforadas contra entidades de previdência privada, com o objetivo de obter a complementação de aposentadoria, que editou o enunciado nº 288 da sua súmula de jurisprudência, a fim de pavimentar seu posicionamento na matéria.
Recentemente, esse enunciado inclusive foi reformado pela Corte Obreira, que deu nova redação para o item I, além de acrescentar dois novos itens (III e IV), em decorrência do julgamento do processo TST-E-ED-RR-235-20.2010.5.20.0006 pelo Tribunal Pleno do TST em 12/04/2016.
Sendo assim, penso que é salutar o leitor conhecer integralmente a redação novel da “Súmula 288” do TST. Ei-la:
 
COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DA APOSENTADORIA. (nova redação para o Item I e acrescidos os itens III e IV em decorrência do julgamento do processo TST-E-ED-RR-235-20.2010.5.20.0006 pelo Tribunal Pleno em 12.04.2016)
I - A complementação dos proventos de aposentadoria, instituída, regulamentada e paga diretamente pelo empregador, sem vínculo com as entidades de previdência privada fechada, é regida pelas normas em vigor na data de admissão do empregado, ressalvadas as alterações que forem mais benéficas (art. 468 da CLT);
II - Na hipótese de coexistência de dois regulamentos de planos de previdência complementar, instituídos pelo empregador ou por entidade de previdência privada, a opção do beneficiário por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do outro;
III - Após a entrada em vigor das Leis Complementares n.ºs 108 e 109 de 29/5/2001, reger-se-á a complementação dos proventos de aposentadoria pelas normas vigentes na data da implementação dos requisitos para obtenção do benefício, ressalvados o direito adquirido do participante que anteriormente implementara os requisitos para o benefício e o direito acumulado do empregado que até então não preenchera tais requisitos.
IV - O entendimento da primeira parte do item III aplica-se aos processos em curso no Tribunal Superior do Trabalho em que, em 12/4/2016, ainda não haja sido proferida decisão de mérito por suas Turmas e Seções.
 
Finalmente, após tudo o que explanei acima, não custa reforçar que esse enunciado nº 288 aplicar-se-á tão somente àquelas demandas que permaneceram na Justiça do Trabalho após a decisão do STF nos REs 586453/SE e 583050/RS, de conformidade com a regra de modulação temporal. Isto é, os processos que estivessem a tramitar perante a justiça especializada e que já contassem com sentença de mérito proferida até 20/02/2013.
Fora desses processos remanescentes na Justiça do Trabalho, em todas as demais demandas concernentes a pedidos de complementação de proventos de aposentadoria, aplicar-se-á a jurisprudência firmada no âmbito das instâncias da Justiça Comum.

 

domingo, 3 de abril de 2016

RT COMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL - Controle de Constitucionalidade (Processo Constitucional Objetivo)


1 – Questão de prova:

No que consiste o caráter objetivo do processo constitucional? Como o processo constitucional objetivo relaciona-se com o controle abstrato na teoria do controle de constitucionalidade?


A fim de dirimir essa pergunta, é preciso recordar, inicialmente, que a doutrina apresenta critérios variegados para o fim de classificar o controle de constitucionalidade.
Dessa maneira, com o intuito de tornar a explanação mais didática para o leitor, sistematizarei os critérios classificatórios do controle de constitucionalidade no esquema abaixo (clique para ampliar):



Portanto, quando o critério classificatório diz respeito ao tipo de pretensão deduzida em juízo, o controle de constitucionalidade pode ser objetivo ou subjetivo.

Nesse sentido, o controle objetivo é aquele que se realiza mediante um processo constitucional objetivo, cuja finalidade principal é a defesa da ordem jurídica objetiva. Já o controle subjetivo é aquele que se operacionaliza em um processo constitucional subjetivo, cujo objetivo principal é a proteção de direitos subjetivos, só incidentalmente a se discutir a questão constitucional. Isto é, o processo constitucional subjetivo visa a prevenir ou remediar lesão a direitos concretos, violados em situações concretas, a partir de um conflito entre partes (lide).

No processo constitucional objetivo, a defesa da ordem jurídica é a defesa do próprio texto constitucional. Por isso, seu objetivo precípuo é a declaração de inconstitucionalidade (ou constitucionalidade, a depender da ação manejada).

