quarta-feira, 30 de outubro de 2013

RT Comenta: PROCESSO CIVIL


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Prova: Juiz TJPA (2012)
Tipo: Objetiva
Banca:
Eis uma questão interessante de Processo Civil sobre um tema sempre cobrado em provas de concursos: julgamento antecipado do mérito. Para respondê-la, também é preciso recordar algumas lições sobre a extinção anômala do processo. É o que farei adiante em homenagem ao leitor do blogue.

1 - Questão 6

Considerando-se que, em determinada demanda em curso, com partes maiores e capazes, haja a regular citação do réu, haverá o julgamento antecipado do mérito se

(A) a contestação apresentada  pelo  réu  limitar-se  a  negar  as consequências jurídicas afirmadas na inicial.

(B) o réu apresentar apenas defesa de mérito indireta, mas, por incompatibilidade lógica, aceitar tacitamente os fatos alegados pelo autor.

(C)  o réu deixar de apresentar defesa, ainda que tenha sido regularmente citado  para  fazê-lo,  e  a  citação  contiver  o mandado e todos os requisitos legais.

(D) um fato alegado pelo autor for apenas implicitamente negado pela resposta apresentada pelo réu em contestação, ainda que considerada como um todo.

(E) a controvérsia sobre o  fato  alegado  pelo  réu  quando  da apresentação da contestação for pertinente, mas não relevante.

O art. 329 do CPC prevê aquilo que a doutrina denomina de "extinção anômala do processo". Eis o dispositivo:

Art. 329. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, II a V, o juiz declarará extinto o processo.

Inicialmente, é importante notar que a regra do art. 329 traz um comando implícito, nos termos do qual o juiz deve buscar, sempre que possível, o julgamento do pedido constante da demanda, salvo quando ocorrerem as hipóteses que autorizam a extinção anômala do processo.

Essas hipóteses, a teor do dispositivo legal supracitado, encontram-se nos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil. In verbis:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: 

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

VII - pelo compromisso arbitral;

Vll - pela convenção de arbitragem; 

Vlll - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código.

Art. 269. Haverá resolução de mérito: 

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; 

 III - quando as partes transigirem; 

 IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; 

 V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

Note o leitor que o art. 267 arrola as hipóteses nas quais cabe a extinção do processo sem resolução de mérito. Já o art. 269 prevê as hipóteses na qual é cabível essa mesma extinção, desta vez, porém, com resolução de mérito.  

Aqui é importante frisar que o legislador, ao disciplinar o instituto da extinção anômala do processo no art. 329 do CPC, excluiu o inc. I do art. 269. Afastou, assim, a hipótese de resolução do mérito que ocorre "quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor". A exclusão é coerente: a extinção é "anômala" justamente quando o processo é extinto sem que haja julgamento do pedido (o objeto da demanda).    

Nesse sentido, vejamos um exemplo na jurisprudência do TJSP (grifo meu):

DIREITO DE VIZINHANÇA. Ação de indenização por danos materiais e morais. Explosões em pedreira com reflexos no imóvel do autor. Extinção anômala do processo, por falta de impulso. Inexistência da inércia. Deserção que não pode ser considerada, em razão de sua inocuidade no caso, e mesmo da falta de razão para a extinção anômala do processo. Agravo retido e apelação providos.
(TJ-SP - APL: 992090770608 SP , Relator: Sebastião Flávio, Data de Julgamento: 22/06/2010, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/07/2010)

Nessa ementa, nota-se que o recorrente apelou da decisão do juiz de primeiro grau que extinguiu, de forma anômala, o processo, isto é, encerrou o feito sem o julgamento do mérito - fim maior de todo o processo.

