domingo, 29 de janeiro de 2012

NOTAS SOBRE O CABIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA: análise da STA 624/RJ do STF

Min. Cezar Peluso, relator da STA 624/RJ no STF

                                                PRECEDENTE: STF, STA 624/RJ

1 – DOS FATOS

          O Estado do Rio de Janeiro editou a Lei 1.206/87, concedendo reajuste da ordem de 70,5% aos servidores públicos civis e militares. Ocorre que dispositivo do texto da lei fluminense excluiu os servidores do Poder Judiciário estadual do referido reajuste.
          A exclusão do reajuste foi questionada judicialmente por um grupo de 1,3 mil servidores, pleito que foi acolhido pelo Judiciário local, no sentido de garantir aos servidores o acesso ao reajuste.
          Em decisão administrativa, a presidência do TJRJ fixou parcelas anuais para a incorporação do reajuste de 24% a todos os servidores do Judiciário fluminense. Entretanto, em ação ajuizada perante a Justiça estadual, os servidores demandantes obtiveram decisão favorável em caráter liminar, para autorizar-lhes a incorporação imediata dos valores do reajuste, sob pena de multa diária. 
          O Governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio de sua Procuradoria, ajuizou então no Supremo Tribunal Federal um pedido de Suspensão de Tutela Antecipada (STA 624), cujos argumentos utilizados foram (a) afronta ao enunciado nº 339 da súmula de jurisprudência predominante do STF e (b) graves riscos de lesão à ordem e à economia pública, “potencializados diante do inevitável efeito multiplicador” de demandas.    

2 – DO DIREITO APLICÁVEL

          No plano material, o caso, evidentemente, envolve demanda jurídico-administrativa envolvendo servidores do Poder Judiciário estadual. No plano processual, trata da suspensão dos efeitos da decisão antecipatória de tutela.
          A STA deve ser entendida no contexto das leis que a embasam. Há, assim, no ordenamento jurídico, um cipoal de regras jurídicas que visam a garantir a impugnação de provimentos de urgência concedidos contra a Fazenda Pública.
          O primeiro desses mecanismos criados em defesa da Fazenda Pública foi a suspensão de segurança (SS). A antiga Lei do Mandado de Segurança (Lei 1.533/51), no seu art. 13, previu pioneiramente a suspensão de execução de sentença do MS. Na Lei 4.348/64 (art. 4º), por seu turno, o legislador deu nova conformação à SS, autorizando suspensão também de decisão in limine que concedia a segurança. Posteriormente, a nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/09 - LMS), no seu art. 29, revogou as duas leis precedentes (lex posterior derogat legi priori), para prever, no caput do seu art. 15, o instituto da suspensão de segurança, mas com redação praticamente idêntica àquela do art. 4º da Lei 4.348/64. In verbis:
          Art. 15.  Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.     
          A Lei 7.347/85 (LACP), no seu art. 12, § 1º, trouxe previsão de pedido de suspensão de liminar concedida contra a Fazenda Pública em sede de ação civil pública – ou que de algum modo tenha afetado seus interesses. Colaciono:
          Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
         § 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

          A tendência do legislador em proteger a Fazenda Pública dos provimentos de urgência acentuou-se de modo cabal com a Lei 8.437/92, cuja ementa dispôs sobre a concessão de medidas cautelas contra a Fazenda Pública. No art. 4º e § 1ª dessa lei encontramos a seguinte redação:
          Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
          § 1° Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.

