sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RT Comenta: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL - Regime jurídico das súmulas vinculantes

 
Prova: Juiz de Direito TJPA (2012)
Tipo: Discursiva
Banca:

Questão 2  

Com base na disciplina constitucional e legal a respeito das súmulas vinculantes, disserte sobre essa inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Em seu texto, aborde, necessariamente, os seguintes aspectos:

definição de súmula vinculante;

objeto e requisitos;

legitimidade para propor sua edição, revisão e cancelamento, de forma autônoma e incidental;

efeitos e possibilidade de modulação. 


Na seção RT Comenta de hoje resolverei uma questão discursiva cobrada na prova para o cargo de Juiz de Direito.

Portanto, eis infra a minha resposta à questão.

2 – Resposta RT

De início, antes de adentrar o tema propriamente dito das "súmulas vinculantes", é preciso consignar uma errata à nomenclatura adotada pelo legislador brasileiro. Não é correto, tecnicamente, falar-se em "súmula vinculante". Do ponto de vista do direito judicial, a aplicação reiterada de um precedente enseja a formação da jurisprudência. Caso a jurisprudência seja de tal forma cimentada nas decisões, avultando a sua predominância flagrante, o tribunal, superior ou não, pode, em apreço ao ideal da segurança jurídica, editar um enunciado jurisprudencial, isto é, um brevíssimo texto normativo, que sumaria a ratio decidendi das decisões reiteradamente aplicadas no plano jurisdicional.

Esses enunciados, uma vez reunidos, constituem a súmula de jurisprudência do tribunal. Adotando-se com rigor o significado lexical do substantivo, compreende-se com facilidade que - tecnicamente - súmula é o resumo das ratio decidendi predominantemente aplicadas nas decisões de um determinado tribunal (é o que os juristas antigos chamavam de "repositório" ou "repertório" de jurisprudência). 

Diante disso, é inevitável concluir que o que é vinculante não é a súmula, mas sim o enunciado sumulado (o termo "sumular", empregado como adjetivo por muitos doutrinadores, alguns até bem famosos, é totalmente errado, pois a gramática normativa culta só o conhece como verbo de transitividade direta). O próprio legislador, ao elaborar a Lei 11.417/06, parece ter percebido a atecnia, de modo que, no caput do art. 2º do diploma infraconstitucional, usou a expressão tecnicamente correta ("editar enunciado de súmula"), em detrimento à lambança que foi feita na redação do art. 103-A da Constituição ("aprovar súmula"), que, com péssima redação (no § 1º do art. 103-A esqueceram até as vírgulas da língua portuguesa!), só revela o alto grau de analfabetismo jurídico do Parlamento brasileiro. Essas lambanças, somadas à prática recorrente do assassínio da norma culta vernacular, até mesmo por alguns ilustres doutrinadores brasileiros, coloca o jurista na posição de um verdadeiro Ethan Hunt, tentando se desincumbir da missão quase impossível que é tentar salvar o direito posto, prenhe de atecnias, no Brasil.  

Ressalto que tais observações primam pela técnica no emprego da linguagem jurídica. Na prática, não há consequências graves pelo uso inadequado do termo "súmula" - máxime porque ele já se consagrou na praxe forense. No entanto, a atecnia não deixa de ser censurável, haja vista que o mínimo que se espera do bacharel em direito (rectius: alguém que estudou durante cinco anos a ciência jurídica) é que ele seja técnico no domínio do seu ofício. Mesmo porque, se não for o bacharel, quem mais será técnico? Com certeza o leigo não o será. Aliás, diferentemente do operador do direito, o leigo não tem a obrigação de dominar a técnica jurídica.     

Feita essa ressalva crítica, passo ao desenvolvimento da resposta da questão. 

A sistemática da "súmula vinculante" foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual incluiu o art. 103-A no texto da Constituição de 1988. Ei-lo in verbis:     


Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. 

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

O art. 103-A é, portanto, o fundamento jurídico-constitucional para a aprovação de enunciados de jurisprudência com efeitos vinculantes. Tais enunciados constituem precedentes judiciais, firmados pelo Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, que possuem um efeito jurídico singular, a saber, a imposição da sua obrigatoriedade (caráter obrigatório/vinculatório) para todos os órgãos do Poder Judiciário, assim como para todos os órgãos da Administração Pública, direta e indireta, em todas as esferas (federal, estadual e municipal).    

O efeito obrigatório e vinculante dos enunciados de súmula deve ser entendido no contexto da chamada criação judicial do direito. Assim é que, normalmente, no sistema jurisdicional do Brasil, a eficácia de um precedente limita-se ao seu caráter persuasivo, o que significa dizer que a ratio decidendi reiteradamente aplicada, e posteriormente incluída em súmula por meio de um sintético texto de enunciado normativo, tem apenas o poder de persuadir o convencimento do juiz. Portanto, o efeito persuasivo do precedente não obriga à sua observância, de modo que o magistrado pode decidir aplicá-lo ou não, conforme tenha se convencido da autoridade da ratio decidendi do enunciado para o deslinde adequado da solução reclamada pelo caso concreto.      