Dessa forma, é correto associar a extinção "anômala" do processo com os casos nos quais exista alguma circunstância que impeça o julgamento do pedido. Tal raciocínio pode ser percebido na decisão abaixo, quando o STF determina a extinção anômala do processo por entender que é inadmissível o uso da reclamação constitucional como instrumento destinado a questionar a aplicação, pelo tribunal de origem, do sistema de repercussão geral (grifos meus):

E M E N T A: RECLAMAÇÃO – DECISÃO QUE NEGA TRÂNSITO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO PORQUE NÃO RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL NELE SUSCITADA – ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE – INOCORRÊNCIA – INADMISSIBILIDADE DO USO DA RECLAMAÇÃO COMO INSTRUMENTO DESTINADO A QUESTIONAR A APLICAÇÃO, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, DO SISTEMA DE REPERCUSSÃO GERAL – PRECEDENTES FIRMADOS PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RCL 7.547/SP, REL. MIN. ELLEN GRACIE – RCL 7.569/SP, REL. MIN. ELLEN GRACIE – RCL 15.165/MT, REL. MIN. TEORI ZAVASCKI – AI 760.358-QO/SE, REL. MIN. GILMAR MENDES) – INCOGNOSCIBILIDADE DA RECLAMAÇÃO RECONHECIDA PELA DECISÃO AGRAVADA – LEGITIMIDADE – CONSEQUENTE EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO DE RECLAMAÇÃO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (STF, Tribunal Pleno, Rcl 9633 AgR/CE, Rel. Min. Celso de Mello, j. 29/05/2013, p. Dje 07/08/2013).     

Do ponto de vista procedimental, a principal consequência jurídica da extinção anômala é permitir que o processo seja finalizado sem que o juiz necessite realizar a audiência preliminar. Isso fica muito claro na ressalva contida na primeira parte do caput do art. 331 do CPC (grifo meu):     

Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir

Chamo a atenção do leitor para o texto no que diz com as "seções precedentes". Ele se refere, assim, às seções I e II do capítulo V do CPC, que versam, respectivamente, sobre "extinção do processo" e "julgamento antecipado da lide".    

A menção ao "julgamento antecipado da lide" serve ao propósito de evidenciar que não é apenas mediante extinção anômala (com ou sem resolução do mérito) que se pode encerrar um processo sem que tenha sido preciso proceder ao agendamento de uma audiência preliminar. Além da hipótese de direitos que não admitem transação, essa audiência também pode ser dispensada quando o juiz puder julgar diretamente o pedido. Neste último caso, o fundamento legal é o art. 330 do CPC:

Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: 

I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;  
 
II - quando ocorrer a revelia (art. 319).

Portanto, à luz do art. 330 do CPC, permite-se ao juiz apreciar diretamente o pedido, promovendo o chamado julgamento antecipado do mérito. Duas são as suas hipóteses:

1) quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; 

2) quando ocorrer revelia (CPC, art. 319). 

Essa é uma técnica notadamente relacionada ao direito fundamental à duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição:

Art. 5º omissis
 
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Dessa norma constitucional, infere-se que o legislador, inspirado pelo direito fundamental à razoável duração do processo, criou a técnica do julgamento antecipado do mérito, a fim de que pudesse evitar a delonga excessiva na prestação jurisdicional, que, como é sabido, só contribui para o descrédito na justiça. Consequentemente, nada mais sensato que a lei autorizar o julgamento imediato daqueles pedidos que não demandem instrução profunda (teoria da causa madura).

Mas, afinal, o que vem a ser questão de mérito unicamente de direito? 

A pergunta é importante, pois se volta à primeira hipótese legal de julgamento antecipado da lide no CPC.

Nesse contexto, doutrinariamente, afirma-se que a questão unicamente de direito surge na defesa de mérito direta, que é aquela por meio da qual o réu, ao defender-se, não agrega fato novo ao processo (caso da defesa de mérito indireta, quando o demandado aduz fato novo que visa a impedir, modificar ou extinguir o direito do demandante). Na defesa de mérito direta, o réu ataca diretamente os fatos e fundamentos jurídicos articulados pelo autor. Pode fazê-lo de duas maneiras: (1) negando a existência/ocorrência dos fatos aduzidos (narrados) pelo autor na petição inicial; ou (2) negando as consequências jurídicas dos fatos trazidos pelo autor em sua ação.    