          Citei a redação do § 1º, em razão de ele ser demonstrativo de como o legislador pretendeu estender a possibilidade de suspensão da execução de medidas cautelares e demais liminares concedidas contra a Fazenda Pública. Veja o leitor como o parágrafo acima citado aplica a cabeça do artigo aos processos de cautelar inominada, ação popular, ação civil pública. Detalhe: o pedido de suspensão é sempre endereçado ao presidente do tribunal respectivo.
           O “golpe final” do legislador contra os provimentos de urgência concedidos contra a Fazenda Pública veio com a Lei 9.494/97. Nessa lei, o legislador tratou de estender a aplicação do art. 4º da Lei 8.437/92 à tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública, de modo que eventual decisão antecipatória de tutela encontra-se igualmente sujeita a um pedido de suspensão ajuizável perante o presidente do tribunal competente para conhecer do recurso respectivo, isto é, o presidente do tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão concessiva do provimento liminar, antecipatório ou final de mérito.
          Vale frisar que a Lei 8.437/92 traz nove parágrafos (isso mesmo: nove!), dispondo sobre o modus operandi desse incidente processual. Daí a doutrina tradicionalmente ter afirmado que era no art. 4º da Lei 8.437/92 que se encontrava o regime jurídico geral do pedido de suspensão de segurança e seus corolários (suspensão de sentença, suspensão de acórdão, suspensão de medida cautelar, suspensão de tutela antcipada etc). Hoje, todavia, com o advento da nova LMS, parece-me mais acertado dizer que o regime geral da contracautela no ordenamento jurídico brasileiro compõe-se de três leis, a saber: Lei 12.016/09, 9.494/97, 8.437/92. Isso porque o art. 15 da vigente LMS praticamente copiou a configuração redacional dos parágrafos do art. 4º da Lei 8.437/92. Por sinal, esse é o entendimento do próprio STF (vide, nesse sentido, a STA 615/SP, Rel. Min. Presidente Cezar Peluso, j. 13/12/2011, p. 16/12/2011).
          O Governo do Rio de Janeiro lançou mão, portanto, do pedido de suspensão dos efeitos da tutela antecipada concedida em favor dos servidores do Judiciário fluminense.

3 – DA DECISÃO

          O pedido de suspensão dos efeitos da tutela (STA) foi ajuizado perante o presidente do Supremo Tribunal Federal. Esse tipo de endereçamento ocorre sempre que o provimento de urgência contra a Fazenda Pública (no caso, o antecipatório dos efeitos da tutela) tenha sido concedido, originariamente, pelo tribunal (no caso, o TJRJ concedeu liminar em tutela antecipada em favor do pagamento integral do reajuste pleiteado em juízo pelos servidores do Judiciário estadual).
          E por que a demanda de contracautela não subiu ao STJ? Simples: porque o Governo do Rio de Janeiro com certeza demonstrou nos autos a natureza constitucional da controvérsia. Tivesse a causa fundamento infraconstitucional, a STA subiria para o presidente do STJ.
          A STA sobe, então, ao STF.
          O Min. César Peluso, a quem foi distribuída a STA (por se tratar de presidente do STF), julgando a causa, suspendeu os efeitos do provimento de urgência que antecipou os efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, para impedir a concessão imediata do reajuste integral a 1,3 mil servidores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.    
          O deferimento do pedido de suspensão de tutela antecipada deu-se com base nos seguintes fundamentos:
1)    Risco de grave lesão à economia pública: para Peluso, a decisão impugnada, ao antecipar a concessão integral dos reajustes aos servidores, alterou cronograma financeiro da Fazenda Pública fluminense, prejudicando a economia pública, na medida em que pagamentos parcelados anualmente seriam despendidos de maneira imediata, onerando em demasia o erário estadual.
2)    Risco de efeito multiplicador de demandas: reforça o já citado risco de lesão grave à economia pública, pois o decisório que antecipou os efeitos da tutela beneficiou apenas 1,3 mil servidores. A ser mantida a decisão pretoriana a quo, estar-se-ia a estimular o ajuizamento de demandas idênticas pelo restante da categoria, pleiteando reajuste integral que fatalmente afetaria o equilíbrio das contas públicas. 
3)    Afronta ao enunciado n. 339 da súmula de jurisprudência predominante do STF: para Peluso, o acórdão do TJRJ, contestado pelo governo fluminense, ao invocar como fundamento o princípio da isonomia, para justificar a antecipação dos efeitos da tutela, arrostou o enunciado n. 339 da súmula do STF, cujo verbete determina: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.”
          Vale ressaltar que nesse julgado, à guisa de obiter dictum, o Min. Peluso mencionou “não ser vedado ao presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, caracterizado pela probabilidade de a decisão contra a qual se pede a suspensão ser contrária às normas existentes na ordem jurídica”. Esse é um comentário de passagem relevante, haja vista que o pedido de suspensão não tem natureza jurídica de recurso, mas sim de incidente processual com finalidade de contracautela. Prepondera, assim, na doutrina, o entendimento segundo o qual o presidente do tribunal ad quem, ao analisar pedido de suspensão, não invade o mérito da causa principal, mas tão somente avalia se estão presentes os motivos políticos que autorizam seja concedida a contracautela, isto é, a lesão a interesses públicos relevantes (evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas). Por isso se diz que o juízo (apreciação judicial) é de delibação – mero juízo superficial sobre o preenchimento dos requisitos legais do ato/pedido -, pois o julgador da demanda de suspensão não pode, repiso, adentrar o exame do mérito da controvérsia principal.      
          Com isso, o pedido na STA 624/RJ foi julgado procedente, suspendendo os efeitos da tutela antecipada, para que se obedeça ao cronograma de pagamentos anuais estabelecidos na decisão administrativa original da presidência do TJRJ.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

