quarta-feira, 2 de outubro de 2013

RT Comenta: DIREITO CIVIL

 

Prova: Promotor de Justiça MPSC (2013)

Tipo: Objetiva
Banca:

Originalmente, o legislador denominou o Decreto-Lei 4.657/42 como "Lei de Introdução ao Código Civil" (LICC). Tal denominação perdurou durante anos até que, em 2010, a Lei 12.376 alterou-a, para dispor que a ementa do decreto passaria a vigorar com a seguinte redação: "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro" (LINDB). O propósito da modificação foi notadamente o de ampliar o campo de aplicação do DL 4.657/42.

No entanto, independentemente da alteração legal, a doutrina brasileira já de longa data reconhecia a amplitude da antiga LICC, a abranger todos os subsistemas do Direito, jamais se restringindo a ser uma mera "lei de introdução" do Código Civil.  

Em face da amplidão característica de suas normas, com regras aplicáveis ao Direito como um todo, a LINDB tem sido objeto de cobrança constante nos concursos públicos. Atento a isso, coletei algumas questões que foram cobradas na prova matutina do concurso 38 (2013) para o cargo de Promotor de Justiça de Santa Catarina. Apesar de a banca ser local (eu odeio bancas locais, em geral elaboram pessimamente as provas, em tudo a prejudicar os concurseiros), os itens propostos para julgamento são interessantes. Comentá-los-ei, portanto.  
1 - Questão 197
( ) Em questões sobre a qualificação e regulação das relações concernentes a bens, prevalece a lei do país em que for domiciliado o proprietário.
  
A questão 197  é FALSA.

A LINDB tem objetivos bem conhecidos do público em geral. É comum associá-la à disciplina dos parâmetros legais que balizam a elaboração, a vigência e a eficácia das leis. Mas o Decreto-Lei 4.657/42 não se resume a essas normatizações. Ele vai além. Disciplina, por exemplo, o Direito Internacional Privado, que não é subsistema do Direito Internacional Público, mas sim um campo próprio de estudos, no qual são especialmente relevantes as regras de aplicação da lei no espaço. É daí que se justifica o regramento relativo aos bens, previsto no art. 8º da LINDB nos termos seguintes:  

Art. 8º  Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

§ 1º  Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.

§ 2º  O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.

Com base no texto literal do art. 8º, é possível concluir que, de regra, em se tratando de questões sobre a qualificação de bens e regulação das relações a eles concernentes, o que prevalece não é a lei do país do domicílio do proprietário (critério aplicável tão só a bens móveis, consoante determina o § 1º), mas sim a lei do país em que os bens estiverem situados.   

2 - Questão 198
( ) Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, exceto o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do Consulado.
  
A questão 198  é FALSA.
Começarei pela seguinte observação: a LINDB disciplina também a atividade dos agentes consulares. Esse aspecto adquire grande relevância na regulamentação do contrato de casamento, haja vista a confluência que há na matéria entre os subsistemas do Direito Civil (especialmente o Direito de Família) e do Direito Internacional Privado. São questões interessantes, e até muito comuns, pois o casamento continua, para parcela expressiva da sociedade, a ser uma tradição cultural forte. E, claro, a possibilidade de contrair núpcias inclui a hipótese de enlace matrimonial com pares estrangeiros ou mesmo de nubentes com domicílios diversos, de país para país. Exemplo: brasileiro que casa com japonesa; ele mora no Brasil; ela mora no Japão.  

De ordinário, é da competência das leis locais do Estado onde é celebrado o casamento regulamentar o negócio da boda. É o chamado critério da lex fori, pelo qual serão invocadas as regras constantes do Direito Civil ou de outra norma aplicável. No Brasil, deve-se invocar o art. 7º, caput e § 1º, da LINDB:  

Art. 7º  A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
 
§ 1º  Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.