Anoto para o leitor que a hipótese de negativa das consequências jurídicas é especialmente relevante. Aí não há negativa do substrato fático do pedido do demandante. Na verdade, o réu aceita (acata/concorda) que os fatos aduzidos na petição inicial realmente existiram/ocorreram. O que o demandado faz é tão somente negar que esses fatos, embora existentes, possam produzir as consequências que o autor deseja sejam reconhecidas em juízo. Exemplifico com a hipótese de um contrato: o réu, acionado, admite que a avença, de fato, existiu, mas nega a eficácia atribuída à cláusula contratual objeto de divergência entre os contratantes.  

A conclusão inevitável é a de que, nesses casos de defesa de mérito direta, em que o réu limita-se a negar as consequências jurídicas dos fatos constitutivos do direito do autor, não há controvérsia (disputa) sobre os fatos. Ou seja, a questão posta em juízo é unicamente de direito.   

Foi exatamente essa lição teórica exigida pela banca examinadora na prova. Note o leitor que o comando da questão em comento descreve a hipótese relativa à existência de ação em curso com partes maiores e capazes. Houve citação válida do réu. Pelo procedimento, se os direitos admitissem transação, ou se não fosse o caso de extinção anômala do processo (com ou sem resolução do mérito, respectivamente, com base nos arts. 267 e 269, II a V, do CPC), a demanda deveria seguir seu curso rumo à realização da audiência preliminar, prevista no art. 331 do CPC. Mas isso não será necessário, pois, ao contestar, o réu limitou-se a negar as consequências jurídicas apresentadas na inicial pelo autor. Logo, trata-se de hipótese de defesa de mérito direta perfeitamente enquadrada na primeira parte do inc. I do art. 330 do CPC - isto é, a questão é unicamente de direito (não há controvérsia sobre os fatos), idônea a autorizar o julgamento antecipado do mérito.      

Ante o exposto, é certo concluir que a alternativa correta é a letra A.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

RT Comenta: DIREITO CIVIL



 
Prova: Juiz Federal TRF1 (2013)
Tipo: Objetiva
Banca:
Comentarei hoje uma questão cobrada no recentíssimo concurso para o cargo de Juiz Federal do TRF1 (2013). O leitor perceberá, no decorrer da explanação, que a questão apresenta problemas. Tenho para mim que é passível até mesmo de anulação. Porém como ainda sequer foi divulgado o gabarito preliminar pela banca, será preciso aguardar os próximos capítulos da novela. Por ora, seguem meus comentários em homenagem ao leitor do blogue.  
QUESTÃO 38

A respeito da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do Código Civil, assinale a opção correta.

(A) O simples encerramento irregular da pessoa jurídica não implica presunção do abuso da personalidade.

(B) Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se tenham beneficiado.

(C) O pedido de desconsideração da personalidade jurídica sujeita-se ao prazo prescricional de dez anos.

(D) Para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, exige-se a comprovação do desvio de finalidade e de confusão patrimonial.

(E) A demonstração da insolvência da pessoa jurídica é requisito essencial para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica.
Uma das consequências da ideia de que a pessoa jurídica constitui uma realidade distinta da pessoa física é a de permitir a separação patrimonial entre uma e outra. Assim, uma vez instituída a pessoa jurídica, seu patrimônio e suas obrigações não se confundem com os bens pertencentes à pessoa dos sócios que a constituíram.    

Em que pese essa premissa, o ordenamento jurídico busca evitar a ocorrência de fraudes nas relações contratuais travadas ante a perspectiva da separação patrimonial. Aqui se está a pensar sobretudo na hipótese do sócio que se utiliza da personalidade distinta da pessoa jurídica como uma maneira de proteger seus ativos pessoais, impedindo-lhes a constrição, a execução para o pagamento de credores. Se a separação patrimonial, que distingue bens e obrigações da pessoa física dos da pessoa jurídica, fosse regra absoluta, o sócio fraudador poderia lançar mão desse subterfúgio e alegar que, se o patrimônio da empresa não dispunha de bens para solver seu passivo, o credor não poderia executar o patrimônio da pessoa física. 

De modo a remediar essa possibilidade de fraude, o Código Civil brasileiro acolheu a regra da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica no seu art. 50 nos termos seguintes:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Essa regra, também conhecida pelo nome de disregard doctrine, visa a impedir a prática abusiva de certos grupos empresariais, formados por sócios que agem de má-fé ao utilizar-se da personalidade da pessoa jurídica qual um escudo para a prática de atos fraudulentos nas relações negocias.

