terça-feira, 7 de maio de 2013

RT Comenta: DIREITO CIVIL


Prova: Advogado SERPRO 2013
Tipo: Objetiva
Banca:
Na seção "RT Comenta" de hoje resolverei as questões de Direito Civil que o CESPE cobrou, em 2013, na prova realizada para o cargo de Advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO). Como bônus, comentarei ainda as questões relativas à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que, embora não se possa considerar uma lei estritamente civilista, porquanto aplicável ao procedimento de elaboração de toda e qualquer lei no País, costuma ser incluída pelas bancas como parte integrante do conteúdo programático relacionado ao Direito Civil.

Registro ao leitor que o CESPE adotou o modelo de prova "certo ou errado", baseado em fator de correção de 1x1. Os comentários partirão das assertivas propostas pela banca e, ao final, consignarei meu julgamento sobre o acertamento de cada questão.  

Como a prova é recentíssima, advirto o leitor de que não tenho a pretensão de esgotar o assunto, tampouco nego que possa haver anulação de assertiva ou mesmo outra resposta que não as que ora me proponho a aclarar. É preciso humildade para admitir isso, o que não tenho problema de fazê-lo perante o amigo leitor que prestigia o meu trabalho e, para minha especial satisfação, tem divulgado voluntariamente o blogue do GERT a terceiros igualmente interessados no estudo do direito. Graças ao amigo leitor o Google já até reconhece a existência do GERT (risos)!   

Seguem os meus comentários.   

1 - Questão 95

Ao decidir uma lide, caso constate que não há lei que regulamente aquela matéria, o juiz deverá suspender o julgamento e aguardar  que seja editada lei que regulamente a matéria.

No Direito Constitucional brasileiro, o direito de ação é uma garantia fundamental de todo cidadão. Por meio do exercício desse poder, o particular busca a tutela jurisdicional, que é monopólio do Estado-juiz, a quem incumbe dizer o direito no caso concreto. Não se concebe, assim, que esse Estado, reivindicando historicamente o monopólio da jurisdição (inclusive para autorizar a heterocomposição privada pela via da arbitragem), possa vir a se esquivar de decidir os litígios que lhe forem submetidos. Daí decorre o princípio da inafastabilidade ou indeclinabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88, nos termos seguintes:

Art. 5º omissis
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

À luz desse dispositivo, conclui-se que, no Brasil, é vedado o non liquet, isto é, o juiz não pode, sob o pretexto de ausência de norma aplicável à espécie, deixar de pacificar o conflito, prestando a tutela jurisdicional pleiteada.

Tal orientação está consolidada em vários diplomas infraconstitucionais brasileiros. O CPC é um deles. Consoante o art. 126 desse códex (grifo meu):

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Também a Consolidação das Leis do Trabalho traz norma com teor similar em seu art. 8º. Vejamos:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Note o leitor que, na conformação redacional desses dispositivos legais, autoriza-se o emprego da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito. Implicitamente, o que o legislador está a invocar são técnicas de integração das normas jurídicas, que é um dos campos de estudo da Filosofia do Direito (para alguns, Teoria Geral do Direito). 

A integração da norma jurídica serve ao propósito de preencher as lacunas do direito, que surgem diante da omissão da lei, uma vez que o legislador é incapaz de prever regramento para todas as situações da vida social, permanentemente cambiante. No entanto, se faltar norma (lei omissa), nem por isso o juiz pode afastar o poder-dever de prestar a tutela jurisdicional (princípio da inafastabilidade da jurisdição). Impõe-se, por consequência, "fechar" o vazio normativo, suprindo-o. Para isso, hão de ser invocadas técnicas de integração. No direito brasileiro, essas técnicas encontram-se previstas no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
 
Art. 4º  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Essa técnica de preenchimento de lacunas da lei -  corolário da vedação ao non liquet que inspira o Direito brasileiro como um todo - é que se denomina de colmatação. Uma lacuna, portanto, deve ser colmatada pela analogia; se esta fracassar, pelos costumes; se estes não existirem, pelos princípios gerais de direito finalmente. Conforme afirma a doutrina majoritária, a ordem das técnicas de integração previstas no art. 4º da LINDB é, além de taxativa, preferencial.