Pelo visto, o ordenamento nacional adota como critério prevalente a lei brasileira nos casos de casamentos realizados no país (aplicam-se as regras do art. 1.521 para impedimentos dirimentes e as do art. 1.550 para impedimentos relativamente dirimentes, ambas as normas do Código Civil). Isso, todavia, não impede que a lei do domicílio do nubente regule sua capacidade para casar, que é o que o caput do art. 7º está a dispor quando se refere à capacidade no âmbito do Direito de Família (a doutrina denomina esse vínculo à lei do país de origem de Estatuto Pessoal do estrangeiro).  

Mas e a hipótese do casal de brasileiros que, vivendo no exterior, decide casar?

Aí se abrem duas opções para os nubentes: tanto podem convolar núpcias perante a autoridade alienígena quanto perante as autoridades consulares ou diplomáticas brasileiras. É nesta última hipótese que ocorre o casamento consular ou diplomático, previsto no art. 18 da LINDB (com a redação dada pela Lei 3.238/57):  

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado. 

Observe o leitor que a parte final do art. 18, ao dispor quanto à competência das autoridades consulares brasileiras, INCLUIU a de proceder ao registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou de brasileira nascidos no país da sede do consulado. Disso decorre a falsidade da questão 198, uma vez que esta ressalvou uma competência atribuída pela LINDB ao agente consular pátrio.    

3 - Questão 199
( ) As emendas ou correções à lei que já tenha entrado em vigor não serão consideradas lei nova.
  
A questão 199  é FALSA.
A afirmação em destaque reporta-se ao tema da vigência e da eficácia das leis no direito brasileiro. Em regra, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada (LINDB, art. 1º, caput). Significa dizer que, no Brasil, somente após esse prazo é que uma determinada norma será dotada de obrigatoriedade de cumprimento em todo o território nacional (a vigência é simultânea em todo o País), pois só norma em vigor (vigente) é que obriga, impõe, vincula.   

Mas pode acontecer de a lei, antes de entrar em vigor (i. e., antes de expirar o lapso temporal que antecede o seu caráter obrigatório), ter seu texto republicado pelo legislador. Aí a LINDB dispõe que o prazo de vacatio legis que precede a efetiva vigência começará a correr novamente. É o que dispõe o § 3º do seu art. 1º: 

Art. 1º  Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

omissis    

§ 3º  Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.

E se a correção do texto for necessária quando a lei já tenha efetivamente entrado em vigor?

A LINDB responde no § 4º do mesmo art. 1º:

Art. 1º omissis
 
§ 4º  As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Dessa forma, o leitor percebe com facilidade a falsidade da questão 199, visto que, nos termos do art. 1º, § 4º, da LINDB, lei em vigor que venha a ser corrigida será, sim, considerada lei nova.

4 - Questão 200
(  )  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela Lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.
  
A questão 200  é VERDADEIRA.
Mais uma vez, a banca examinadora cobra regramento relativo ao Direito Internacional Privado. Precisamente se refere ao tema da prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro, o qual se encontra disciplinado no art. 13 da LINDB. In verbis

Art.  13.  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

Assim, à luz da literalidade do art. 13, o leitor pode identificar que o examinador cobrou a letra da lei na assertiva em comento, motivo pelo qual é verdadeira a questão. Com efeito, nos termos da LINDB, reconhece-se a autoridade da lei do país onde os fatos tiverem ocorrido para conformar o direito probatório. A ressalva fica apenas para a inadmissibilidade de meios e ônus de prova não conhecidos pela lei brasileira. A título de exemplo, fato ocorrido no estrangeiro não pode ser provado no Brasil com base em provas obtidas por meios ilícitos (CF, art. 5º, LVI), assim como por meios que não sejam legais ou moralmente legítimos (CPC, art. 332, caput, a contrario sensu).

Bem, esses foram os meus comentários de hoje, por meio dos quais procurei abordar algumas questões que envolveram a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Espero que o leitor tenha gostado dos comentários. E quem puder ajudar na divulgação do blogue, desde já, eu agradeço!   

Nenhum comentário:

Postar um comentário