terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

DOS REQUISITOS PARA A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ: análise do HC 139.942/SP (Inf. 509)

Min. Maria Thereza de Assis Moura, relatora do HC 139.942/SP

1 - Introdução

Dentre os tipos penais que visam a tutelar a paz pública, encontra-se o de quadrilha ou bando. Sua previsão legal está no art. 288 do CP nos termos seguintes:

 Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de um a três anos. 
Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.


Para a configuração desse tipo, doutrina e jurisprudência, ao longo do tempo, foram firmando entendimento quanto aos elementos exigíveis no caso concreto.

O primeiro deles, também o mais óbvio, relaciona-se com a quantidade de integrantes que praticam a conduta de "associarem-se para o fim de cometer crimes". A redação do tipo patenteia a necessidade de que haja mais de três pessoas, isto é, só se tipifica a quadrilha ou bando se houver, pelo menos, quatro agentes associados.

Quanto ao número mínimo de associados, o STJ já decidiu explicitamente (grifo meu):

HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 180 DO CP. FIXAÇÃO DA PENA PREVISTA NO CAPUT. IMPOSSIBILIDADE. EXERCÍCIO DA ATIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL. MAIOR GRAVIDADE E REPROVABILIDADE DA CONDUTA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DELITO DE QUADRILHA ARMADA. PRESENÇA DE MAIS DE TRÊS PESSOAS. DELITO CONFIGURADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Embora seja certo que o delito do § 1º do art. 180 do Código Penal traga como elemento constitutivo do tipo o dolo eventual, a pena mais severa cominada à forma qualificada da receptação tem sua razão de ser na maior gravidade e reprovabilidade da conduta praticada no exercício da atividade comercial ou industrial, cuja lesão exponencial resvala num número indeterminado de consumidores.
2. Para a configuração da infração tipificada no art. 288 do Código Penal - quadrilha ou bando -, é exigida a presença de pelo menos quatro indivíduos, uma vez que o tipo penal prevê que o ilícito resta caracterizado somente quando "mais de três pessoas" se associam para "o fim de cometer crimes".
3. O simples fato de ter sido determinado o desmembramento do feito em relação aos demais agentes não tem o condão de descaracterizar o delito previsto no art. 288 do Código Penal, como pretendido na impetração, já que, além do paciente e dos outros dois agentes que restaram condenados na mesma ação penal pelo crime de quadrilha armada, ainda restaram outros integrantes a compor o bando.
4. Ordem denegada.
(STJ, Sexta Turma, HC 189.297/BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19/06/2012, p. DJe 29/06/2012).

O segundo deles é pertinente à conduta, entendida como a associação de quatro pessoas (no mínimo) com o fito de cometer crimes. No entanto, a conduta, caracterizadora do art. 288 do CP, apresenta algumas peculiaridades. A partir de agora, hei de destacá-las.  

2 - As peculiaridades da conduta no crime de quadrilha ou bando

Dentre os elementos integrantes do fato típico, destaca-se a conduta. É nela que se avalia a presença, no caso concreto, da voluntariedade ou involuntariedade. Numa palavra, a conduta pode ser dolosa ou culposa.  

Para efeito de tipificação do delito do art. 288 do CP, a conduta deve ser dolosa, ou seja, exige-se a vontade consciente de associar-se em quadrilha ou bando. Mas não basta "qualquer" manifestação de vontade. É preciso que ela esteja dirigida a um fim específico, que é o de "cometer crimes".

Portanto, a expressão "para o fim cometer crimes" deve ser analisada com esmero. Cumpre sublinhar, de início, que é ela que denota o especial fim de agir, ou o elemento subjetivo do injusto, ou ainda o "dolo específico" (denominação antiga, hoje em paulatino desuso doutrinário). Se o dolo dos agentes não tiver "o fim de praticar crimes", consequentemente, não haverá quadrilha ou bando. Daí por que a popular "quadrilha do jogo do bicho" é juridicamente atecnia das mais reprováveis, haja vista inexistir, nos termos do art. 288 do CP, associação de quadrilheiros com o fim de cometer contravenção penal. Da mesma maneira, se o ajuntamento deu-se com vistas à prática de um único crime, não há que se cogitar de quadrilha ou bando, pois o plural empregado pelo legislador (cometer crimes) tem a significância dogmática de compreender a perpetração de vários delitos, uma série indefinida deles.
    