Dessa maneira, conclui-se que, diante da omissão do direito positivo na previsão de norma que regulamente uma determinada matéria, o juiz está obrigado a julgar o caso concreto mesmo assim (vedação ao non liquet), não havendo que se falar em suspensão de julgamento, tampouco em período de espera de edição de lei. Em tais casos, o juiz valer-se-á das técnicas de integração das normas (analogia, costumes, princípios gerais do direito), tudo a salvaguardar a inteireza jurídico-normativa da garantia constitucional inscrita no art. 5º, XXXV, da CF/88.

Logo, o item 95 está ERRADO.  

2 - Questão 96

A lei federal aprovada pelo Congresso Nacional que estabeleça disposições gerais sobre uma norma em vigor no Brasil há mais de cinquenta anos revogará a lei anterior e, salvo disposição em contrário, terá efeito retroativo.

Nesse item, o examinador está a cobrar do candidato conhecimento relativo à vigência das normas no Direito brasileiro.

Nesse ponto, é preciso observar que o Direito brasileiro estrutura-se a partir da premissa de que uma lei deve viger indefinidamente no tempo (princípio da continuidade das normas). Tal condição de vigência permanente da lei só se altera caso sobrevenha outra lei, dita lei posterior, que venha a modificar ou revogar a primeira. É o que consta do art. 2º, caput, da LINDB: 
 
Art. 2º  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

A revogação, por conseguinte, é a técnica por meio da qual o princípio da continuidade é quebrado, impedindo que uma determinada lei venha a protrair seus efeitos indeterminadamente no tempo. Em princípio, a revogação deve ser expressa (direta), caso em que o legislador edita novo diploma, declarando-o expressamente de caráter revogador (LC 95/98, art. 9º).

Mas o princípio da continuidade das normas também pode ser malferido noutras circunstâncias. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese de a lei nova apresentar conteúdo incompatível com a lei anterior ou, ainda, quando regule inteiramente a matéria de que tratava o diploma pretérito. São situações de revogação tácita (indireta), portanto. Seu fundamento pode ser extraído do § 1º do art. 2º da LINDB:

§ 1º  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Todavia, é preciso sublinhar que a admissibilidade da revogação tácita pelo Direito brasileiro não implica que toda e qualquer lei posterior esteja a interromper o princípio da continuidade. Há casos em que a lei nova limita-se tão só a estabelecer disposições a par das já existentes, não revogando nem modificando a lei anterior. É o que se infere a partir § 2º do art. 2º a LINDB: 

§ 2º  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Acrescente-se ainda que a lei nova não poderá afetar as situações jurídicas consolidadas no tempo. A bem dizer, no Direito brasileiro, a regra é a da irretroatividade das leis, consoante preconiza o art. 6º da LINDB:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. 

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. 

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. 
 
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

Chamo a atenção do leitor para a constatação de que o art. 6º da LINDB coaduna-se perfeitamente com o ideal de segurança jurídicas nas relações humanas, que pode ser considerado um dos valores fundamentais a inspirar o projeto de sociedade democrática que a Constituição de 1988 visa a edificar. É o que se depreende do art. 5º, XXXVI, do texto constitucional:
 
Art. 5º omissis
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Consequentemente, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada são institutos que funcionam como anteparo à retroatividade das leis no Brasil, a impedir que a segurança jurídica seja malferida pela atividade do legislador.   

À luz desses ensinamentos doutrinários, é flagrante o equívoco da assertiva proposta pelo examinador, que labora em erro ao tratar a retroatividade como regra e presumir a revogação tácita pelo mero advento de lei ulterior, ainda que o novo diploma apenas estabeleça normas gerais a par das já existentes. 

Logo, o item 96 está ERRADO.  

3 - Questão 97

Considerar-se-á revogada uma lei até então vigente quando uma lei nova, aprovada segundo as regras do processo legislativo, passar a regulamentar inteiramente a mesma matéria de que tratava a lei anterior, ainda que a lei nova não o declare expressamente.

Mais uma vez, o examinador está a cobrar conhecimento quanto às disposições da LINDB acerca da vigência das normas no Direito brasileiro.

Sobre assunto, são válidos os comentários que teci a respeito do item anterior, especialmente os que versam sobre a quebra do princípio da continuidade, o qual acarreta o protraimento da norma por período indefinido de tempo, só se interrompendo pela técnica da revogação. O art. 6º da LINDB é elucidativo do que ora estou a acentuar:  

Art. 2º  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. 