A propósito, trata-se de uma regra de tal importância que outros subsistemas jurídicos acolheram-na expressamente, tal qual o Direito Tributário (CTN, art. 135, III) e o Direito do Consumidor (CDC, art. 28). Cito os dispositivos: 

CTN, art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

CDC, art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Do ponto de vista teórico, é importante mencionar que a doutrina aponta a existência de duas teorias da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. De um lado, tem-se a teoria maior - adotada pelo Direito Civil -, de outro, a teoria menor - adotada pelo Direito do Consumidor. Ei-las sistematizadas abaixo: 

a) Teoria maior da desconsideração: adotada pelo Código Civil (art. 50), permite a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica mediante a prova do abuso da personalidade jurídica (desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial).

A teoria maior da desconsideração ainda comporta uma subdivisão, de conformidade com o requisito verificado na espécie. Apresento-a:

a.1) Teoria maior subjetiva da desconsideração: abuso da personalidade jurídica (desvio de finalidade);

a.2) Teoria maior objetiva da desconsideração: abuso da personalidade jurídica (confusão patrimonial). 

A jurisprudência do STJ tem acatado essa subdivisão, conforme se verifica na ementa do seguinte julgado (grifo meu):

Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica.
- A mudança de endereço da empresa executada associada à inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica.
- A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva .
- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. Recurso especial provido para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente.
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 970.635/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 10/11/2009, p. DJe 01/12/2009).   

b) Teoria menor da desconsideração: adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 28), e estendida pela jurisprudência também para as hipóteses de ressarcimento de dano ambiental, permite a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica mediante a mera demonstração de prejuízo ao consumidor. Por outras palavras, sempre que a pessoa jurídica estiver sendo utilizada como obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, a sua personalidade poderá ser desconsiderada - ainda que não haja desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Eis um exemplo de invocação da teoria menor na jurisprudência do STJ (grifo meu):  

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FRUSTRADA. PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INDEFERIMENTO. FUNDAMENTAÇÃO APOIADA NA INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 (TEORIA MAIOR). ALEGAÇÃO DE QUE SE TRATAVA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO ART. 28, § 5º, DO CDC (TEORIA MENOR). OMISSÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC RECONHECIDA.
1. É possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo de índole consumerista, a utilização da chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor, somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (art. 28 e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor).
2. Omitindo-se o Tribunal a quo quanto à tese de incidência do art. 28, § 5º, do CDC (Teoria Menor), acolhe-se a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.
(STJ, T4 - Quarta Turma, REsp 1.111.153/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 06/12/2012, p. DJe 04/02/2013).   

Finalmente, cabe mencionar que, como efeito da decretação da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, as obrigações que seriam a princípio suportadas pelo patrimônio da empresa passam a onerar o patrimônio das pessoas físicas. Desse modo, ultrapassa-se a personalidade, para atingir os bens particulares dos sócios, tornando-os passíveis de constrição judicial como garantia da execução em favor dos credores.   

Vistas essas noções doutrinárias gerais acerca do instituto da disregard doctrine, fica mais fácil analisar cada uma das assertivas propostas adiante.

1 - Comentários ao item A

(A) O simples encerramento irregular da pessoa jurídica não implica presunção do abuso da personalidade.
 
A alternativa A está errada.

O entendimento esposado pela jurisprudência do STJ vai em sentido contrário ao afirmado, senão vejamos (grifo meu): 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. VIABILIDADE. ART. 50 DO CC/02.
1. A desconsideração da personalidade jurídica é admitida em situações excepcionais, devendo as instâncias ordinárias, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se incabível.
2. Do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio.
3. Recurso especial não provido.
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 1.259.066/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19/06/2012, p. DJe 28/06/2012).   

Portanto, não prevalece jurisprudencialmente o pensamento doutrinário consagrado no enunciado nº 282 da IV Jornada de Direito Civil:

282 – Art. 50. O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica.