Outro importante efeito do elemento subjetivo do injusto no crime de quadrilha ou bando é a necessidade de sua demonstração pelo titular da ação penal quando do oferecimento da peça acusatória. Caso contrário, restará inviabilizada a defesa e até mesmo a adequação típica. É como já decidiu o STJ (grifo meu):
 
HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. INÉPCIA. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO VÍNCULO ASSOCIATIVO E DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL DO TIPO (FINALIDADE DE COMETER CRIMES). ORDEM CONCEDIDA.
1. Para a imputação do crime previsto no art. 288 do Código Penal, o concurso necessário de mais de 3 agentes, de forma permanente, ligados subjetivamente pela vontade consciente de cometerem delitos, como elementares que são do tipo, devem ser demonstradas pelo parquet quando do oferecimento da peça acusatória, sob pena não só de inviabilizar o exercício da defesa como, até mesmo, impossibilitar a adequação típica entre a conduta e a norma.
2. Na hipótese, não há na exordial acusatória menção à convergência de vontades direcionada à prática criminosa, o que faz com que ela não atenda as exigências do art. 41 do Código de Processo Penal, notadamente por não conter a exposição clara dos elementos indispensáveis dos fatos tidos como delituosos, pois não demonstra a associação da paciente aos demais correús, tampouco os contornos da conduta que indiquem o preenchimento da elementar subjetiva.
3. Habeas corpus concedido, a fim de pronunciar a inépcia formal do Aditamento à denúncia nº 001/2011, e excluir a paciente da ação penal que apura a ocorrência do crime de formação de quadrilha, ratificando-se a liminar anteriormente concedida.
(STJ, Sexta Turma, HC 207.663/CE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 06/03/2012, p. DJe 24/04/2012).  

Além do elemento finalístico alusivo ao cometimento de crimes, a análise da conduta no crime de quadrilha ou bando deve verificar outra importante peculiaridade. Trata-se dos elementos normativos do tipo, consistentes na exigência de que a associação dos agentes seja dotada de permanência e estabilidade.

A esse respeito, Noronha (1962 apud DELMANTO, 2003, p. 716) pontifica que

não bastam meros atos preparatórios da convenção comum; não é suficiente simples troca de ideias, ou conversa "por alto" acerca do fim, mas o propósito firme e deliberado, a resolução seriamente formada, com programa a ser posto em execução em tempo relativamente próximo, de modo que se possam divisar no fato a lesão jurídica e o perigo social, contra os quais se dirige a tutela penal. 

Significar dizer que o mero encontro casual descaracteriza o tipo do art. 288 do CP, pois o vínculo que a lei exige deve ser durável, produto de um animus associativo prévio, direcionado ao cometimento dos delitos em um espaço dilatado de tempo. Caso a reunião seja temporária, instável, transitória, aí não é caso de quadrilha ou bando, mas sim de concurso de pessoas (coautoria ou participação).

3 - As peculiaridades da conduta no crime de associação para o tráfico

Fiz questão de aprofundar um pouco a análise da conduta no tipo de quadrilha ou bando constante da Parte Especial do Código Penal por uma razão lógica: ela guarda os elementos conceituais cujo entendimento facilita a compreensão de um outro tipo penal bem parecido. Refiro-me ao art. 35 da Lei 11.343/06, que tipifica o crime de associação para o tráfico. Ei-lo in verbis:

Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único.  Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

De imediato, salta aos olhos uma peculiaridade da conduta da associação para o tráfico: ela se aperfeiçoa com a presença de duas ou mais pessoas, ou seja, basta que dois agentes estejam associados para a tipificação do delito. É diferente, dessa forma, da quadrilha ou bando genérica, prevista no art. 288 do CP, para a qual dois associados não satisfazem o tipo incriminador (que reclama, no mínimo, quatro), constituindo a pluralidade de agentes, conforme o caso, ora causa de aumento de pena (p. ex.: no roubo majorado, art. 157, § 2º, II), ora qualificadora (p. ex.: no furto qualificado, art. 155, § 4º, IV).   