A eficácia meramente persuasiva dos precedentes judiciais é típica dos sistemas inspirados pela tradição do civil law. Não é, no entanto, o que se verifica nos sistemas adeptos da common law, para os quais a regra é a autoridade vinculativa do precedente judicial. É por essa razão que esses sistemas sobrevalorizam o brocardo latino do stare decisis et non quieta movere, do qual se extrai a sua expressão mais conhecida (stare decisis), para significar que, em regra, os precedentes firmados por um tribunal superior são vinculantes para todos os órgãos jurisdicionais hierarquicamente inferiores dentro da mesma jurisdição. É pela via do stare decisis que os sistemas judiciais filiados ao common law estabelecem que a decisão da Corte Suprema obriga/impõe/vincula todos os juízes e tribunais ao decidido.             

Ainda que não se possa afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro atribua o peso devido aos precedentes judiciais, ao menos não da forma como ocorre nos países do sistema da common law mediante o stare decisis, é indiscutível que as últimas reformas operadas no texto da Constituição de 1988, de que é exemplo a própria EC 45/04, têm caminhado no sentido da criação de instrumentos assecuratórios da obediência aos precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal. É no bojo de tais reformas - que inclusive sinalizam, em âmbito constitucional, o tão propalado fenômeno da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade no Brasil - que surgem os institutos da repercussão geral no recurso extraordinário (CF, art. 102, § 3º) e da súmula vinculante (CF, art. 103-A).            

A "súmula vinculante" pode ser definida, por conseguinte, como um instrumento que visa a assegurar a força vinculante dos precedentes judiciais no Brasil (stare decisis), de modo a tornar efetivamente obrigatória a ratio decidendi (norma jurídica geral, norma jurídica elaborada jurisdicionalmente) consolidada nas decisões do Supremo Tribunal Federal. Desse modo, as teses jurídicas que forem cristalizadas em enunciados constantes da súmula de jurisprudência vinculante da Corte Suprema terão de ser obrigatoriamente seguidas por todos os órgãos do Poder Judiciário (incluindo o próprio STF) e da Administração Pública, direta e indireta, nas suas esferas federal, estadual e municipal.

É lógico que, dada a compulsoriedade característica do efeito vinculante, a subtrair parcela significativa do livre convencimento do juiz diante do caso concreto, o legislador constituinte restringiu o alcance da obrigatoriedade dos precedentes judiciais. Não é, portanto, qualquer decisão que dará ensejo a um enunciado normativo incluível na súmula de jurisprudência vinculante do STF. O objeto da "súmula vinculante" é restrito, só se admitindo sua edição quando o enunciado tiver por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de  normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários, ou entre esses e a Administração Pública, que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica" (CF, art. 103-A, § 1º).  

Essa ideia de limitação do objeto da "súmula vinculante" também se encontra presente na Lei 11.417/06, que regulamentou o instituto no plano infraconstitucional. É o que se percebe da leitura do § 1º do art. 2º do diploma legal: 

§ 1º  O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

Interpretando o art. 2º, § 1º, da Lei 11.417/06, podemos identificar pelo menos três requisitos que autorizam a edição de um enunciado com eficácia vinculante:

a) requisito objetivo: o enunciado vinculante só pode ser editado para o fim de examinar questão de direito. Por outras palavras, questões de fato, ainda que submetidas à apreciação do STF, não ensejam a edição do enunciado vinculante. Somente a questão de direito que trate da validade, da interpretação e da eficácia de normas determinadas é que legitima a "súmula vinculante". Por sinal, cumpre sublinhar que a expressão "normas determinadas" não é exigência somenos da lei, na medida em que assinala que a questão de direito deve versar sobre norma jurídica determinada, o que implica a imprescindibilidade de que o Supremo Tribunal Federal indique qual o dispositivo controverso que ensejou a edição da "súmula".   

b) requisito circunstancial: além de o enunciado vinculante versar sobre questão de direito, a lei exige ainda que haja controvérsia atual quanto à validade, à interpretação ou à eficácia da norma jurídica determinada. Mas a simples atualidade da controvérsia, de per si, não basta para validar a edição da "súmula". É preciso, pois, que, além de atual, a controvérsia tenha criado repercussão significativa, com potencial para desestabilizar a segurança jurídica do sistema como um todo. Daí por que o art. 2º, § 1º, da Lei 11.417/06 estipula que a controvérsia atual deverá acarretar - cumulativamente - grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Observe-se que os requisitos são cumulativos, de tal arte que o STF deverá, necessariamente, divisar na controvérsia atual o estado de dúvida generalizado (grave insegurança jurídica), assim como a potencialidade de efeito multiplicador imanente à discussão jurídica, a qual, se não dirimida in continenti,  pode vir a obstaculizar o funcionamento regular da atividade jurisdicional (relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica).