§ 1º  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º  Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

O § 1º do art. 6º da LINDB, além de referir-se à revogação expressa, admite também a revogação tácita, que, entre outras hipóteses, pode ocorrer quando a lei nova vier a regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Foi exatamente esse detalhe que o examinador cobrou na assertiva, estando de pleno acordo com a literalidade do texto do Decreto-Lei 4.657/42.

Logo, o item 97 está CERTO.    

4 - Questão 98

O menor que, após completar dezesseis anos de idade, vier a contrair núpcias adquirirá a capacidade civil plena, caso em que ficará habilitado à prática de todos os atos da vida civil.

Entre outras hipóteses, o Código Civil brasileiro (Lei 10.406/02) prevê que a cessação da incapacidade civil ocorre com a maioridade. Significa dizer que, ao atingir a idade-limite estipulada pelo códex (18 anos), dá-se a aquisição capacidade civil plena, pelo que fica a pessoa natural habilitada à prática de todos os atos da vida civil (i. e., a pessoa passa a conjugar tanto a capacidade de direito quanto a capacidade de fato). É o que determina o caput do art. 5º do CC:

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Mas o ordenamento não desconhece a existência de casos nos quais a incapacidade civil cessa, ainda que não a pessoa não tenha atingido dezoito anos completos. São as hipóteses de emancipação, que, conforme classificação doutrinária, podem ser de três tipos: legal, judicial ou legal. O parágrafo único do dispositivo supracitado contempla hipóteses de emancipação legal:  

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Observe o leitor que o casamento (na técnica vetusta do Direito de Família, diz-se justas núpcias) está prevista como causa de cessação da incapacidade. Trata-se do matrimônio celebrado pelo menor púbere, que é aquele maior de dezesseis e menor de dezoito anos, motivo pelo qual é considerado relativamente incapaz (CC, art. 4º, I). A contrario sensu, menor impúbere é aquele que conta menos de dezesseis anos, sendo considerado absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil (CC, art. 3º, I).      

Ressalto que o examinador, na redação da assertiva, foi feliz ao ressalvar que o menor completara a idade de dezesseis anos antes convolar às núpcias. A razão é que a lei estatui que a idade núbil dá-se a partir dos dezesseis anos (CC, art. 1.517), fora da qual, só excepcionalmente, vai-se admitir a celebração das bodas pelos menores impúberes, conforme prevê o art. 1.520 do Código Civil:

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

Logo, o item 98 está CERTO.    

5 - Questão 99

Os bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica podem responder pelos atos praticados por eles em nome da sociedade, caso os tenham praticado com abuso da personalidade jurídica.

O item 99 está a aludir, de maneira não expressa, à teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Conhecida no direito comparado como disregard doctrine, a referida teorização visa a autorizar que o patrimônio dos administradores ou sócios da pessoa jurídica possa vir a responder pelas obrigações sociais. Consequentemente, a "teoria da desconsideração" afasta a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, característica que, em regra, impede que o universo patrimonial dos sócios seja responsabilizado no campo civil. É o que prevê o art. 50 do CC:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Portanto, pela "teoria da desconsideração", o juiz supera (desconsidera) a independência que há entre os patrimônios das pessoas natural e jurídica, de modo a autorizar que os sócios possam ser civilmente responsabilizados nas hipóteses de abuso da personalidade jurídica (normalmente, apenas o patrimônio da pessoa jurídica responderia pelas suas dívidas e obrigações).

O tema da disregard doctrine é dos mais ricos em termos doutrinários. Só para citar um exemplo, o conclave de juristas por ocasião da IV Jornada de Direito Civil aprovou vários enunciados de doutrina sobre o assunto, os quais, a título de demonstração de respeito ao leitor que me prestigia, passo a reproduzir infra:

281 – Art. 50. A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica.

282 – Art. 50. O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica.

283 – Art. 50. É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros.

284 – Art. 50. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não-econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.

285 – Art. 50. A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor.

Após essas colocações doutrinárias, é indiscutível o acerto segundo o qual, em havendo abuso da personalidade da pessoa jurídica, o ordenamento autoriza a invasão patrimonial sobre os bens dos administradores e sócios, de tal arte que eles venham a responder pelos atos praticados sob o manto do vínculo associativo.

Logo, o item 99 está CERTO.    