Para a teoria do controle de constitucionalidade, defende-se objetivamente o direito constitucional positivo quando se fiscaliza em tese (em abstrato) a compatibilidade dos atos do Poder Público com o texto da Constituição. Consequentemente, o controle abstrato é aquele que, para ser exercido, independe de um caso concreto submetido a julgamento pelo Poder Judiciário.

Diante disso, algumas mudanças processuais se apresentam no processo constitucional objetivo. A lógica jurídica da objetividade processual é considerar que o processo não tem partes, ele é unilateral. A rigor, segundo o pensamento doutrinário dominante, quando se trata de fiscalização abstrata da validade dos atos do Poder Público, não existem sujeitos que estejam na relação jurídica processual. Não há quem titularize situações jurídicas processuais ativas e passivas, tampouco quem atue em contraditório na defesa de interesses subjetivos. Daí se afirmar em doutrina que, no processo constitucional objetivo, existe requerente, mas não existe requerido. 

Após essas breves considerações teóricas, podemos concluir que o caráter objetivo do processo constitucional resulta do seu propósito principal, direcionado à defesa da ordem jurídica objetiva (defesa objetiva do direito constitucional ou defesa da ordem constitucional objetiva). Além disso, podemos afirmar igualmente que o processo constitucional objetivo guarda estreita relação com o controle abstrato de constitucionalidade, na medida em que o modo de controle abstrato, exercitado em tese, independentemente de um caso concreto submetido à apreciação jurisdicional, materializa-se por meio de um processo constitucional objetivo, sem partes processuais (formais).

sábado, 2 de abril de 2016

Da inaplicabilidade das regras de foro privilegiado aos magistrados aposentados segundo a jurisprudência do STF

Min. Ricardo Lewandowski, relator do RE 546.609/DF no STF
Ouvindo atualmente: "Edvard Grieg - Peer Gynt Suiten 1&2" (1987),
Göteborgs Symfoniker/ Neeme Järvi.



Entre as garantias funcionais do Poder Judiciário, estabelecidas na Constituição de 1988, encontramos aquelas que visam a assegurar a independência dos seus órgãos. São elas: a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios. O texto constitucional também prevê garantias da na forma de vedações, as quais têm o objetivo de assegurar a imparcialidade dos membros da magistratura.

Todas essas garantias podem ser extraídas do art. 95 da CF/88:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

II - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. 

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

III - dedicar-se à atividade político-partidária.

IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; 

V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. 

Somadas a essas garantias, o Poder Constituído ainda atribuiu aos membros do Poder Judiciário, no campo processual penal, o foro privilegiado, por entender que o cargo que estão a ocupar lhes asseguraria a prerrogativa de serem julgados não por um juízo de primeiro grau (juízo monocrático), tal como é a regra para todos os cidadãos, mas sim por instâncias judiciárias de segundo grau ou superiores.     
Dessa maneira, sistematizando as regras da Constituição sobre foro privilegiado dos membros do Poder Judiciário, é possível sublinhar o seguinte:

1)      Membros do STF e Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE, STM): são processados e julgados pelo STF (CF, art. 102, I, b e c);

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

2)      Membros dos TRFs, TREs, TRTs, TJs e do TJDFT: são processados e julgados pelo STJ (CF, art. 105, I, a);

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

a)       nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

3)      Juízes federais, juízes do trabalho e juízes-auditores da Justiça Militar da União: são processados e julgados pelo TRF da respectiva área de jurisdição (CF, art. 108, I, a);

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I - processar e julgar, originariamente:

a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

4)      Juízes estaduais e distritais: são processados e julgados pelo TJ respectivo (CF, art. 96, III);

Art. 96. Compete privativamente:

[...]

III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

5)      Juízes eleitorais: são processados e julgados pelo TRE da respectiva área de jurisdição, pois a Constituição ressalvou a competência da Justiça Eleitoral para julgar os crimes dos juízes eleitorais diante do foro privilegiado nos TJs, de modo que prevalece nessa matéria a competência firmada no Código Eleitoral (CF, art. 96, III, in fine, c/c CE, art. 29, I, d). Como, no entanto, o CE restringiu aos crimes eleitorais a competência dos TREs para julgar juízes eleitorais, podemos concluir que:

1) juiz eleitoral pratica crime comum: foro privilegiado no TJ;

2) juiz eleitoral pratica crime eleitoral: foro privilegiado no TRE.   