No tocante ao elemento anímico, a conduta punível pelo art. 35 da Lei de Drogas também deve ser dolosa (não há previsão de tipo culposo). Porém, diferentemente do que ocorre com o tipo do art. 288, não basta a mera vontade consciente de associar-se para a prática de uma série indeterminada de crimes. A peculiaridade aqui consiste na exigência do elemento subjetivo especial do injusto "para o fim de praticar qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34, desta Lei". Sendo assim, a associação de dois ou mais agentes do art. 35 deve ter por finalidade a prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput e § 1º), tráfico de maquinário (art. 34) ou financiamento do tráfico (art. 36) - este último retirado do parágrafo único.  

A perplexidade jurisprudencial surge, mais uma vez, da péssima redação empregada no tipo do art. 35 da Lei de Drogas. O motivo é que a expressão "reiteradamente ou não" é de interpretação duvidosa, na medida em que não permite discernir incontinênti se a conduta típica requer o vínculo estável entre os agentes. Na verdade, o legislador brasileiro perdeu uma excelente oportunidade de corrigir a conformação redacional dúbia já existente ao tempo da antiga Lei de Tóxicos (Lei 6.368/76). Colaciono:

  Art. 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Mudou-se a lei, mas não a redação. Com isso, um exegeta aferrado a uma interpretação gramatical do direito pode sustentar, por exemplo, a tese da desnecessidade do ânimo associativo permanente, de modo a autorizar a condenação, na pecha da associação para o tráfico, de agentes que se tenham associado com esporadicidade, em caráter eventual.

Foi o que fez um juiz de direito vinculado ao TJSP. Na sentença condenatória prolatada, consignou o seguinte (sic):

O tipo penal relativo ao artigo 35 da Lei n. 11.343/06 contenta-se com a associação ocasional, visto que não previu na nova lei a causa de aumento de pena descrita  no  artigo  18,  inciso III,  da  Lei  n.  6368/76,  no  tocante  à associação.
Assim, diante do disposto no artigo 14 da Lei n. 6368/76 e no artigo 18, inciso III, pacificou-se o entendimento de que para a caracterização daquele, era necessário a associação perene e,  para  a  aplicação  deste,  bastava  a associação  eventual.  Essa era a  única  interpretação  coerente  para  a convivência dos dois dispositivos no sistema da antiga Lei de Tóxicos.
Com a retirada desta causa de aumento de pena, restou apenas a conduta do artigo 14 da lei antiga reproduzida no 35 da nova.
Claro está no artigo 35  que  a  associação  decorre  da  prática reiteradamente  ou  não  do  crime  de  tráfico  de  entorpecentes,  ou  seja,  a interpretação, agora, ausente aquela causa de aumento de pena, é a de que basta a associação ocasional, provada à saciedade nestes autos, uma vez que seja, para a caracterização desse crime.
Verificou-se, assim, o crime definido no artigo 35 da Lei n. 11.343/06.
(...)

A defesa apelou da sentença. Entretanto, o acórdão do TJSP manteve o entendimento esposado em primeira instância (sic):  
 
Também a aventada ausência de estabilidade da associação não tem o condão de afastar a configuração do delito em comento. Este tipo penal se contenta com a associação ocasional, tanto que o artigo 35 da nova Lei de Drogas tratou de deixar claro que a associação decorre da prática reiterada ou não do crime de tráfico de entorpecentes, acabando de uma vez por todas com a celeuma em torno do alcance e aplicação dos artigos 14 e 18, inciso III, do Diploma anterior, (Lei n°. 6.368, de 21.10.1976).
Em face do acima expendido, é de se concluir que a  condenação  era mesmo de rigor.
(...)