6 - Questão 100

Nas associações, os associados terão iguais direitos e deveres, sendo vedado instituir categorias de associados com vantagens especiais, mas a qualidade de associado será sempre transmissível por ato volitivo, salvo disposição em contrário do estatuto.

Enquanto espécie do gênero pessoa jurídica, as associações distinguem-se das sociedades. Estas são pessoas jurídicas constituídas com o propósito de obtenção de lucro, repartindo-o entre os seus respectivos sócios. Aquelas têm qual nota distintiva a qualidade do vínculo, que não visa ao lucro (mas que pode eventualmente ser obtido), mas sim à consecução de fins não econômicos (p. ex.: fins acadêmicos, científicos, literários etc.), de conformidade com o que dispõe o art. 53 do CC, in verbis:

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

Outra importante diferença entre associações e sociedades reside no fato de que não há, nas primeiras, direitos e obrigações recíprocos (CC, art. 53, parágrafo único). Justamente por isso o legislador cuidou de estabelecer que, de ordinário, a qualidade de associado é intransmissível. Vejamos o teor do art. 56 do códex:

Art. 56. A qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o contrário.

Parágrafo único. Se o associado for titular de quota ou fração ideal do patrimônio da associação, a transferência daquela não importará, de per si, na atribuição da qualidade de associado ao adquirente ou ao herdeiro, salvo disposição diversa do estatuto.

Além disso, os associados devem ter iguais direitos, o que não obsta a que o estatuto da associação venha a prever categorias com vantagens especiais (p. ex.: sócio benemérito ou sócio fundador). O art. 55 do Código Civil é expresso nesse sentido:

Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.

Logo, o item 100 está ERRADO.   

7 - Questão 101

Não corre a prescrição entre avó e neto, e vice-versa.

Quando se vai diferençar o instituto da prescrição do da decadência, costuma-se aduzir doutrinariamente a natureza dos direitos a que se vinculam. Assim, exemplificativamente, a prescrição estaria atrelada à perda da pretensão relativa a direitos subjetivos de conteúdo patrimonial (p. ex.: o crédito). Já a decadência, por sua vez, estaria atrelada aos direitos potestativos, os quais, por não permitirem a exigência de pretensão de comportamento de terceiro, realizar-se-iam unilateralmente ante a simples manifestação de vontade do respectivo titular.

Essa distinção tem sido aceita pela maioria dos civilistas modernos no Brasil. Esses mesmos autores ainda apontam outro elemento diferencial relevante entre os institutos: o prazo decadencial é fatal, isto é, salvo quando a lei preveja de forma diversa, ele não se interrompe nem se suspende.

Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

Logo se vê que, pela redação do art. 207 do Código Civil, existem causas de interrupção, impedimento e suspensão que, malgrado aplicáveis aos prazos prescricionais, não cabem para regular a caducidade (decadência) do direito.

O que o examinador cobrou na assertiva em comento foi precisamente uma dessas causas de impedimento/suspensão, mais precisamente a que está prevista no inc. II do art. 197 do CC. Ei-lo in verbis:

Art. 197. Não corre a prescrição:

I - omissis

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

De acordo com a técnica do Direito de Família, não resta dúvida de que avós e netos estão numa relação de parentesco em linha reta; por conseguinte, a avó é ascendente do neto, e o neto é descendente da avó. Ocorre que o final do inciso II menciona "durante o poder familiar". Essa não é uma expressão desnecessária. Nos seus termos, significa dizer que, mesmo que se tratasse de pais e filhos, não haveria causa a impedir/suspender a fluência do prazo prescricional caso houvesse sido afastado o poder familiar (p. ex.: via procedimento de destituição ou via maioridade etária).

No caso em apreço, há de se recordar que, de ordinário, os filhos estão sujeitos ao poder familiar dos pais, conforme prevê o art. 1.630 do CC:  

Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

Assim, não se pode afirmar que a prescrição não corre entre avós e netos, haja vista faltar o requisito legal que concerne ao poder familiar na relação parental.

Logo, o item 101 está ERRADO.   

8 - Questão 102

Decorridos três anos da prática de um ato negocial que, segundo a lei, seja considerado nulo, se a parte prejudicada não requerer a declaração de nulidade do negócio jurídico, haverá prescrição.