Divergindo da doutrina majoritária, o STJ entende que, malgrado a decretação da desconsideração da personalidade seja uma medida excepcional, o simples encerramento irregular da pessoa jurídica implica, sim, presunção de abuso da personalidade.

2 - Comentários ao item B

(B) Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se tenham beneficiado.
 
A alternativa B está correta.

Trata-se de mais uma assertiva retirada diretamente do repertório jurisprudencial do STJ. Consultando-o, o leitor deparará com aresto recente que vai ao encontro do afirmado (grifo meu):

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DO SÓCIO MAJORITÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial.
3. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/02, consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.
4. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.
5. Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio majoritário ou controlador.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 1.325.663/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/06/2013, p. DJe 24/06/2013).   

Note o leitor que esse julgado também cumpre o papel de reforçar o que escrevi no introito destes comentários, haja vista o ponto 4 da ementa referir-se expressamente às subdivisões da teoria maior da desconsideração adotada pelo Código Civil (teoria maior objetiva e teoria maior subjetiva).

De qualquer forma, a ementa deixa claro que, para o STJ, os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se tenham beneficiado, o que coaduna com o entendimento majoritário na doutrina, conforme se observa do enunciado 7 da I Jornada de Direito Civil:

7 – Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.

Para a doutrina, portanto, tal qual para a jurisprudência do STJ, os efeitos decorrentes da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica são subjetivamente limitados aos sócios que tenham incorrido na prática dos atos irregulares.

3 - Comentários ao item C

(C) O pedido de desconsideração da personalidade jurídica sujeita-se ao prazo prescricional de dez anos.

A alternativa C está errada.

Direitos potestativos são aqueles destituídos de pretensão, na medida em que seu exercício depende unicamente da manifestação de vontade do seu titular. Logo, são direitos que, por não dependerem da intervenção de terceiros, não podem ser violados.

Como a prescrição é o instituto aplicável à perda, pelo decurso do tempo, da pretensão de exigir um comportamento de terceiro voltado à satisfação de um direito (subjetivo), está claro que não se pode relacionar a direitos potestativos - que, repiso, são direitos que não têm pretensão, sujeitando alguém aos seus efeitos ante a simples manifestação de vontade unilateral do titular.

Dessa forma, aos direitos potestativos aplica-se não o instituto da prescrição, mas sim o da decadência, cujo regramento geral encontra-se no art. 207 e ss. do CC:

Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.

Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei.

Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.

Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.

Conclui-se, por conseguinte, que a decadência (ou caducidade) implica a perda do direito (em si mesmo considerado) quando o titular não manifestar sua vontade apta a torná-lo perfectível dentro do prazo previsto em lei. Por exemplo, o Código Civil estabelece que o prazo decadencial para anulação de negócio jurídico é de 4 anos (CC, art. 178), de tal arte que, esgotado esse lapso temporal sem manifestação de vontade, o direito potestativo que assiste ao titular do direito caduca, ficando convalidado o ato jurídico inválido, celebrado com vício do consentimento.

Acrescento ainda que um direito potestativo só caduca quando houver previsão de lapso temporal para isso. Em outras palavras, se a lei não previu prazo para o exercício de determinado direito potestativo, significa dizer que o seu exercício não se condiciona ao decurso do tempo. Assim, na ausência de prazo legal, o titular do direito potestativo está autorizado a manifestar sua vontade ad aeternum - a qualquer tempo.

Nesse sentido, saliento que o pedido de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica não é direito subjetivo (ou direito a uma prestação). Para o seu exercício, não há necessidade da participação de outrem, que não precisa intervir para que seja ultrapassada a personalidade. Na realidade, a disregard doctrine é teoria que promove a sujeição de alguém aos seus efeitos independentemente da existência de dever passível de descumprimento por quem quer que seja. Por isso há de se considerar a desconsideração da personalidade um autêntico direito potestativo, aperfeiçoável pela mera manifestação de vontade do titular, presentes a hipótese legal do abuso da personalidade jurídica - caracterizado ora pelo desvio de finalidade (teoria maior subjetiva), ora pela confusão patrimonial (teoria maior objetiva). 