É evidente que essa tese está completamente divorciada da técnica penal. Ignora que os crimes de quadrilha ou bando e de associaão para o tráfico, respectivamente previstos nos arts. 188 do CP e 35 da Lei 11.343/06, são substancialmente os mesmos. Em ambos, está-se a punir a conduta (autônoma, registro) daqueles que se associam com o fim de praticar crimes. Mas o que se persegue é a ação deliberada e refletida, permanente e estável, e não o mero ajuntamento ocasional. Entender de maneira diversa implicaria desconsiderar o concurso de pessoas, ampliando em demasia o fato típico, para abranger toda e qualquer pluralidade eventual de agentes.   

Para a incidência do caput do  delito  agora  comentado,  em  virtude  da cláusula  "reiteradamente  ou  não",  poder-se-ia  entender  que  também configuraria  o  crime  o  simples  concurso  de  agentes,  porque  bastaria  o entendimento  de  duas  pessoas  para  a  prática  de  uma  conduta  punível, prevista nos arts. 33, §1º e 34.
Parece-nos, todavia, que não será  toda  vez  que  ocorrer  concurso  que ficará  caracterizado  o  crime  em  tela.  Haverá  necessidade  de  um  animus associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido da formação de um vínculo associativo de fato, uma verdadeira societas  sceleris,  em que vontade de se associar  seja  separada  da  vontade  necessária  à  prática  do  crime  visado.
Excluído, pois, está o crime no caso de convergência ocasional de vontades para a prática de determinado delito, que estabeleceria a co-autoria.
O tipo é especial em relação ao art. 288 do Código Penal; se os delitos visados  são  os  da  lei  sub  examinem, aplica-se  esta  e  não  o  estatuto repressivo genérico.
(...) o conteúdo do crime, porém, é igual ao do seu similar.
Assim, a ação  física  consiste  em  "associar-se".  Exige-se  o  fim  de praticar  crimes  dos  arts.  33,  caput  e  §1º,  e  34  como  dolo  específico  ou elemento subjetivo  do  tipo, mas  não    necessidade  de  que  algum  desses delitos venha a ocorrer para a consumação da quadrilha ou bando. Se vierem a ser praticados, haverá concurso material de delitos. (GRECO FILHO, 2009, p. 184-185).  

A tese da Justiça Estadual, portanto, não merecia prosperar.

Ciente disso, a defesa recorreu da decisão do tribunal paulista, levando-a ao STJ. A Sexta Turma, então, ao julgar o HC 139.942/SP, sob a relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura, acompanhou o entendimento majoritário da doutrina, entendendo que a ausência de permanência (no tempo) e estabilidade (na estrutura de organização) descaracterizam a associação para o tráfico. Eis a ementa do precedente (grifo meu):

HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO  PARA  O  TRÁFICO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA  EM  GRAU  DE  APELAÇÃO.  VIA INDEVIDAMENTE  UTILIZADA  EM  SUBSTITUIÇÃO  A  RECURSO ESPECIAL. ILEGALIDADE MANIFESTA VERIFICADA APENAS EM PARTE.  NÃO  CONHECIMENTO.  CONCESSÃO  PARCIAL  DA ORDEM  EX  OFFICIO .  DOSIMETRIA.  EXASPERAÇÃO  DA PENA-BASE  E  NÃO  APLICAÇÃO  DA  CAUSA  ESPECIAL  DE DIMINUIÇÃO. VARIEDADE E GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS (HAXIXE, MACONHA, COCAÍNA E CRACK). MAIS  DE  27 QUILOS NO  TOTAL.  MANUTENÇÃO  DA  PENA  DO  CRIME  DE  TRÁFICO. ASSOCIAÇÃO  PARA  O  TRÁFICO.  INEXISTÊNCIA  DE  ÂNIMO ASSOCIATIVO  PERMANENTE.  RECONHECIMENTO  DISSO  PELO TRIBUNAL  DE  ORIGEM.  DIVERGÊNCIA COM  O ENTENDIMENTO DESTA CORTE SOBRE O TEMA.
1.  Mostra-se inadequado  e  descabido  o  manejo  de  habeas  corpus  em substituição ao recurso especial cabível.
2.  É imperiosa  a  necessidade  de  racionalização  do  writ,  a  bem  de  se prestigiar  a lógica  do sistema recursal,  devendo ser observada sua função constitucional,  de  sanar  ilegalidade  ou  abuso  de  poder  que  resulte  em coação ou ameaça à liberdade de locomoção.
3. "O habeas corpus é garantia fundamental que não pode ser vulgarizada, sob  pena  de sua  descaracterização  como remédio  heróico,  e seu  emprego não  pode  servir  a  escamotear  o  instituto  recursal  previsto  no  texto  da Constituição" (STF, HC 104.045/RJ).
4. Hipótese em que há, quanto a um fundamento, flagrante ilegalidade a ser reconhecida.
5.  Apreendidos mais de  27  quilos  de  diversas  drogas  (haxixe,  maconha, cocaína e crack), não há falar em alteração da pena-base, em sede de habeas corpus e  nem  de  ilegalidade  pela  não  aplicação  da  causa  especial  de diminuição para o tráfico.
6.  Reconhecido  pelo  acórdão  atacado  que  não    ânimo  associativo permanente (duradouro), mas  apenas  esporádico (eventual),  a  condenação ratificada  no  Tribunal  de  origem,  quanto  ao  crime  do  art.  35  da  Lei  nº 11.343/2006, é ilegal, ante a atipicidade da conduta.
7. Habeas corpus  não conhecido, mas concedida a ordem, ex officio, apenas para cassar a condenação pelo delito de associação para o tráfico.
(STJ, Sexta Turma, HC 139.942/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19/11/2012, p. DJe 26/11/2012).  

No próprio STJ, outros julgados já vinham a exigir a demonstração da estabilidade do vínculo associativo, sob pena de se considerar fato atípico a conduta dada como incursa no art. 35 da Lei de Drogas. Reproduzo (grifos meus):