As breves considerações que fiz antes quanto a características diferenciadoras os institutos da prescrição e da decadência voltam a sobressair para o julgamento da assertiva em comento. Quero dizer que a prescrição relaciona-se aos direitos subjetivos de conteúdo patrimonial, os quais, para seu adimplemento, demandam um comportamento de outrem. Há, portanto, uma pretensão intrinsecamente ligada à exigibilidade do direito subjetivo patrimonial - pretensão esta que pode vir a ser fulminada pelo decurso do prazo prescricional.

O art. 186 do Código Civil vai ao encontro dessas premissas teoréticas: 

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

Situação diferente é a da decadência, que é instituto que fulmina o direito potestativo, que é aquele que não pode ser violado por não possuir pretensão, porquanto o efeito jurídico pretendido pelo seu titular pode vir a ser obtido pela simples manifestação unilateral de vontade. O exemplo recorrente na doutrina é exatamente o da anulação de um negócio jurídico. Basta ver que, para um contrato ser desfeito, é suficiente, do ponto de vista jurídico, a manifestação de vontade de uma das partes contraentes, não havendo necessidade de comportamento do outrem.

Só com essas lições doutrinárias já se poderia afirmar o erro da assertiva, que trata de declaração de nulidade a partir de prazo de prescrição, e não de decadência, como seria tecnicamente correto. Todavia, chamo a atenção do leitor para outro detalhe relevante: a assertiva menciona negócio nulo. Assim, se se trata de hipótese de nulidade (p. ex.: simulação), e não de anulabilidade (p. ex.: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, fraude contra credores, etc.), incide um regime jurídico específico na hipótese. Particularmente, estou a referir-se a esta regra do CC:
 
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Ora, pela norma inscrita no art. 169 do Código Civil, é assente na doutrina que o legislador firmou a imprescritibilidade do reconhecimento judicial do negócio jurídico nulo, cuja declaração far-se-á inclusive com efeitos retroativos (ex tunc). Entretanto, tecnicamente, deve-se corrigir a terminologia doutrinária, pois o prazo para a declaração judicial de nulidade é decadencial, e não prescricional, uma vez que se cuida de ação constitutiva negativa, e não condenatória. Em conclusão, ainda que o examinador tivesse aludido ao termo técnico correto (prazo decadencial), a assertiva estaria incorreta, pois o negócio jurídico nulo não convalesce pelo decurso do tempo (não caduca o direito de pedir a declaração judicial da nulidade nascida juntamente com o vício). 

Logo, o item 102 está ERRADO.   

9 - Questão 103

Os negócios jurídicos serão nulos de pleno direito quando forem praticados mediante dolo ou coação.

No item 103, o examinador atribuiu erradamente a pecha de nulidade às hipóteses que têm o condão de tornar anulável um determinado negócio jurídico. 

Com efeito, dolo e coação são defeitos do negócio jurídico. Sua consequência é tornar a avença em que sejam constatados meramente anulável. O disposto no art. 171 do CC corrobora o que afirmo:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Esses defeitos do negócio jurídico, segundo conhecida classificação doutrinária, apresentam-se ora sob a forma de vícios sociais (p. ex.: fraude contra credores) ou vícios do consentimento (vícios internos, visto que atingem a livre manifestação de vontade). Nesta última categoria é que se enquadram todos os defeitos mencionados no inc. II do art. 171 - incluindo, obviamente, o dolo e a coação e excetuada a fraude contra credores.

Logo, o item 103 está ERRADO.    

Posto que a incorreção da assertiva já esteja visível, em respeito ao leitor que prestigia o blogue, cuido de recordar tema importante no estudo desse assunto. Reporto-me ao prazo de decadência para propositura da ação anulatória do negócio defeituoso, aquele em que a manifestação de vontade do contratante tenha sido viciada. Eis o que dispõe o art. 178 do CC:   

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Vale lembrar ainda que o reconhecimento judicial da anulabilidade (invalidade) do negócio jurídico não pode ser feito de ofício (CC, art. 177), assim com os efeitos desse reconhecimento não são retroativos (ex nunc). Além disso, diferentemente dos negócios jurídicos nulos, os negócios anuláveis são suscetíveis de confirmação pelas partes, salvo o direito de terceiro (CC, art. 172).  

Aqui se encerram as questões de Direito Civil cobradas na prova do SERPRO pelo CESPE. Desejo sinceramente que meus comentários possam constituir-se num subsídio proveitoso aos leitores de todo o Brasil que prestigiam o blogue do GERT. 

Bons estudos a todos! 
 

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