sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RT Comenta: DIREITO AMBIENTAL - Princípios do Direito Ambiental


Prova: Advogado BNDES 2013 
Tipo: Objetiva
Banca:
49

Os princípios do Direito Ambiental são fundamentais para análise e interpretação deste ramo do Direito, que se volta para a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 
Considerando as orientações dos princípios do Direito Ambiental, analise as afirmações abaixo.

 
I - Os danos ambientais somente devem ser evitados quando se tenha certeza científica quanto à sua ocorrência, sob pena de ofensa à livre iniciativa.

 
II - É dever do empreendedor incorporar as externalidades negativas de seu processo produtivo, para que a coletividade não seja destinatária de tais ônus.

 
III - A discussão sobre dano moral ambiental relaciona-se à responsabilidade por danos ambientais, que é objetiva e baseada na teoria do risco integral.

 
É correto o que se afirma em

(A) I, apenas

(B) III, apenas

(C) I e II, apenas

(D) II e III, apenas

(E) I, II e III.
 

Hoje decidi comentar as questões de Direito Ambiental que foram recentemente objeto de cobrança na prova de advogado do BNDES. A banca que preparou o certame foi a Fundação CESGRANRIO.

A questão 49 não pode ser respondida diretamente, pois demanda raciocínio analítico a respeito de cada uma das afirmações. Sendo assim, peço ao leitor que me acompanhe nessa análise.

 
Afirmação I: está errada.

Note o leitor que o comando da questão alude aos princípios do Direito Ambiental. Entre estes, encontra-se o princípio da precaução. Trata-se do princípio 15 da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, proclamada na cidade do Rio de Janeiro, em 1992, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ei-lo (grifo meu):

Princípio 15

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Ou seja, consoante o princípio da precaução, sempre que inexistir certeza científica quanto aos riscos de danos graves à natureza, estabelece-se uma presunção relativa em favor da proteção do meio ambiente, ora para impor ao autor de projeto econômico que faça prova de que sua ação não é prejudicial ao ecossistema (inversão do ônus da prova), ora para determinar ao Poder Público a adoção de medidas que visem a restringir atividades potencialmente lesivas, mesmo em áreas sobre as quais não haja certeza quanto ao dano ambiental.

O princípio da precaução é o que Paulo Affonso Leme Machado chama de in dubio pro natura, pois, na dúvida entre prosseguir com uma interveção antrópica possivelmente agressiva e salvaguardar a integridade ambiental, prevalece esta última.

Vejamos um caso concreto na jurisprudência do STJ (grifos meus):

PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. Em matéria de meio ambiente, vigora o princípio da precaução. A ampliação de uma avenida litorânea pode causar grave lesão ao meio ambiente, sendo recomendável a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental até que sejam dirimidas as dúvidas acerca do possível impacto da obra. Agravo regimental não provido. (STJ, Corte Especial, AgRg na SLS 1524/MA, Rel. Min. Ari Parglender, j. 02/05/2012, p. DJe 18/05/2012).    

De modo a evitar a propalada "ofensa à livre iniciativa", a doutrina defende que o princípio da precaução, por operar seus efeitos na presunção relativa de um nexo de causalidade entre a ação e a ocorrência de dano, só deve ser aplicado em se tratando de empreendimentos que sejam capazes de ocasionar danos consideráveis, ou virtualmente irreversíveis, ao meio ambiente. Assim, o princípio da precaução não se aplica a riscos pequenos, sob pena de engessar a atividade econômica.

A partir desse raciocínio, conclui-se pela convivência harmônica entre o princípio da precaução e o da livre concorrência, que é princípio da atividade econômica tanto quanto a defesa do meio ambiente (CF, art. 170, IV, c/c VI).

 
Afirmação II: está correta.

Segundo o princípio do poluidor-pagador, aquele que se dispõe a intervir no meio ambiente deve arcar com o ônus financeiro dessa intervenção. Por outras palavras, é dever do empreendedor incorporar à tabela de custos do processo produtivo os valores resultantes dos danos ambientais, seja na esfera da prevenção ou da reparação. É a isso que se chama de "externalidades negativas", isto é, são as consequências do processo produtivo que hão de ser suportadas pela coletividade, na medida em que a ação humana que intervém no meio ambiente causa algum tipo de impacto ao ecossistema. Como o empreendedor se apropria individualmente do lucro que decorre da sua atividade, não é justo que ele socialize tão somente os danos com o resto da população.

O princípio do poluidor-pagador está previsto no Princípio 16 da  Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (grifo meu): 

Princípio 16

As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e  o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais.