3 Dicas rápidas para diferenciar o prazo de prescrição do de decadência no Código Civil

Um dos temas de maior importância no estudo da Parte Geral do Código Civil diz respeito à prescrição e decadência. Ainda hoje discutia com minha estagiária a esse respeito, afirmando ser possível divisar esses prazos no Códex sem que, para tanto, o concurseiro tenha de dominar toda a teorização acerca desses institutos (particularmente, prescrição e decadência, isto é, a influência do elemento tempo no direito é dos meus temas favoritos em toda a teoria jurídica; e a distinção entre prazo decadencial e prescricional remete a um dos mais instigantes raciocínios teoréticos nessa seara).

Assim, no post de hoje, longe de discutir doutrinariamente a distinção entre os prazos de prescrição e decadência (quem sabe num outro momento retomo o tema com mais vagar), reproduzirei um macete “velho de guerra” das provas de concursos, muito difundido nos cursinhos da vida e que “cai como uma luva” para aquele concurseiro desesperado que está estudando na véspera da prova (sim, eles existem e, embora não representem o perfil ideal, merecem nossa solidariedade).    

Vamos ao macete, então.

Existem três regras para diferenciar os prazos de prescrição e decadência no Código Civil. Ei-las:

1)    Todos os prazos prescricionais do CC/2002 estão previstos nos seus arts. 205 e 206; 
Brevíssima razão jurídica: os prazos prescricionais sempre dependem de lei, não admitindo sejam convencionados pelas partes (CC, art. 192). Por isso são prazos de lei, isto é, que não admitem a tutela negocial das partes, reclamando sempre a intervenção do legislador. Logo, todo prazo que não esteja previsto nos arts. 205 e 206 do CC será decadencial. Ex: prazo de redibição (CC, art. 445), prazo de responsabilidade do empreiteiro pela solidez e segurança do trabalho nos contratos de empreitada (CC, art. 618), prazo de responsabilidade do sócio excluído ou morto pelas obrigações sociais da sociedade simples (CC, art. 1.032).  

2)    Os prazos prescricionais têm lapso temporal “fechado”;
Brevíssima razão jurídica: como todos os prazos prescricionais do CC/2002 estão previstos nos arts. 205 e 206, é possível afirmar que existe no Código uma regra geral de prescrição (10 anos), ressalvados os casos em que a lei haja fixado prazo menor, que são os casos do art. 206 e seus §§, a saber: 1 ano (§ 1º), 2 anos (§ 2º), 3 anos (§ 3º), 4 anos (§ 4º) e 5 anos (§ 5º).

3)    Se a ação for de natureza condenatória, o prazo será sempre prescricional.
Brevíssima razão jurídica: sumamente, ação condenatória é aquela que visa a declarar um direito subjetivo do autor como tendo sido violado, para impor ao réu violador do direito o cumprimento de uma determinada prestação (sanção pela desobediência ao imperativo legal). Ex: Ação de Cobrança de Alugueres, em que o juiz reconhece por sentença o direito subjetivo do autor violado (o locador não recebeu o pagamento do aluguer) e condena o réu ao adimplemento de uma prestação consistente na obrigação de dar dinheiro (o locatário deve dar o dinheiro dos alugueres que deve ao locador).   

