terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

RT COMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO - IPTU (Sujeição passiva)


Min. Mauro Campbell Marques, relator do REsp 1402217 no STJ.
1 – Questão

O proprietário de um imóvel localizado em condomínio irregular está obrigado ao pagamento de IPTU?

Entre os elementos da obrigação tributária, destaca-se a sujeição ativa e passiva. Nesse passo, cumpre saber, dentro da estrutura da relação obrigacional, quem pode cobrar o tributo (sujeito ativo), bem assim aquele que está obrigado ao seu adimplemento (sujeito passivo).

A definição legal de sujeito ativo da obrigação tributária vem estipulada expressamente no art. 119 do CTN, in verbis:

Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.

Já o sujeito passivo da obrigação tributária, na sistemática do Código Tributário Nacional, é aquele que genericamente está obrigado a uma prestação – que pode ser de dar, fazer ou não fazer. A aprofundar esse conceito genérico, verificamos o seu caráter bipartido. De um lado, temos o sujeito passivo da obrigação tributária principal (art. 121); de outro, o sujeito passivo da obrigação tributária acessória (art. 122).

Vejamos esses dispositivos do CTN:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto.

A partir desses conceitos, tomemos como exemplo a sujeição passiva no IPTU.

Juridicamente, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) qualifica-se como um tributo de competência dos Municípios (CF, art. 156, I), cujo fato gerador compreende a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município (CTN, art. 32).

Na estrutura da obrigação tributária deflagrada pelo IPTU, tem-se que o legislador visa a tributar a riqueza que o sujeito passivo manifesta por meio da propriedade, da posse ou do domínio útil. Consequentemente, contribuinte do imposto é o titular da propriedade, da posse ou do domínio útil (CTN, art. 34). Cabe a esse contribuinte, portanto, a obrigação legal de pagar o tributo, uma vez que é ele quem manifesta a riqueza tributável.

No entanto, a controvérsia manifesta-se pela necessidade de sabermos se é possível a cobrança de IPTU sobre imóvel que tenha sido construído em área irregular. Por exemplo: um condomínio formado com inobservância das normas legais pertinentes.

Para responder essa pergunta, é preciso ler novamente a redação do art. 34 do CTN:

Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.  

Na parte final da regra acima, quero destacar um ponto que considero relevante para o deslinde da controvérsia: “ou o seu possuidor a qualquer título”. Vejam que no comando legal não consta qualquer tipo de restrição à natureza da posse. O legislador não condicionou a sujeição passiva do tributo à circunstância de a posse ser justa ou injusta (violenta, clandestina ou precária), tal como definido no art. 1.200 do CC. Para efeito de incidência do fato gerador do IPTU e a qualificação de alguém como contribuinte do imposto, por conseguinte, inexiste limitação relativa ao tipo de posse ou possuidor. Para efeito de incidência do fato gerador do IPTU, tudo o que importa é o conteúdo econômico apreciável da propriedade, posse ou domínio útil, da mesma maneira que a qualidade de contribuinte atribui-se ao possuidor do terreno que manifeste riqueza mediante posse a qualquer título.   

Escorado nesses fundamentos, decidiu o STJ (grifo meu):

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA "C". AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O APONTADO COMO PARADIGMA. INCIDÊNCIA DO IPTU SOBRE CONDOMÍNIOS IRREGULARES.
1. A divergência jurisprudencial deve ser demonstrada segundo o disposto no arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ, que exigem o cotejo analítico das teses dissidentes com a demonstração das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais impede o conhecimento do Recurso Especial com base na alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.
2. Cinge-se a controvérsia dos autos acerca da incidência do IPTU sobre imóvel construído em condomínio irregular (em terrenos públicos).
3. A luz do disposto nos artigos 32 e 34 do CTN são contribuintes do IPTU o proprietário do imóvel, titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título. O CTN não estabelece qualquer limitação ou restrição ao tipo de posse, para fins de incidência do fato gerador do IPTU, e nem ao seu possuidor, como contribuinte.
4. É patente que o recorrente exerce alguns dos poderes inerentes à propriedade sobre o imóvel, já que exterioriza o seu ânimo de proprietário e, no plano fático dispõe do imóvel, ainda que por intermédio de contratos irregulares, realizados sem participação do real proprietário.
5. Cumpre esclarecer em que pese no caso o poder fático que exerce sobre os bens públicos não seja qualificado no plano jurídico como posse suficientemente capaz para gerar a aquisição da propriedade por usucapião ou a garantir a proteção possessória em face dos entes públicos, os detentores de bens públicos se caracterizam como possuidores a qualquer título, para efeito de incidência do IPTU, devendo ser considerados sujeitos passivos já que patente o seu inequívoco ânimo de se apossar definitivamente dos imóveis ou deles dispor mediante contrato oneroso.
6. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte não provido.
(STJ, Segunda Turma, REsp 1.402.217/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 17/11/2015, p. DJe 24/11/2015).   

À vista do precedente acima, podemos concluir que o STJ, forte nos arts. 32 e 34 do CTN, entende que o possuidor a qualquer título – incluído o morador de condomínio construído em área irregular – está legalmente obrigado ao pagamento do tributo, a revestir-se da qualidade jurídica de contribuinte, uma vez que toda e qualquer posse (justa ou injusta, regular ou irregular, até mesmo a mera detenção) pode ser utilizada como fato gerador do IPTU.

Portanto, para ser sujeito passivo (contribuinte) do IPTU é suficiente, segundo a jurisprudência do STJ, que a pessoa exerça algum dos poderes inerentes à propriedade sobre o imóvel, a exteriorizar seu animus domini, a dispor faticamente do bem imóvel, independentemente de a posse não dispor de proteção possessória ou conduzir à prescrição aquisitiva (a usucapião), já que a posse que advém de contratos irregulares, à luz da legislação de regência, não afeta a obrigação tributária – máxime a qualidade de contribuinte do possuidor a qualquer título.      

Nenhum comentário:

Postar um comentário