É claro que o princípio em comento não visa a autorizar a poluição, conclusão que poderia equivocadamente resultar deste raciocínio: quem pagar, pode poluir à vontade. Logicamente, o princípio orienta o intérprete do direito em sentido diametralmente contrário, pois o que se quer, com a máxima do poluidor-pagador, é evitar que a possível configuração de um dano ao ambiente reste desapercebida de qualquer tipo de reparação pela alegada falta de recursos do empreendedor. Daí por que o poluidor-pagador é princípio que impõe ao produtor a internalização das "externalidade negativas" não apenas no plano repressivo (reparação do dano ambiental), mas também no plano preventivo (evitar a ocorrência de dano).  

Por todos esses motivos, é correto, à luz do princípio do poluidor-pagador, afirmar que "É dever do empreendedor incorporar as externalidades negativas de seu processo produtivo, para que a coletividade não seja destinatária de tais ônus."

Afirmação III: está correta.

No direito brasileiro, o tema da responsabilidade civil encontra como regra mor o art. 927 do CC. In verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O dispositivo versa sobre a chamada responsabilidade civil extracontratual (previsão jurídica que regula as situações não disciplinadas em contrato). Pela cabeça do dispositivo, temos que a regra geral é a responsabilidade civil subjetiva, que é aquela que se consubstancia mediante a exigência de culpa lato sensu (dolo ou culpa) para a responsabilização do causador do dano. A exceção fica por conta do parágrafo único, onde o legislador previu a responsabilidade civil objetiva, que é aquela que dispensa a perquirição de culpa na análise da conduta do agente. Por se cuidar de uma exceção, só haverá responsabilização objetiva em duas circunstâncias: (1) nos casos especificados em lei; e (2) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.

É justamente essa última hipótese que se amolda ao Direito Ambiental. A atividade do empreendedor, que intervém para transformar a natureza, implica risco de degradação do meio ambiente, que é direito fundamental da coletividade (CF, art. 225). Natural supor, portanto, que a responsabilidade civil, em matéria ambiental, seja objetiva. 

No art. 4º, VII, 1º parte, da Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - LPNMA), encontra-se a previsão do cabimento da responsabilidade civil no Direito Ambiental (grifo meu):

 Art 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

        I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;

        II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;

        III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;

        IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais;

        V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;

        VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;

        VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Adiante, no mesmo diploma, o legislador foi ainda mais enfático ao explicitar que, em sede de matéria ambiental, a responsabilidade civil é objetiva. Vejamos o teor do § 1º do art. 14 da LPNMA (grifo meu):

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Em conclusão: no Direito Ambiental, para efeito responsabilização do agente causador do dano ao meio ambiente, basta a constatação dos seguintes pressupostos: (a) dano; (b) nexo causal. Dispensa-se, assim, a discussão quanto à existência de dolo ou culpa na conduta do agente.

Mas o assunto não para por aí. Há ainda que se enfatizar que, no Direito Ambiental brasileiro, a responsabilidade civil objetiva é baseada na teoria do risco integral. Nos termos dessa teoria, a responsabilização do agente, além de prescindir da análise de dolo ou culpa na conduta, não admite as excludentes do nexo de imputação. Dessa forma, não cabe ao agente, para o fim de subtrair-se à reparação do dano ambiental, alegar em juízo ter havido caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro - que são excludentes só aplicáveis à responsabilidade civil extracontratual objetiva que se funda na teoria do risco criado. 

O STJ reforça em seus julgados o entendimento quanto à aplicabilidade da teoria do risco integral na seara ambiental. Abaixo, reproduzo um precedente recente que é explícito nesse sentido (grifos meus):     

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. JUNTADA DO VOTO VENCEDOR. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA DE OMISSÃO. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DO POLIDUTO "OLAPA". TEORIA DO RISCO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA. APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE DIREITO FIRMADAS NO RESP 1.114.398/PR (JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC). INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO.

1. O STJ sedimentou entendimento de que não há obrigatoriedade de publicação do voto divergente em hipóteses nas quais não sejam admitidos embargos infringentes, mesmo porque tal lacuna não causa quaisquer prejuízos à parte recorrente.

2. No caso, a premissa vencedora do acórdão é a de que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, tendo por pressuposto a existência de atividade que implique riscos para a saúde e para o meio ambiente, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante  que permite que o risco se integre na unidade do ato que é fonte da obrigação de indenizar, de modo que, aquele que explora a atividade econômica coloca-se na posição de garantidor da preservação ambiental, e os danos que digam respeito à atividade estarão sempre vinculados a ela, por isso descabe a invocação, pelo responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil e, portanto, irrelevante a discussão acerca da ausência de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro ou pela ocorrência de força maior.

3. Embargos de declaração rejeitados, com imposição de multa de 1% sobre o valor da causa.

(STJ, Quarta Turma, EDcl no Resp 1346430/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05/02/2013, DJe 14/02/2013).  

Por esses motivos, é correto afirmar que "A discussão sobre dano moral ambiental relaciona-se à responsabilidade por danos ambientais, que é objetiva e baseada na teoria do risco integral." 

Finalmente, a resposta correta para a questão 49 era a alternativa D.

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