c) requisito temático: trata-se da exigência de que a questão de direito, que suscitou a controvérsia atual que acarreta grave insegurança jurídica e relevante efeito multiplicador de processos sobre questão idêntica, esteja relacionada à controvérsia de natureza constitucional. O fundamento do requisito é a própria competência do Supremo Tribunal Federal, órgão jurisdicional ao qual compete, precipuamente, a guarda da Constituição (CF, art. 102, caput). Logo, como o STF dedica-se tão somente à interpretação e à aplicação do texto constitucional, não se admite a edição de "súmula vinculante" que venha a tratar de questão de natureza diversa, isto é, discussão de natureza que não seja constitucional.

Aliás, é por força desse requisito temático que se pode asseverar que, hodiernamente, o conceito de "súmula" é um gênero a desdobrar-se em duas espécies, a saber: "súmulas vinculantes" e "súmulas não vinculantes", ambas pertencentes ao repertório de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O embasamento para essa dicotomia se dá ante a observação de que, enquanto as primeiras têm natureza constitucional, as segundas têm natureza processual. Essa distinção dicotômica foi fixada pelo próprio STF no julgamento do AgR na Rcl 3.979/DF (Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 03/05/2006, p. DJ 02/06/2006), em acórdão assim ementado:      

Agravo regimental em reclamação. 2. Súmulas vinculantes. Natureza constitucional específica (art. 103-A, § 3º, da CF) que as distingue das demais súmulas da Corte (art. 8º da EC 45/04). 3. Súmulas 634 e 635 do STF. Natureza simplesmente processual, não constitucional. Ausência de vinculação ou subordinação por parte do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

No que concerne ao procedimento para revisão, edição e cancelamento da "súmula vinculante", mais uma vez é preciso recorrer à disciplina legal inscrita na Lei 11.417/06 (com as acheganças subsidiárias do Regimento Interno do STF).   

Dessa maneira, nota-se que o legislador cuidou de estabelecer um rol ex vi legis de legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado com força vinculante. É o que consta do art. 3º do diploma legal supracitado:   

Art. 3º  São legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – o Procurador-Geral da República;

V - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VI - o Defensor Público-Geral da União;

VII – partido político com representação no Congresso Nacional;

VIII – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;

IX – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

X - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

XI - os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Esse rol de legitimados ainda incluiu, curiosamente, a figura do Município, com a ressalva de que a propositura de edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante, da lavra do ente munícipe, deve ser feita incidentalmente no curso de processo em que seja parte (art. 3º, § 1º).  

Note-se que o aspecto curioso da inclusão do ente municipal reporta-se ao texto da Constituição, onde se lê que, "sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, a revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade" (CF, art. 103-A, § 2º). Ou seja, o legislador constituinte definiu um piso para o rol de legitimados, lastreando-o no rol da ADI (CF, art. 103). Não maniatou, em consequência, a liberdade de conformação do elenco pelo legislador infraconstitucional, permitindo a sua extensão por meio de lei. Foi o que permitiu a inclusão de legitimados não pertencente ao rol dos atores aos quais se autoriza o ajuizamento da ADI, de que são exemplos o Defensor Público-Geral da União e os Tribunais de maneira geral (STJ, STM, TST, TSE, TRFs, TRTs, TJEs, TJDFT, TJMs), além, é claro, do próprio Município.   

Do plexo do raciocínio acima é que se extrai a classificação doutrinária que defende a existência de dois tipos de legitimados a propor a edição, revisão e cancelamento do enunciado de súmula vinculante. O critério adotado para o discrime classificatório é a exigência de processo em andamento. Assim, para efeito de proposta de edição, revisão ou cancelamento de "súmula vinculante", a doutrina aponta que são legitimados autônomos todos aqueles que podem atuar perante o STF independentemente de vinculação a um processo judicial em curso (Lei 11.417/06, art. 3º c/c art. 103 da CF/88), enquanto são legitimados incidentais aqueles que dependem da existência de um processo judicial em curso para agir (Lei 11.417/06, art. 3º, § 1º).  

À luz do procedimento estabelecido pela Lei 11.417/06, é fácil concluir que somente os Municípios integram a categoria dos legitimados incidentais, uma vez que sua atuação fica na dependência de ter sido previamente ajuizada uma ação. Apenas nesses processos em que figuram como parte é que os Municípios poderão - incidentalmente - propor a edição, a revisão ou o cancelamento do enunciado de súmula vinculante, sem que tal autorize a suspensão do processo (art. 3º, § 1º, in fine).