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ABSOLVIÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DO ÉDITO REPRESSIVO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA NO DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. MEIO DE PROVA IDÔNEO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO NÃO DEMONSTRADA.
1. Para se desconstituir o édito repressivo quanto ao delito de tráfico ilícito de entorpecentes, como pretendido no writ, seria necessário o exame aprofundado de provas, providência inadmissível na via estreita do habeas corpus, mormente pelo fato de que vigora no processo penal brasileiro o princípio do livre convencimento, em que o julgador pode decidir pela condenação, desde que fundamentadamente.
2. Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal.
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA ESTABILIDADE OU PERMANÊNCIA PARA SUA CARACTERIZAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei n.º 11.343/2006. Doutrina. Precedentes.
2. O Tribunal a quo não aponta qualquer fato concreto apto caracterizar que a associação entre o paciente, o corréu e os menores inimputáveis para a prática do tráfico de entorpecentes seria permanente.
3. Não havendo qualquer registro, na sentença condenatória ou no aresto objurgado, de que a associação do paciente com o corréu e os menores inimputáveis teria alguma estabilidade ou caráter permanente, inviável a condenação pelo delito de associação para o tráfico, estando-se diante de mero concurso de pessoas.
4. Ordem parcialmente concedida para trancar a Ação Penal n.º 294.01.2007.004725-1 (Controle n.º 414/07) no que diz respeito ao delito de associação para o tráfico quanto ao paciente DANIEL LIBANORI.
(STJ, Quinta Turma, HC 166.979/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 02/08/2012, p. DJe 15/08/2012). 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART.  35, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006.  CONFIGURAÇÃO.  ANIMUS ASSOCIATIVO ESTÁVEL  E  DURADOURO  PARA  A  PRÁTICA  DOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 33 E 34 DA LEI Nº 11.343/2006. CRIME AUTÔNOMO E QUE PRESCINDE DA PRÁTICA EFETIVA DOS DELITOS QUE MOTIVARAM  A  ASSOCIAÇÃO.  ALEGADA  AUSÊNCIA  DE FUNDAMENTOS PARA A CONDENAÇÃO. INOCORRÊNCIA. NATUREZA DO DELITO NÃO HEDIONDA. REGIME PRISIONAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS TOTALMENTE FAVORÁVEIS. ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA  PRIVATIVA  DE  LIBERDADE  POR  RESTRITIVA  DE  DIREITOS. EXPRESSA VEDAÇÃO LEGAL. ART. 44 DA LEI Nº 11.343/2006.
I - O tipo previsto no artigo art. 35 da Lei nº 11.343/2006 se configura quando duas ou mais pessoas reunirem-se com a finalidade de praticar os crimes previstos nos art. 33 e 34 da norma referenciada. Indispensável, portanto, para a comprovação da  materialidade,  o  animus associativo  de  forma  estável  e duradoura com a finalidade de cometer os crime referenciados no tipo.
II - De outro lado, o delito de associação para o tráfico de entorpecentes é crime autônomo, sendo prescindível para sua configuração efetiva prática dos crimes previstos nos art. 33 e 34 da Lei nº 11.343/2006.
III - Na espécie, verifica-se que as razões que motivaram a condenação do recorrente  pela  prática  do  delito  previsto  no  art.  35  da  Lei    11.343/2006 restaram  esposadas  pela  e. Corte  de  origem  de forma satisfatória  e suficiente, porquanto  levou  em  consideração,  além  das  escutas  telefônicas,  o  depoimento colhido  em  juízo  de  agente  policial  atuante  na  diligência  investigativa  para concluir  que  o  acusado  associou-se  de forma reiterada  e  estável  à  organização criminosa voltada à prática do tráfico de drogas.
IV  -  O  delito  de  associação  para  o  tráfico  de  entorpecentes,  como anteriormente  afirmado,  é  crime  autônomo,  não  sendo  equiparado  a  crime hediondo (Precedentes).
V - Um vez atendidos os requisitos constantes do art. 33, § 2º, alínea c, e §  3º,  c/c  art.  59  do  Código  Penal,  quais sejam,  a  ausência  de  reincidência,  a condenação por um período igual ou inferior a 4 (quatro) anos e a existência de circunstâncias  judiciais  totalmente  favoráveis,  deve  o  condenado,  por  crime hediondo  ou  equiparado,  cumprir  a  pena  privativa  de  liberdade  no  regime prisional aberto.
VI - O art. 44  da  Lei    11.343/06 veda, expressamente,  a possibilidade  de  substituição  da  pena  privativa  de  liberdade  por  restritiva  de direitos,  em  relação  ao  crime  de  associação  para  o  tráfico  de  entorpecentes previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06 (Precedentes).
Recurso parcialmente  provido para fixar  o regime  inicial  aberto  para resgate da reprimenda imposta ao recorrente.
(STJ, Quinta Turma, REsp 1.113.728/SC, Rel. Min. Félix Fischer, j. 29/09/2009, p. DJe 19/10/2009). 

Drogas (tráfico ilícito). Associação para o tráfico (condenação). Mera eventualidade (caso).
1. O delito previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06 não se configura diante de associação eventual, mas apenas quando estável e duradoura, não se confundindo com a simples coautoria. Precedentes.
2. No caso dos autos, em nenhum momento foi feita referência ao vínculo associativo permanente porventura existente entre os agentes, mas apenas àquele que gerou a acusação pelo tráfico em si. Inviável, pois, manter a condenação pela associação, pois meramente eventual.
3. Ordem concedida para se excluir da condenação a figura do art. 35 da Lei nº 11.343/06.
(STJ, Sexta Turma, HC 149.330/SP, Rel. Min. Nilson Naves, j. 06/04/2010, p. DJe 28/06/2010). 

