quinta-feira, 1 de março de 2012

TPI e a prolatação de sua primeira sentença: o caso “Procurador vs. Thomas Lubanga Dyilo”


          Thomas Lubanga Dyilo é um cidadão congolês que integrou um grupo rebelde da República Democrática do Congo (RDC).  Esse país africano é conhecido pelas guerras civis sucessivas, especialmente localizadas no distrito de Ituri. As motivações que ensejam a cobiça dessa parte do Congo dizem respeito às colinas verdejantes, ricas em terras férteis e minérios, que ondulam até Bunia, passando pelo Lago Albert, cidade que faz fronteira com Uganda.
          O problema é que Thomas Lubanga Dyilo não apenas figurou como parte em guerra civil no território conguês, mas atuou diretamente no recrutamento de crianças menores de 15 anos de idade para integrarem o grupo rebelde Forces patriotiques pour la libération du Congo (“Forças Patrióticas para a Libertação do Congo”) - FPLC. Pelo menos é o que consta nos autos do processo que o Procurador do Tirbunal Penal Internacional (TPI) move contra ele (“Caso: Procurador vs. Thomas Lubanga Dyilo"), acusando-o de incorrer em crimes de guerra. Segundo alega a acusação, Dyilo teria sido co-autor do delito, usando dos adolescentes e crianças como membros do grupo que atuou nas guerras no distrito conguense de Ituri no período de setembro de 2002 a agosto de 2003.     
          Segundo dispõe o Estatuto de Roma, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional cinge-se ao julgamento dos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Esses crimes de especial gravidade, a teor do seu art. 5º, abrangem: (a) crimes de genocídio; (b) crimes contra a humanidade; (c) crimes de guerra; (d) crime de agressão. No caso vertente, Dyilo é acusado, junto ao TPI, da prática de crimes de guerra, que são aqueles delitos, previstos no art. 8º do tratado, especialmente quando cometidos “como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes” (§ 1º). O rol de condutas estatuídas no art. 8º do Estatuto de Roma, constitutivas de “crimes de guerra”, é extenso, mas posso resumi-las, de modo muito genérico, como sendo as condutas que violam as normas do Direito Internacional Humanitário – tratados oriundos das quatro convenções de Genebra, compiladas na quarta convenção, de 12 de agosto de 1949 -, como, por exemplo, homicídios dolosos, torturas, tratamento desumanos, inclusive por meio de experiências biológicas, tomada de reféns etc,  além de outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional (como ataques a populações civis, ao pessoal e aos materiais de missões de paz ou de assistência humanitária, prática de estupro, escravidão sexual, prostituição forçada etc).
          No que concerne especificamente à suposta conduta criminosa perpetrada por Dyilo, o Estatuto de Roma é de clareza solar ao dispor que será considerado crime de guerra o ato de “Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades” (TPI, ER, art. 8º, b, xxvi).     
          Nesse contexto, não causa espécie a grande comoção que a notícia divulgada no sítio oficial do Tribunal Penal Internacional (ver referências abaixo), no último dia 29 de fevereiro, causou junto aos estudiosos do Direito Internacional Público e à sociedade internacional como um todo. Trata-se, a um só tempo, da prolatação da primeira sentença da Corte desde sua criação (o tratado foi aprovado durante a Conferência Diplomática de Plenipotenciários da ONU, realizada na cidade de Roma, em julho de 1998, mas só entrou em vigor internacionalmente em 1º de julho de 2002) e do fortalecimento da tendência à jurisdicionalização do direito das gentes por meio de juízos naturais, não ad hoc. Esse movimento, inaugurado de modo especialmente acentuado após o conflito bélico advindo do choque imperialista de potências que resultou na Segunda Guerra Mundial, adquiriu juridicidade concreta com a instituição do TPI, o qual universalizou a ideia de um poder punitivo protetor da dimensão eficacial dos tratados internacionais de direitos humanos, mediante a instituição de uma Justiça Penal Internacional de caráter permanente que viesse a punir, para além das fronteiras nacionais, os autores de crimes atentatórios contra a humanidade.
          Vale ressaltar que o continente africano desencadeou precedente histórico importante no conjunto de iniciativas que, ao fim e ao cabo, impulsionaram a celebração do tratado que instituiu o TPI. Reporto-me, no particular, aos conflitos que dizimaram milhares de civis em Ruanda (guerra civil entre as etnias tutsis e hutus) e que motivaram pedido do próprio governo ruandense, dirigido ao Conselho de Segurança da ONU, no sentido de que fosse criada uma corte internacional para processo e julgamento dos crimes contra a humanidade perpetrados no território de Ruanda e de Estados vizinhos. Isso se concretizou, em 1994, mediante a Resolução 955, que instituiu ad hoc o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (ICTR).
          Para além do marco histórico que é a prolatação da primeira sentença do TPI, definindo ou não a culpa do réu no crime de guerra do qual é acusado perante a Corte, a vindoura decisão determinará, conforme demonstra a notícia, os princípios aplicáveis às indenizações, além de poder impor reparações às vítimas.
          Todos esses motivos contribuem para que o internacionalista permaneça atento à essa sentença. De um lado, porque, como já afirmei acima, demonstra a consolidação da Justiça Penal Internacional – ou, por outras palavras, o fim da “impunidade protegida pela soberania de Estado” -, de outro, porque dessa decisão, independentemente de seu teor ser absolutório ou condenatório, sairão importantes balizas jurisprudenciais a nortear as pesquisas futuras sobre o Direito Internacional Penal, especialmente no que tange a este novo e interessantíssimo campo de estudos jurídicos que é o Processo Internacional Penal.           
Segue abaixo a notícia, no original em inglês, extraída do sítio oficial do TPI (International Criminal Court  - ICC). 