A propósito, é conveniente ressaltar que a sistemática da Lei 11.417/06 vedou, em todas as hipóteses, a suspensão de processos nos quais a questão de direito controversa esteja a ser debatida. É a conclusão que decorre da conjugação dos art. 3º, § 1º, in fine, combinado com o art. 6º do mesmo diploma legal (grifos meus):

Art. 3º (omissis)

§ 1º  O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.

Art. 6º  A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão.

Sendo assim, eventual provocação do STF, com o fim de editar, revisar ou cancelar "súmula vinculante", jamais terá o condão de autorizar a suspensão de processos judiciais em curso. Ou seja, o STF, uma vez instado a manifestar-se a respeito de enunciado de súmula de jurisprudência vinculante, irá fazê-lo sem que isso tenha qualquer repercussão na tramitação normal dos processos, circunstância que torna o procedimento da Lei 11.417/06 substancialmente diferente daquele aplicável ao julgamento por amostragem das teses suscitadas em sede de recurso extraordinário e que tenham tido sua repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte Suprema, caso em que o tribunal de origem selecionará um ou mais recursos representativos da controvérsia, sobrestando os demais (CPC, art. 543-B, 1º).   

Assinale-se que as etapas de edição, revisão e cancelamento de enunciado com força vinculante dependem de decisão do Supremo Tribunal Federal. A decisão referenciada é obviamente do Plenário, que poderá deliberar de ofício ou por provocação, contanto que seja respeitado o quorum qualificado de 2/3 (dois terços) dos membros da Corte (CF, art. 103-A, caput, c/c art. art. 2º, § 3º, da Lei 11.417/06). Caso o quorum não venha a ser atingido, o texto do enunciado normativo elaborado em sessão plenária não será invalidado, apenas ficará limitado à eficácia persuasiva, desapercebido de força vinculante.       

A menção à eficácia vinculante dos precedentes vem a calhar, pois permite a digressão quanto aos seus efeitos. Assim, pode-se afirmar que, tão logo seja aprovado o enunciado com o quorum qualificado, a "súmula vinculante" daí resultante será de observância obrigatória por todos os órgãos jurisdicionais do País, idêntica consequência a valer para os órgãos da Administração Pública, direta e indireta, em todas as suas esferas.    

Diante do caráter vinculatório do enunciado da súmula de jurisprudência vinculante, caso um órgão do Poder Judiciário ou da Administração Pública venha a decidir em desacordo com a ratio decidendi do precedente, o art. 7º da Lei 11.417/06 previu o cabimento da reclamação constitucional, endereçada ao STF (art. 102, I, l), para assegurar a autoridade jurídico-impositiva da norma construída jurisdicionalmente. In verbis:  

Art. 7º  Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.

§ 1º  Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.

§ 2º  Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

A reclamação, portanto, é o instrumento processual que se presta ao escopo de preservar a autoridade vinculante dos enunciados judiciais editados pelo do STF.   

Em princípio, a Lei 11.417/06 não cominou sanções de natureza penal, civil ou administrativa para a desobediência do precedente vinculante. Apenas estipulou que o ato de rebeldia pode ser impugnado junto ao STF de maneira direta, no que se impõe a abertura da via processual por meio de uma ação de rito célere, que é, in casu, a reclamação. Em tais hipóteses, julgada procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada - neste último caso, podendo determinar ainda que a autoridade de origem profira nova decisão, com ou sem a aplicação do enunciado, a depender do caso concreto (art. 7º, § 2º).   

Nesse ponto, um detalhe merece ser lembrado: em se tratando de autoridade administrativa recalcitrante na desobediência ao enunciado com força vinculante, o legislador previu uma sanção excepcional. Diz-se excepcional pela sua pessoalidade, já que ela se volta a punir o agente público rebelde, nos termos do disposto no art. 64-B da Lei 9.784/99 (incluído pela Lei 11.417/06, grifo meu):    

Art. 64-B.  Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.

Finalmente, cumpre frisar que, após a publicação do enunciado em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, a força vinculante do precedente opera seus efeitos imediatamente (Lei 11.417/06, art. 2º, § 4º, c/c art. 4º, 1º parte). Todavia, a eficácia imediata da tese jurídica inscrita no enunciado pode sofrer modulação temporal, conforme prevê o art. 4º da Lei 11.417/06: 

Art. 4º A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Portanto, é perfeitamente cabível a modulação do efeito vinculante do enunciado de súmula, uma vez obedecidos os requisitos legais (com ênfase para o quorum qualificado de dois terços). Nessa hipótese, o STF, modulando a força vinculatória do precedente, poderá restringir os efeitos vinculantes do enunciado, ou decidir que ele só tenha eficácia a partir de um momento futuro, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

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