Definitivamente, a jurisprudência do STJ inclina-se em reconhecer que a ausência do ânimo associativo, com caráter duradouro, afasta a tipicidade do crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei 11.343/06.  

4 - Conclusão

A conduta de "associar-se", seja para tipificação do crime de quadrilha ou bando do art. 288 do CP, seja para o de associação para o tráfico do art. 35 da Lei 11.343/06, deve ser analisada com cuidado pelo intérprete. Em ambos os casos, só se pode falar em conduta típica caso se verifique em concreto a existência de um liame intersubjetivo estável e duradouro entre os agentes que se associam. Em outras palavras, para os delitos em vista, não haverá fato típico na hipóse de uma mera reunião eventual, esporádica. Caso contrário, ter-se-ia de admitir sem nenhuma relevância as normas penais que dispõem sobre as consequências da pluralidade de agentes, vez que o concurso de pessoas redundaria quase sempre no caracterização de quadrilheiros.    

A celeuma que parte da jurisprudência insiste em repisar, afastando os elementos normativos típicos da estabilidade e durabilidade na conduta da agentes que se associam para o tráfico, funda-se em uma interpretração gramatical equivocada da expressão "reiteradamente ou não", inscrita no art. 35 da Lei de Drogas.

Como busquei demonstrar ao longo do texto, o legislador brasileiro sequer se deu ao trabalho de revisar a redação do art. 14 da (hoje revogada) Lei 6.368/76, que no passado gerou tantas discrepências de entendimentos quanto ao vínculo estável na associação para o tráfico. Dessa forma, o art. 35 da vigente Lei de Drogas apenas herdou o erro redacional do passado.  

Nesse sentido, é certo que a tese da desnecessidade de vínculo estável e permanente não se compatibiliza com a ideia de uma societas sceleris. Deve-se recordar que o que diferencia os tipos penais da Lei de Drogas e da Parte Especial do CP do simples concurso de agentes é precisamente isto: o ajuste prévio, que protrai o tempo de sua duração, com vistas ao cometimento associado de delitos. Sendo assim, nem toda a convergência volitiva caracterizará o "associar-se" ex vi legis - nos moldes da conduta que integra o fato típico da quadrilha ou bando como da associação para o tráfico. E, conforme procurei demonstrar, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido da imprescindibilidade do dolo de associar-se com estabilidade e permanêcia, para subsumir a conduta do agente no tipo de associação para o tráfico.

Em conclusão, à luz do art. 35 da Lei 11.343/06, é atípica a conduta daqueles agentes que se reúnem de modo fortuito, ocasional, para praticar os crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, e § 1º), tráfico de maquinários (art. 34) ou financiamento do tráfico (art. 36).  

REFERÊNCIAS

DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 7ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 1.336 p.

GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 

3 comentários:

  1. Fala Rafael,
    De grande valia para meus estudos pra prova oral da PC.
    Abraços,

    Fausto.

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  2. Uma coisa, quanto a cessação da permanência: Caso haja denúncia de crime de quadrilha, mas o mesmo grupo continue na mesma atividade criminosa (mesmo após a persecução criminal) é possível nova denúncia por "outro" crime de quadrilha?

    Fausto.

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    1. Fausto, a jurisprudência tem entendido que, em se tratando do crime de quadrilha, considera-se cessada a permanência do delito COM A DENÚNCIA, para efeito de se admitir, em tese, a legitimidade de nova acusação pela prática de crime desse mesmo tipo, sem que se incorra, por isso, em "bis in idem". Tal posicionamento foi firmado pelo STF no HC 78.821/RJ (Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 04/05/1999, p. DJ 17/03/2000). O STJ vem encampando o mesmo entendimento (nesse sentido, ver o acórdão do HC 123763/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 03/09/2009, p. DJe 21/09/2009). Portanto, a resposta a tua pergunta é positiva.

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