É precisamente esse o entendimento que está a ser tirocinado pelo STJ (grifo meu):

DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. PRAZO PRESCRICIONAL REFERENTE À RETIRADA DE SÓCIO DA SOCIEDADE. NÃO APLICAÇÃO. INSTITUTOS DIVERSOS. REQUISITOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ.
1. A desconsideração da personalidade jurídica é técnica consistente na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.
2. Ao se pleitear a superação da pessoa jurídica, depois de verificado o preenchimento dos requisitos autorizadores da medida, é exercido verdadeiro direito potestativo de ingerência na esfera jurídica de terceiros - da sociedade e dos sócios -, os quais, inicialmente, pactuaram pela separação patrimonial.
3. Correspondendo a direito potestativo, sujeito a prazo decadencial, para cujo exercício a lei não previu prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo.
4. Descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos prescricionais previstos para os casos de retirada de sócio da sociedade (arts. 1003, 1.032 e 1.057 do Código Civil), uma vez que institutos diversos.
5. "Do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio" (REsp 1259066/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28/06/2012).
6. Reconhecendo o acórdão recorrido que a ex-sócia, ora recorrente, praticou atos que culminaram no encerramento irregular da empresa, com desvio de finalidade e no esvaziamento patrimonial, a revisão deste entendimento demandaria o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ.
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.
(STJ, T4 - Quarta Turma, REsp 1.312.591/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11/06/2013, p. DJe 01/07/2013).   

Do acórdão se extrai que o pleito de sujeitar alguém aos efeitos decorrentes da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica prescinde do comportamento do sócio, motivo pelo qual não há pretensão e, consequentemente, dever jurídico passível de violação. O que existe é um direito a ser exercitado quando presente o abuso da personalidade, exercício para o qual não se requer senão a simples manifestação de vontade do titular. É a desconsideração, portanto, autêntico direito potestativo que, não possuir prazo decadencial fixado em lei, não está sujeito à extinção pelo seu não exercício. Pelo contrário, pode-se requerer a desconsideração a qualquer tempo, ad aeternum, pois se trata de direito potestativo que não caduca jamais.    

4 - Comentários ao item D

(D) Para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, exige-se a comprovação do desvio de finalidade e de confusão patrimonial.

A alternativa D está errada.

A leitura do art. 50 do Código Civil evidencia que o legislador, ao prever os requisitos que autorizam a aplicação do instituto, fê-lo de maneira alternativa. In verbis (grifo meu):

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A conjunção alternativa "ou" empregada pelo legislador como técnica redacional afasta definitivamente a tese da cumulatividade dos requisitos. Consequentemente, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica pode ser feita à luz do desvio de finalidade (realização de atividades fora das autorizadas para a pessoa jurídica, prática de atos ilícitos, retirada de bens do ativo da pessoa jurídica, a gerar prejuízo para o seu patrimônio, tornando-a inapta a solver suas obrigações contraídas junto aos credores enquanto se favorece o enriquecimento dos seus sócios) ou confusão patrimonial (os bens dos sócios e os da pessoa jurídica confundem-se a tal ponto que se torna impossível divisá-los, de que é exemplo recorrente a prática de colocar bens da empresa em nome da pessoa natural dos sócios, com vistas a simular situação jurídica prejudicial aos interesses de credores).

O STJ também entende que os requisitos são alternativos (grifo meu):

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DO SÓCIO MAJORITÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial.
3. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/02, consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.
4. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.
5. Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio majoritário ou controlador.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 1.325.663/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11/06/2013, p. DJe 24/06/2013).   

 
Portanto, para a decretação da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, exige-se a comprovação do desvio de finalidade e/ou da confusão patrimonial.

5 - Comentários ao item E

(E) A demonstração da insolvência da pessoa jurídica é requisito essencial para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica.

A alternativa E está errada (do ponto de vista da doutrina).

De acordo com parte da doutrina, a demonstração de insolvência da pessoa jurídica não é requisito essencial para a decretação da desconsideração da personalidade. Cuida-se do entendimento que ficou consagrado no enunciado nº 281 da IV Jornada de Direito Civil:

281 – Art. 50. A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.

