quinta-feira, 17 de março de 2016

RT COMENTA: DIREITO CIVIL - Contratos em espécie (Contrato de seguro)



1 – Pergunta enviada pelo leitor:

No contrato de seguro, a participação em "racha" implica a perda da cobertura contratada?

O risco é elemento básico da relação contratual securitária. Por isso, esse tipo de contrato classifica-se doutrinariamente como um contrato aleatório, isto é, um negócio jurídico bilateral condicionado ao risco de ocorrência de um evento futuro e incerto (sinistro).

O risco de sinistro também justifica que o segurado pague uma remuneração ao segurador. A essa remuneração dá-se o nome de “prêmio”. Portanto, prêmio é a contraprestação que o segurado paga pela garantia do seu interesse legítimo, que pode envolver pessoa ou coisa, diante de riscos predeterminados, como está a denotar o art. 757 do CC:   

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

O fator risco no contrato de seguro é tão importante que, no curso do século XX, desenvolveu-se até mesmo, dentro da ciência matemática, o campo da atuária, cujo objeto diz respeito aos cálculos matemáticos utilizados pelas companhias de seguros para determinar o preço das apólices a partir do estudo das probabilidades que conduzem a acidentes e sinistros. A lógica é: quanto maior a probabilidade, maior o risco; logo, maior será o valor cobrado a título de prêmio pelo segurador.   

Desse modo, verifica-se que o risco é elemento essencial do contrato de seguro, no que se constitui o seu fator aleatório determinante. Por isso mesmo é nulo o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro (CC, art. 762).

Caso essa álea (fator sorte) do risco venha a ser alterada propositalmente pelo segurado, então temos que a natureza do contrato de seguro se desnatura. O agravamento do risco pelo contratante de seguro viola a boa-fé – um dos deveres anexos ou acessórios de conduta em qualquer negócio jurídico -, a impedir que a relação contratual desenvolva-se de maneira proba, honesta, ética. Em decorrência disso, o art. 768 do CC sanciona o comportamento antiético do segurado com a perda do direito à garantia:

Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

Como exemplo prático de hipótese na qual a parte contraente agrava intencionalmente o risco do objeto do contrato, temos a participação em “rachas” ou “pegas” nas ruas de cidades. Com efeito, o segurado que participa com seu veículo, ou deixa alguém participar, de disputa automobilística não autorizada está efetivamente a incrementar a álea de ocorrência do sinistro. Com tal atitude, o segurado está a criar intencionalmente um risco não contratado, porquanto não se cogita que alguém possa contratar seguro de carro com o objetivo de protegê-lo de acidentes em competições automobilísticas ilegais nas vias urbanas.

Assim, podemos concluir que o segurado que de qualquer modo se envolve em “rachas” ou “pegas” está a criar um risco não previsto no pacto securitário. Logo, ao agir de má-fé, configura-se manifesto abuso de direito, a afastar o segurado dos limites estabelecidos para o exercício da garantia contratual.
 
Violando as cláusulas do contrato de seguro, o segurado fica desapercebido da garantia do seu interesse, que já não é mais legítimo, contra os riscos que criou com sua conduta imprudente e temerária de participação em "rachas" e "pegas". Consequentemente, perde o seu direito à garantia da proteção contratual e fica sem indenização securitária, a assumir sozinho o risco na virtual ocorrência de sinistro.

Precedente recomendado no STJ: REsp 1.368.766/RS     

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