The decision on the innocence or guilt of Thomas Lubanga Dyilo will be delivered on 14 March by ICC Judges
ICC-CPI-20120229-MA118
Situation: Democratic Republic of the Congo
Case: The Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo
Trial Chamber I of the International Criminal Court (ICC) will deliver its decision on the innocence or guilt of Thomas Lubanga Dyilo (in accordance with article 74 of the Rome Statute) in a public hearing on 14 March 2012 at 10.00 a.m. (The Hague local time). Practical information on how to attend such session will be announced in a separate media advisory at a later stage.
The trial against Mr Lubanga Dyilo is the first trial before the ICC. It started on 26 January 2009 and the closing statements were presented by the parties and participants on 25 and 26 August 2011. In accordance with the Rome Statute, in order to convict the accused, the Chamber must be convinced of the guilt of the accused beyond reasonable doubt. In the event of a conviction, the Chamber will later consider the appropriate sentence to be imposed. Irrespective of whether the accused is acquitted or convicted, the Court is required to establish the principles to be applied in relation to reparations, and it may make orders as regards awards of reparations to victims.
At present, 14 cases have been brought before the Court of which 4 are at the trial stage. In total 7 situations are currently under investigation in Uganda, the Democratic Republic of the Congo, the Central African Republic, Darfur (Sudan), Kenya, Libya and Côte d’Ivoire.
Background information
Thomas Lubanga Dyilo, a national of the Democratic Republic of the Congo, is accused of having committed, as a co-perpetrator, the war crimes of enlisting and conscripting children under the age of 15 years into the Forces patriotiques pour la libération du Congo (Patriotic Forces for the Liberation of the Congo) (FPLC), and using them to participate actively in hostilities in Ituri, a district of the eastern province of the Democratic Republic of the Congo, between September 2002 and August 2003. Following his surrender to the Court, he was transferred to The Hague on 17 March 2006, pursuant to a warrant of arrest issued by Pre-Trial Chamber I.
Over the course of 204 days of hearings, the Chamber, comprising Judge Adrian Fulford (presiding judge), Judge Elizabeth Odio Benito and Judge René Blattmann, heard 36 witnesses called by the Office of the Prosecutor, including 3 experts, 24 witnesses called by the Defence and 3 witnesses called by the legal representatives of the victims participating in the proceedings. The Chamber also called 4 experts to testify.
A total of 129 victims, represented by two teams of legal representatives and the Office of Public Counsel for Victims, were granted the right to participate in the trial. They have been authorised to present submissions and to examine witnesses on specific issues.”

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