Tal corrente doutrinária assim entende por admitir a desconsideração da personalidade possa ser utilizada em caráter preventivo, hipótese na qual, mesmo não estando insolvente a pessoa jurídica, o titular do direito potestativo invoca-a com vistas a evitar a ocorrência de fraudes futuras, e não apenas para a satisfação de crédito já inadimplidos.  

Entretanto, não obstante esse posicionamento da doutrina, a jurisprudência dos tribunais brasileiros parece caminhar no sentido de exigir-se a efetiva comprovação da insolvência como condição para que seja desconsiderada a personalidade da pessoa jurídica.

Nesse sentido, colaciono algumas decisões do STJ (grifos meus), nas quais se evidencia, pela maneira como que redigida a ementa, a necessidade da prova efetiva da insolvência:

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. 1) DISTINÇÃO DE RESPONSABILIDADE DE NATUREZA SOCIETÁRIA. 2) REQUISITO OBJETIVO E REQUISITO SUBJETIVO. 3) ALEGAÇÃO DE DESPREZO DO ELEMENTO SUBJETIVO AFASTADA.
I - Conceitua-se a desconsideração da pessoa jurídica como instituto pelo qual se ignora a existência da pessoa jurídica para responsabilizar seus integrantes pelas conseqüências de relações jurídicas que a envolvam, distinguindo-se a sua natureza da responsabilidade contratual societária do sócio da empresa.
II - O artigo 50 do Código Civil de 2002 exige dois requisitos, com ênfase para o primeiro, objetivo, consistente na inexistência de bens no ativo patrimonial da empresa suficientes à satisfação do débito e o segundo, subjetivo, evidenciado na colocação dos bens suscetíveis à execução no patrimônio particular do sócio - no caso, sócio-gerente controlador das atividades da empresa devedora.
III - Acórdão cuja fundamentação satisfez aos dois requisitos exigidos, resistindo aos argumentos do Recurso Especial que alega violação ao artigo 50 do Código Civil de 2002.
IV - Recurso Especial improvido.
(STJ, T3 - Terceira Turma, REsp 1.141.447/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 08/02/2011, p. DJe 05/04/2011).   

RECURSO ESPECIAL - NEGATIVAÇÃO DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA - NÃO VERIFICAÇÃO - MOTIVAÇÃO UTILIZADA NA SENTENÇA QUE TRANSITOU EM JULGADO - NÃO INCIDÊNCIA DO EFEITO DA IMUTABILIDADE - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS - VERIFICAÇÃO - REVOLVIMENTO DA MATÉRIA FÁTICA-PROBATÓRIA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO IMPROVIDO. I- Sobre a norma jurídica concreta, inserida na parte dispositiva da sentença, que decide a pretensão, é que recairá o efeito da imutabilidade, inerente à coisa julgada. Enquanto nos embargos de terceiro discutiu-se a licitude ou não de uma constrição judicial sobre determinados bens dos sócios, na qualidade de terceiros, na execução do julgado, em sede de agravo de instrumento, controverte-se sobre a legitimidade destes em responderem com seus bens, indistintamente, pelo débito reconhecido judicialmente; II - A responsabilização dos administradores e sócios pelas obrigações imputáveis à pessoa jurídica, em regra, não encontra amparo tão-somente na mera demonstração de insolvência para o cumprimento de suas obrigações (Teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica). Faz-se necessário para tanto, ainda, ou a demonstração do desvio de finalidade (este compreendido como o ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica), ou a demonstração da confusão patrimonial (esta subentendida como a inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial do patrimônio da pessoa jurídica ou de seus sócios, ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas; III - O Tribunal de origem, estribado nos elementos probatórios reunidos nos autos, consignou que as cisões, a primeira operada em 1991 e a segunda ocorrida em 1995, que ensejaram a criação das sociedades Tiptur e Lana, respectivamente, com substancial reversão patrimonial para estas, nas quais figuraram como sócios os próprios recorrentes (na primeira) e pessoas do mesmo núcleo familiar (na segunda), encontram-se intrinsecamente relacionadas, tendo por propósito comum obstar, por meio de diluição patrimonial, o pagamento do débito exeqüendo. Nos dizeres do Tribunal de origem: "Restaram demonstrados os estratagemas do grupo familiar Abi Chedid para dissipar o patrimônio da devedora Ensatur, ora agravada"; IV - Vê-se que, além das razões recursais prenderem-se a uma perspectiva de reexame de matéria de fato e prova, providência inadmissível na via eleita, o desfecho conferido pelo Tribunal de origem à moldura fática delineada, imutável nesta via, afigura-se escorreita; V - Recurso Especial improvido.