Art. 96. Compete privativamente:
[...]
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.


Art. 29. Compete aos Tribunais Regionais:

I - processar e julgar originariamente:

d)      os crimes eleitorais cometidos pelos juízes eleitorais.

Pois bem. Já vimos as regras de competência processual penal que determinam foro privilegiado para os membros do Poder Judiciário brasileiro. A questão que se impõe agora é saber se esse privilégio estende-se aos magistrados aposentados ou, em sentido contrário, restringe-se aos membros da carreira na ativa.

Esse tema foi objeto de julgamento pelo STF nos autos do RE 546.609/DF. Nesse recurso, um desembargador aposentado do TJDFT, acusado da prática de crime, sustentou que a garantia da vitaliciedade (CF, art. 95, I) somente poderia ser afastada por sentença judicial transitada em julgado, na qual tivesse sido declara a perda do seu cargo. Sendo assim, o recorrente sustentou que não sofrera qualquer condenação nesse sentido, e sim tinha se aposentado voluntariamente como desembargador, razão pela qual defendia que, por força da vitaliciedade, manter-se-ia o seu foro privilegiado de processo e julgamento no STJ.        

A analisar teoricamente a tese defendida nesse recurso, poderíamos concluir que o que o recorrente pretendia era, em verdade, incluir os desembargadores aposentados na expressão “os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal”, a conferir, desse modo, uma interpretação mais ampla à regra competencial do art. 105, I, a, da Constituição.  

Entretanto, o STF não concordou com a tese levantada pelo recorrente. Na Suprema Corte brasileira, prevaleceu o entendimento de que as garantias constitucionais de independência funcional dos órgãos do Poder Judiciário (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios) referem-se, única e exclusivamente, aos magistrados no efetivo exercício do cargo. Na mesma toada, as regras de foro privilegiado dos membros do Poder Judiciário têm por objetivo assegurar-lhes o pleno exercício das suas funções jurisdicionais, não se aplicando aos magistrados aposentados.    

Tal argumentação desenvolve-se a partir de algumas premissas conceituais. Em primeiro lugar, provimento é o ato administrativo pelo qual o servidor público é investido no exercício de cargo, emprego ou função. Na mesma linha de raciocínio, “provimento vitalício” é o ato administrativo que garante a permanência do servidor em cargo público do qual só poderá ser afastado por sentença judicial transitada em julgado. Consequentemente, a vitaliciedade aplica-se tão somente àqueles servidores integrantes dos quadros ativos da carreira pública.      

Agora, vejamos o acórdão do RE 546.609/DF:

PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO PENAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO. DESLOCAMENTO PARA O PRIMEIRO GRAU. SÚMULAS 394 E 451 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE. PROVIMENTO VITALÍCIO. GARANTIA CONFERIDA AOS SERVIDORES DA ATIVA DE PERMANECEREM NO CARGO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – A vitaliciedade é garantia inerente aos magistrados e tem como objetivo prover a jurisdição de independência e imparcialidade.
II – Exercem a jurisdição, tão somente, magistrados ativos.
III – A aposentadoria do magistrado, ainda que voluntária, transfere a competência para processamento e julgamento de eventual ilícito penal para o primeiro grau de jurisdição.
IV – Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(STF, Tribunal Pleno, RE 546.609/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22/03/2012, p. DJe 30/05/2014).   

A partir desse precedente, podemos extrair uma interpretação constitucional restritiva das garantias da vitaliciedade e do foro privilegiado. Com efeito, tais garantias só se aplicam aos membros ativos da carreira da magistratura, uma vez que existem na Constituição como mecanismos que visam a salvaguardar a instituição judiciária como um todo, e não os seus membros, ocupantes temporários dos cargos do Poder Judiciário.

Logo, se as garantias existem para assegurar o exercício da função judicante de modo independente e imparcial, admitir sua extensão a magistrados aposentados – que, portanto, não exercem mais a judicatura - afigurar-se-ia um privilégio odioso, incompatível com a lógica constitucional que visa a garantir aos cidadãos um Poder Judiciário que exercite a jurisdição com independência e imparcialidade.        

REFERÊNCIAS


BRASIL. Código Eleitoral. Lei 4.737, de 15 de julho de 1965. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 de abr. 2016.


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 02 de abr. 2016.


BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 546.609/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22/03/2012, p. DJe 30/05/2014. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 02 de abr. 2016.