De posse dessas dicas, fica fácil agora “matar” muitas questões de prova de concursos sobre prescrição e decadência.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O método de estudos do GERT - sobre a função deste blog

          Faz algum tempo fundei o GERT - Grupo de Estudos Rafael Teodoro. Como esclarece o subtítulo deste blog, trata-se de grupo de estudos virtual, organizado sob a forma de uma lista de correios eletrônicos cooperativa voltada à troca de informações no estudo para concursos públicos. A ideia não é nova: há dezenas de grupos de estudos nesse sentido na rede mundial. Minha intenção ao fundar o GERT, entretanto, foi a de criar meu próprio grupo, reunindo amigos interessados nos concursos públicos, de modo a estabelecer um canal de diálogo permanente mediante o qual fosse possível ajudar o próximo de algum modo.
          O GERT cuida-se, portanto, de exercício de altruísmo, seja no trato de informações relevantes sobre editais e matérias cobradas pelas bancas examinadoras, seja na cooperação que proporciona a "blindagem psicológica" essencial ao concurseiro que deve superar a presssão violenta que só quem dedica sua vida com seriedade a esse projeto de aprovação sabe qual é.
          Nesse contexto, veio-me a ideia de criar um blog do GERT. Sua finalidade insere-se no sentido de proporcionar-me um espaço virtual de difusão de ideias jurídicas sobre os mais variados temas. Nada mais salutar no contexto dos estudos do que escrever. O Blog do GERT é, dessa maneira, uma espaço de reflexão complementar aos estudos do direito previamente executados.
          Se no blog "Metamorfose do Mal" dedico o espaço ao tratamento de assuntos variegados - sobretudo culturais - de meu mais vivo interesse, será no blog do GERT que exporei minhas opiniões quanto a temas relacionados ao mundo jurídico - o mundo que escolhi por profissão e no qual ora desenvolvo minha carreira.
          Mais uma vez, também aqui não tenho intenção de usufruir popularidade na blogosfera. Quis apenas construir um espaço de diálogo de ideias sobre o direito - tampouco é relevante se, ao fim e ao cabo, tornar-se um espaço escrito por mim para mim mesmo.
          O ato que mais me dá prazer na vida é o ato de escrever. Logo, se este humilde blog permitir-me isso, já terá cumprido seu papel. A felicidade, trá-la-ei a mim.    
          Deixo ao leitor a mensagem de abertura do GERT, conforme consta na lista de emails do grupo:
          "O Grupo de Estudos Rafael Teodoro (GERT) foi fundado pelo Prof. Rafael Teodoro para reunir, numa lista de emails cooperativos, os melhores concurseiros na opiniao de seu fundador. Por "melhor", entende o fundador como sendo não aquele que obtém os melhores resultados (visão individualista míope), mas sim aquele estudante dedicado ao estudo para concursos públicos, que tem foco e está disposto a dedicar sua vida ao projeto concursândico. Nesse sentido, são principíos do GERT: 1) HUMILDADE: o membro do GERT reconhece que precisa da ajuda do próximo para passar, estando disposto a aprender com o concorrente mais disciplinado, mais organizado, mais estudioso; 2) SOLIDARIEDADE: o membro do GERT reconhece que o concurseiro nunca está sozinho, por isso aprecia partilhar seus conhecimentos com o outro concorrente, eis que ajudar o aprendizado do próximo é a melhor das formas de ajudar a si próprio a aprender; 3) SONHO: o membro do GERT tem um sonho de aprovação. Ele não desistirá até realizar seu sonho, não importa o quanto custe, o quanto a vida lhe bata, quão cara seja a renúncia. É o sonho que lhe fará superar seus limites, seus medos, seus receios. É o sonho que lhe levará sempre cada vez mais alto.
O GERT, assim, visa à mais nobre das missões: realizar o sonho de aprovação de seu fundador e ainda ajudar outros que têm o mesmo sonho, tornando uma jornada, outrora solitária, um agradável caminhar de mãos dadas em direção ao crescimento pessoal que só quem percorre a estrada pedregosa dos concursos públicos pode compreender. Para o membro do GERT, não há pedra no meio caminho!"
          Aos estudos, pois!