A necessidade da prova da efetiva insolvência para autorizar a desconsideração também foi referida no Inf. 440 do STJ relativamente ao julgamento do REsp 948.117/MS. Reproduzo (grifo meu):

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA.

Discute-se, no REsp, se a regra contida no art. 50 do CC/2002 autoriza a chamada desconsideração da personalidade jurídica inversa. Destacou a Min. Relatora, em princípio, que, a par de divergências doutrinárias, este Superior Tribunal sedimentou o entendimento de ser possível a desconstituição da personalidade jurídica dentro do processo de execução ou falimentar, independentemente de ação própria. Por outro lado, expõe que, da análise do art. 50 do CC/2002, depreende-se que o ordenamento jurídico pátrio adotou a chamada teoria maior da desconsideração, segundo a qual se exige, além da prova de insolvência, a demonstração ou de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração) ou de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). Também explica que a interpretação literal do referido artigo, de que esse preceito de lei somente serviria para atingir bens dos sócios em razão de dívidas da sociedade e não o inverso, não deve prevalecer. Anota, após essas considerações, que a desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir, então, o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações de seus sócios ou administradores. Assim, observa que o citado dispositivo, sob a ótica de uma interpretação teleológica, legitima a inferência de ser possível a teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sua modalidade inversa, que encontra justificativa nos princípios éticos e jurídicos intrínsecos à própria disregard doctrine, que vedam o abuso de direito e a fraude contra credores. Dessa forma, a finalidade maior da disregard doctrine contida no preceito legal em comento é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Ressalta que, diante da desconsideração da personalidade jurídica inversa, com os efeitos sobre o patrimônio do ente societário, os sócios ou administradores possuem legitimidade para defesa de seus direitos mediante a interposição dos recursos tidos por cabíveis, sem ofensa ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. No entanto, a Min. Relatora assinala que o juiz só poderá decidir por essa medida excepcional quando forem atendidos todos os pressupostos relacionados à fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/2002. No caso dos autos, tanto o juiz como o tribunal a quo entenderam haver confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente. Nesse contexto, a Turma negou provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 279.273-SP, DJ 29/3/2004; REsp 970.635-SP, DJe 1°/12/2009, e REsp 693.235-MT, DJe 30/11/2009. REsp 948.117-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/6/2010.

Fora do âmbito do STJ, também encontramos tribunais de 2º grau a acolher entendimento segundo o qual a demonstração de insolvência da pessoa jurídica é requisito exigível pelo instituto do art. 50 do CC. A título de exemplo, colaciono recente decisão do TJPR:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO ­ REQUISITOS LEGAIS PREVISTOS NO ARTIGO 50, DO CÓDIGO CIVIL, NÃO DEMONSTRADOS. RECURSO PROVIDO. Nos termos do artigo 50, do Código Civil, que tipificou a "teoria maior", a desconsideração da personalidade jurídica pressupõe não só a insolvência da pessoa jurídica, mas também o desvio de finalidade e/ou a confusão patrimonial, não demonstrados no presente caso.
(TJ-PR 8953433 PR 895343-3 (Acórdão), Relator: Luiz Lopes, Data de Julgamento: 24/05/2012, 10ª Câmara Cível)

À luz desses precedentes, parece-me temerário afirmar em tom categórico a desnecessidade da comprovação de insolvência da pessoa jurídica para a desconsideração da sua personalidade. Poder-se-ia até fazê-lo, restringindo, contudo, o argumento ao plano doutrinal. No plano jurisprudencial, a imprescindibilidade da insolvência suscita dúvidas (pelo menos, a meu ver). E, em tais casos, é medida de rigor a anulação da questão.